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Picadeiro

Circo sofre preconceito, diz secretário da Cultura

 

O secretário da Cultura Carlos Augusto Calil/ Foto ASA Campos

 

Arte circense em busca de escola e terreno para armar a lona

A Prefeitura Municipal de São Paulo confirmou a troca de local para construir a Praça do Circo. O projeto inicial indicava terreno na zona oeste, no bairro da Pompéia, e agora será na Vila Guilherme, zona norte. Carlos Augusto Calil, secretário da Cultura do município, relata ao Panis & Circus a luta para construir a Praça do Circo.

O secretário disse que chegou a sofrer ameaças da Associação dos Amigos da Vila Pompéia caso levasse à frente o projeto da praça na região. Segundo a Associação, a Praça traria “maus elementos” para o bairro.

As atividades circenses enfrentam também as barreiras jurídicas que emperram a abertura da Escola do Circo Piolin, na região central, sob alegação oposta à da elite dos Amigos da Vila Pompéia: proteção ao sem-tetos.

 

Panis & Circus – Por que a Praça do Circo mudou de local?

Calil – Quando a Prefeitura cedeu a área da Pompéia para a construção da Praça do Circo, todos sabíamos que ela tinha uso restrito: metade para o verde e metade para uso institucional.

O projeto da Praça do Circo ocupava menos da metade do terreno e estava enquadrado dentro da área institucional, portanto, perfeitamente legal, a despeito das declarações equivocadas do promotor [de Habitação e Urbanismo, José Carlos Freitas].

Circus – Quais as pressões sofridas pela Secretaria municipal da Cultura?

Calil – A Secretaria do Verde queria a área inteira para plantar um “bosque”, com compensações ambientais pela construção da Arena do Palmeiras. A presidente da Associação dos Amigos da Vila Pompéia [Maria Antonieta Lima e Silva] fez campanha política desclassificando o pessoal do circo como “maus elementos” que a Secretaria da Cultura queria levar ao bairro! Fui pessoalmente ameaçado se levasse a cabo minha intenção.

A Associação denunciou-nos junto ao Ministério Público, que abriu uma investigação e passou a nos pressionar, utilizando-se dos argumentos distorcidos da Associação.

Circus – Qual foi o ponto decisivo para a mudança?

Calil – O que foi decisivo para desistirmos da implantação foi o parecer da CET (Companhia Estadual do Trânsito), que não recomendou a área devido ao excesso de veículos na região. Aí já era oposição demais.

Circus – Qual o saldo do episódio? E o que acontece com a Escola de Circo Piolin?

Calil – O que o episódio ressaltou foi o enorme preconceito contra o circo, tratado como arte menor e praticado por “maus elementos”. Para nós foi uma descoberta terrível, cujos desdobramentos podem ser acompanhados agora, no episódio da invasão da área reservada à construção da Escola de Circo Piolin, no Largo do Paissandu (Paiçandu).

Agradeço a oportunidade de esclarecer exatamente o que ocorreu e vem ocorrendo com as iniciativas da Secretaria de Cultura para amparo à atividade circense.

Local da nova Praça do Circo, ao lado do Center Norte; ao fundo carros alegóricos/Fotos ASA Campos

Local da nova Praça do Circo ao lado do Center Norte

 

 

A polêmica da Praça do Circo

Em entrevista ao Panis & Circus, no lançamento do site (16/04), o secretário já falava das pressões judiciais e da procura de novo espaço para a Praça do Circo:

“Hoje, 16 de abril, fui convocado para uma reunião de esclarecimento do projeto da Praça do Circo no Ministério Público. A Associação dos Amigos da Vila Pompéia e a imprensa local batem bumbo falando que a Praça levará ‘maus elementos’ para a Pompéia. É óbvio que se trata de campanha política. (…) Surgiu recentemente um local para a Praça do Circo, que é um terreno na zona norte que eu vou ver amanhã (17/04). O espaço é maior do que o da Vila Pompéia.”

