Arte em Movimento
Tato Villanueva: ar da graça do artista argentino
Marina Ferreira, produtora cultural
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O artista cômico argentino Tato Villanueva, criador e intérprete do solo de palhaço Molavin – Ópera bufa, esteve, em março, numa temporada de sucesso, no Sesc Copacabana, no Rio de Janeiro. Agora, ele se prepara para participar, em junho, do 7º Circos – Festival Internacional Sesc de Circo, que acontece de 16 a 26/6 em diferentes unidades do Sesc da capital paulista.
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Tato é um dos integrantes de Um Domingo – criação independente do Proyecto Migra* e Galpão de Guevara*, com performance de argentinos e uruguaios. O espetáculo mostra uma reunião de família, com feição ‘felliniana’, em torno de uma mesa de jantar, em que transbordam o amor e o ódio. Um Domingo vai estar pela primeira vez no Brasil, com apresentações no teatro do Sesc Santana, nos dias 17 e 18/06.
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Já com seu espetáculo solo Molavin, Tato desembarcou no Rio para temporada inédita, em março, que contou com 16 apresentações no teatro Arena do Sesc Copacabana. O público se emocionou com Molavin, que, além de provocar o riso com palavras, apresenta um trabalho corporal expressivo e cômico. A temporada no Rio terminou em 26/03 e contou com um convidado especial, Roberto Rodrigues, o excêntrico Mestre Palito, que dividiu o palco com Tato nos dias 17 e 24.
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Criador cênico
Conversei com o artista durante sua estadia no Rio de Janeiro sobre sua trajetória, o processo de criação de Molavin e suas transformações. Ator, clown, professor, diretor de circo contemporâneo, Tato costuma se apresentar como criador cênico, pois entende que são muitas as linguagens que constituem uma criação artística. Por outro lado, como está sempre procurando encontrar formas cômicas para fazer as coisas e entende que a comédia é uma forma de pensar e de viver, acredita que a melhor forma de se apresentar às pessoas é a mesma como já é conhecido: um palhaço.
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Molavin – Ópera bufa conta um pouco das visões de um vendedor de fumaça que, cansado de mentir, tenta falar a verdade e ser levado a sério, querendo recuperar sua dignidade – ainda que, para isso, tenha que morrer… no teatro. Uma comédia dramática, na qual o personagem vive um conflito real e, sem conseguir superá-lo, fracassa diante do público. “Nessa peça quero atuar bem, e logo fracasso. (…) É dramático, mas o público continua rindo… então esse é o mundo do palhaço, do clown, que tenta fazer as coisas de uma forma boa, e fracassa. E este é o mundo da vida, por isso a palhaçaria é linda para o público, por se identificar com isso”, afirma o artista.
O espetáculo tem oito anos de existência. Foi criado a partir de alguns dos elementos que integravam o primeiro espetáculo do artista, “Galindez” – em que contracena com uma sombra – e a canção “Nessum Dorma”, na versão cantada por Pavarotti, que despertava no artista a vontade de poder cantá-la ao vivo. “Escutando muitos anos esta música, eu pensava: – posso cantar essa música, mas tenho que estudar (…) Essas são as inspirações mais antigas de “Molavin”, como as raízes da criação”. A famosa ópera ganha a interpretação de Tato na última cena do espetáculo.
Molavin estreou no México, na rua, e tinha inicialmente muitos momentos de improvisação com o público. Depois de dois anos, em uma temporada dentro de um teatro em Buenos Aires, passou por várias adaptações para ganhar uma versão de palco. Quando veio para o Brasil, a obra teve novas e definitivas transformações ao ser traduzida para o português, transformações essas percebidas pelo artista como mudanças que melhoraram a obra: além da exigência corporal ter aumentado com o objetivo de que as ações físicas sejam mais expressivas e claras, também o texto diminuiu para deixar somente o que era de fato importante como informação verbal. Em tradução para o português, o texto em “portunhol” fez com que Tato começasse a sentir que essa poderia ser a língua oficial do personagem, que é alguém que vem de longe: não se sabe sua nacionalidade, é um viajante, um estrangeiro.
