Comentários
“De Malas Prontas”: rumo ao humor ácido
Espetáculo traz números circenses como o arremesso de facas
Bruna Galvão
Um banco de um aeroporto e duas mulheres. De repente, conflitos começam a surgir de ambos os lados, até se tornarem uma guerra entre elas. Se a sinopse da peça “De Malas Prontas – Rumo a Lugar Nenhum” é simples, o contexto que ela aborda, não. Afinal, trata da complexidade das relações humanas, acrescidas a um mundo contemporâneo onde o individualismo é incentivado de todas as formas, seja ao bem-estar individual, ao consumo ou à valorização do corpo. Assim, para ter uma satisfação imediata, o ser humano se esquece da gentileza e do respeito com o próximo, incitando a intolerância sem limites.
A abordagem inteligente e engraçada do espetáculo, que neste ano completa dez anos de estrada, concedeu à sua companhia, a catarinense Pé de Vento Teatro, diversos prêmios, dentre eles, o Funarte Myriam Muniz, em 2012. Na última década, foram mais de 600 apresentações nacionais e internacionais em países como Espanha, Portugal, Estados Unidos, Argentina, México, Áustria e Andorra, com público estimado em 200 mil espectadores.
Em turnê comemorativa por cinco capitais, a companhia esteve em São Paulo entre os dias 5 e 7/7, além de já ter passado por Curitiba e pelo Rio de Janeiro. Segue, agora, para Porto Alegre, no dia 14/7, e para Florianópolis, em 21/7.
“Esta peça incentivou a produção local [que não se resume, no contexto da fala, somente a Florianópolis, cidade da cia.] no sentido de que as pessoas puderam ver que é possível ir ao teatro e se divertir, sem resumir tais idas a espetáculos de atores Globais”, afirma o espanhol Pepe Nuñez, diretor do espetáculo.
Pepe traz ao palco a mesquinhez e a crueldade no cotidiano. “O ser humano é capaz de tudo”, diz, ao final da apresentação, que aconteceu em 7/7 em São Paulo.
As atrizes – a brasileira Vanderléia Will e a argentina Lily Curcio – interpretam o charme, a sensualidade e a vaidade femininas, mas, também, a ira da mulher. O universo feminino é esmiuçado e, nesse jogo, o pudor não entra.
Elas se medem com o olhar, exibem o que tem de melhor (o melhor, neste caso, pode ser até mesmo um morango com chantilly), disputam espaço, beleza e gestos, se arranham, se beliscam, se batem, se cheiram, se humilham. Mas também riem sarcasticamente uma da outra, o que as leva, sempre, a iniciar um novo “round”.
Nos 65 minutos de “De Malas Prontas”, não há nenhum diálogo entre as personagens. A peça se sustenta nas técnicas de clown, muito bem executadas pelas atrizes. “A palhaçaria é algo que o ator traz do seu interior e a põe para fora e é este o tom que damos à peça”, explica o diretor.
Na apresentação, há ainda dois números circenses: o arremesso de facas e o caixote com facas, ambos dirigidos por Sérgio Machado.
Por ser um espetáculo universal e atemporal (prova disso são os seus dez anos de comemoração), a exibição também suscita outras referências e interpretações. Se, ao mesmo tempo, pode-se pensar nas brigas e discussões do cotidiano, como as que ocorrem no trânsito, no trabalho, nos bares, ou com o vizinho, há também, paralelos de maior abrangência, como a disputa geopolítica entre os mundos ocidental (representado pelos Estados Unidos) e oriental (representado pelo Oriente Médio, por exemplo). “A Lily, que é loira, seria o universo americano e eu, que sou morena, represento o Oriente”, explica Vanderléia.
O público ri das duas briguentas, mas a sua felicidade é também questionável, já que “muita gente também se vê em muitas situações semelhantes”, conforme comenta Pepe. A própria atriz Vanderléia conta sobre uma situação semelhante que viveu recentemente: “Ontem mesmo eu estava no bufê de um restaurante com a Lily, quando um rapaz cruza a minha frente com o garfo para se servir primeiro. Então eu me indignei e olhei para ele assim [Vanderléia arregala os olhos e torce a boca, tal como a sua personagem]. Mas, daí, a Lily me cutucou, dizendo que eu iria assustá-lo [risos]. Na verdade, acho que a personagem está tão encarnada em mim que às vezes me esqueço que não sou ela o tempo todo”.
Ficha técnica:
“De Malas Prontas – Rumo a Lugar Nenhum”
Autoria e direção: Pepe Nuñez
Elenco: Vanderléia Will e Lily Curcio
Direção dos números circenses: Sérgio Machado
Cenografia: cia Pé de Vento Teatro
Assistência de direção e iluminação: Luis Carlos Nem
Trilha sonora: Sérgio Machado e Pepe Nuñez
Locução em off: Ana Paula Possap
Maquiagem/cabelo: Cláudia Goulart
Produção: cia Pé de Vento Teatro
Tags: funarte, Lily Curcio, Pé de Vento Teatro, Pepe Nuñez, Sérgio Machado, Vanderléia Will
Relacionados
Estudantes de todo país podem se candidatar para receber a Bolsa Funarte para Formação de Artes Circenses até 24 de maio Bell Bacampos colaborou Antônio Marcello, de …
Em entrevista exclusiva, Zezo Oliveira, diretor da Escola Nacional do Circo, fala que a “conquista da nova sede foi maior vitória da escola em seus …