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Outra inspiração é um tipo de personagem que Tato encontrou nas ruas ao viajar pela Colômbia e Equador, um andarilho que carregava uma cesta e dizia que existia uma cobra ali dentro, mas nunca chegava a mostrá-la para o público. Uma espécie de encantador de serpentes, que no final não passa de um charlatão, um “vendedor de fumaça”. Tato quis falar sobre esse personagem que encontrou nas ruas latino-americanas e romantizá-lo em cena. No seu entendimento, ele vive dentro de nós, pois está presente em todas as profissões do mercado: vende algo que não existe, o fetiche da mercadoria. “Aquele vendedor que diz: – vou fazer você ficar famoso, e você vai ter isso, e aquilo… Ou, trazendo para a atualidade: – você investe em bit coins, e vai ter algo que sempre sonhou! E você sai do lugar pensando que comprou algo e depois de andar um quarteirão você pensa: – para que eu comprei isso? Porque é algo que não existe, ou é algo que não tem nenhuma utilidade. (…) Mesmo como artista, para criar um espetáculo, você tem toda a ideia na cabeça, mas precisa escrever um projeto, e pensa muitas coisas sobre o que vai acontecer, sendo que você ainda não começou a fazer. Então isso também é como vender fumaça. (…) E a fumaça que o Molavin vende é essa magia que ele produz dentro do espetáculo, pois as pessoas entram em uma certa hipnose, de alguma forma. Mas quando termina, aquilo tudo é fumaça, desaparece, assim como o produto mágico que transforma sonho em realidade: não é algo real”, afirma. Para isto, o artista quebra a quarta parede e permanece, em suas palavras, “sempre aberto para ver como fazer com que aconteça a magia. Para que pessoas saiam do espetáculo e falem: ‘como foi que aconteceu aquilo naquele momento?’ Tentar gerar essas coisas mágicas e que fazem com que cada apresentação seja única. E isso é um estado de presença, de percepção, então sempre terminam acontecendo coisas únicas em cada apresentação.”
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Molavin reúne a estética latino-americana desse vendedor de fumaça com a referência europeia da paixão musical pela ópera. Um herói que morre por um ideal, que vive o perigo para conseguir suas coisas; mas não um herói que não fracassa, ao contrário: aquele que cai, e que se levanta; que erra, e tenta novamente. O vendedor de fumaça simboliza, do ponto de vista da comédia, esse herói que fracassa ao tentar realizar seus sonhos, mas que não desiste, mesmo que continue fracassando… como um palhaço.
A temporada no teatro Arena no Sesc Copacabana trouxe à tona o pensar no âmbito da produção de arte circense, que é a importância de levar um espetáculo de comédia, de clown, de palhaço, para dentro de um teatro, para um palco. Nas palavras de Tato: “Isso não é comum, o circo ocupando os teatros, mas os melhores espetáculos de palhaço, de clown, precisam de um palco, precisam dessa intimidade com o público, dessa magia que se pode gerar através da montagem cênica, do silêncio e a presença do público na obra, o desenho de luz, os efeitos de som. Na rua também existem outras magias, mais voltadas para o espontâneo: muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo no mesmo espaço, a beleza da ocupação e a transformação de um espaço público com a arte, o ato de parar o mundo por um momento para olhar um espetáculo, tudo isso também é lindo, é mágico, mas o teatro possibilita realizar um trabalho mais aprofundado do ponto de vista da interpretação cênica. E o teatro é um espaço historicamente ocupado por elites intelectuais, então existe a necessidade de popularizar cada vez mais a ocupação deles, de levar propostas populares de modo que mais pessoas possam se aproximar do teatro. Teatros bonitos, mas vazios, não servem de nada: eles têm que estar lotados”, afirma Tato.
Grande parte da comunicação do artista com o público se dá através da emoção, e há a preocupação de se aproximar do público para fazer com que as diferenças de idioma não sejam barreiras para a comunicação. E o palhaço-ator faz isso com destreza: o público interage, ri, se emociona com a alma lavada, de chorar de tanto rir.
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Um pouco da história de Tato
O artista já participou como diretor e autor de diferentes projetos multidisciplinares em importantes festivais pela América Latina, esteve presente em países como México, Uruguai, Argentina, Peru, Colômbia e Brasil, sempre misturando a linguagem do circo, do teatro e da dança do ponto de vista latino-americano. Ele dirigiu com Lu Lopes, a palhaça Rubra, o espetáculo Cachimônia, da cia. Artinerant´s, de Maíra Campos e Nié Pedro, que participaram com destaque do 6º Circos. Maíra e Nié são também integrantes do Circo Zanni.
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MOLAVIN – Ópera bufa, de Tato Villanueva
No teatro se morre de mentira
Sinopse:
Pode-se esquecer a verdade repetindo uma mentira, uma nuvem de fumaça grossa e intangível. Esta Ópera Bufa conta a vida e as visões de Molavin, um vendedor de fumaça que, cansado de mentir, procura recuperar sua dignidade, ainda que tenha que morrer para isso.
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Ficha Técnica:
Ideia, atuação e direção: Tato Villanueva
Produção Geral: Leticia Vetrano
Design de iluminação: Nano Cano
Figurino: Celina Santana
Accesórios: Ana María Lemos
Cenografia e Adereços: Ninu Alcázar
Desenho gráfico: Nahuel Tufró
Colaboradores criativos: Proyecto Migra, Azis Gual, Víctor Tomate Avalos, Nicolas Barsoff, Santiago Oveja Blomberg.
Operação de luz: Dodô Giovanetti
Operação de som: a definir
Produção executiva no Brasil: Marina Ferreira – Eu.Circ Produções Artísticas
Duração: 55 minutos
Classificação indicativa: Livre
Redes sociais do artista e da produtora:
https://www.instagram.com/tatovillanuev/
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UM DOMINGO – Proyecto Migra
Sinopse:
Trata de um domingo em família. Todos se reúnem ao redor de uma grande mesa. O ambiente é cercado de luxo de gosto duvidoso. Uma tensão reina neste mundo onde tudo parece possível. Objetos ganham vida e corpos acrobáticos e contorcidos expressam as sensações. Um mundo com regras sociais e psíquicas inquietantes e ridículas, que nos transportam do riso à consternação. Um circo-teatro com sentimentos crus e sensíveis emoções. Imersão em uma família felliniana onde tudo transborda, o amor e o ódio. Existe um convidado. Ele é a causa deste desastre? Ou ele simplesmente se vê envolvido na vida desta família? Os domingos as vezes são dias de festa… e que festa!
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Ficha técnica:
INTÉRPRETES Juan Carlos Fernandez, Sofia Galliano, Gabriela Parigi, Tomas Sokolowicz, Florencia Valeri, Tato Villanueva
Direção Florent Bergal
Figurinos: Celina Santana
Desenho de luz: Ricardo Sica
Técnica de luz: Maria Laura Saban
Produção executiva: Maria Paz Cogorno
Produção geral: Pierpaolo Olcese
Produção no Brasil: Marina Ferreira – Eu.Circ Produções Artísticas
Duração: 60 minutos
Classificação indicativa: 12 anos / indicado para público adolescente e adulto
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CACHIMÔNIA – cia. Artinerant´s
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Ficha Técnica
Cachimônia
Direção: Lu Lopes e Tato Villanueva
Criação e elenco: Nié Pedro e Maíra Campos
Figurino e cenografia: Artinerant’s
Adereços: Cris Decot
Direção de arte: Joana Lira
Arranjos musicais: Renato Faria
Coreografia: Marcelo Vasquez
Desenho de luz: Dodô Giovanetti
Cenotécnica e contra-regragem: Edimar Santos
Trilha sonora: Fê Stok e Lu Lopes
Redes sociais da companhia e da produtora:://www.instagram.com/proyectomigra/?hl=en
https://www.instagram.com/eu.circ/
*Proyecto Migra é uma cooperativa cultural argentina especializada em circo contemporâneo que possui uma forte marca teatral. Fundada em 2015, com o passar dos anos se constituiu como uma referência na Argentina e América Latina pela qualidade e singularidade de suas propostas.
Os artistas Tato Villanueva e Leticia Vetrano, que são integrantes do Proyecto Migra desde sua fundação, têm vindo, desde 2019, ao menos uma vez por ano para o Brasil, principalmente São Paulo, para realizar atividades formativas e apresentar seus espetáculos em diferentes unidades do Sesc, em festivais de teatro e de circo, muitas vezes também de forma independente. Ambos são frequentemente convidados para a direção de novas criações de artistas residentes no Brasil.