Três meses depois da entrevista, em julho, o projeto da Praça do Circo sai da Vila Pompéia, na zona oeste, rumo à Vila Guilherme, na zona norte.

A área fica junto ao shopping Center Norte, “com a vantagem de ser um pouco maior, podendo incorporar um pequeno estacionamento/parque”, explica Calil.

O projeto pensado para a Barra Funda deve ser aproveitado: lona com capacidade para 400 lugares, construção de vestiários e salas de preparação para artistas, banheiros públicos, área administrativa e bilheteria.

Segundo reportagem do “Estadão” de 19/06, o MPE promete acompanhar o caso. “Quero saber como um projeto feito para uma área pode ser transportado para outra sem mudança”, disse ao jornal o promotor de Habitação e Urbanismo José Carlos de Freitas.

 

Planta do Projeto da Praça do Circo - jornal "O Estado de S.Paulo"

 

Há mais de 17 anos se discute o que fazer com a área de 5,7 m²

O destino da área de 5,7 mil metros quadrados na Barra Funda (que inclui a Vila Pompéia), onde seria instalada a Praça do Circo, está sendo discutido há 17 anos.

Em 1995, segundo o “Estadão” (19/06), “o terreno foi doado à Prefeitura como contrapartida de um empreendimento imobiliário. Metade do lote foi preservada para área verde e a outra parte poderia receber obra pública. Em sua gestão, o então prefeito Celso Pitta cedeu essa segunda área ao Museu de Arte Contemporânea da USP, que desistiu de ocupá-la. Em fevereiro deste ano, a Prefeitura afirmou que havia cedido o local para a Secretaria da Cultura construir a Praça do Circo”.

O projeto ocuparia uma área verde, o que não agradou à Associação dos Moradores, cuja sede seria transferida para outro lugar no bairro. Segundo o promotor Freitas, “o Estado proíbe que áreas verdes e institucionais troquem de lugar pela Constituição”.

 

Justiça barra a Escola de Circo Piolin

 

Local destinado à Escola de Circo Piolin, no centro da cidade

 

 

Maquete da Escola de Circo Piolin

 

O local reservado à Escola de Circo Piolin, na zona central da cidade, próximo ao Largo do Paissandu (Paiçandu), foi invadido por sem-tetos. Para o secretário Calil, os episódios da Praça e da Escola de Circo mostram o “enorme preconceito que cerca a arte circense”, considerada uma “arte menor”.

Em 16 de abril, no lançamento do site Panis & Circus, no Centro de Memória do Circo, o secretário Calil também se mostrava preocupado com a invasão de cidadãos sem moradias ao local destinado à construção da escola.

Reportagem da “Folha de S.Paulo” (26/07) mostra que nos edifícios onde a Prefeitura quer construir o empreendimento “vivem cerca de cem famílias que ocuparam o local”.

Em junho, a Justiça negou pedido da prefeitura para a retirada dessas famílias. “Sem aval para retirar as famílias, a Prefeitura disse que recorrerá da decisão e que não assinará o contrato da obra enquanto não houver solução para o caso.”

Segundo a “Folha”, para o promotor de Habitação e Urbanismo José Carlos de Freitas, a decisão contrária à Prefeitura tem a ver com o “efeito Pinheirinho”.

De acordo com Freitas, depois do episódio em que famílias foram retiradas à força da ocupação na cidade de São José dos Campos, os magistrados têm “ponderado muito antes de dar ordens de reintegrações de posse”.

 

“Efeito Pinheirinho” pode justificar ações contra o circo

O “efeito Pinheirinho” parece justificar ações contra o circo, quer seja para defender as áreas verdes da Associação dos Amigos da Vila Pompéia, quer seja para lembrar a possibilidade de conflito social no centro da cidade.

“A gente quer o espaço. Se ele é na Barra Funda ou na Vila Guilherme, não importa”, declarou o presidente da Associação Brasileira do Circo (Abracirco), Camilo Torres no “Estadão” de 19/06.

 

Piolin foi despejado do centro para construção de hospital que nunca saiu do papel

Em sua época, o palhaço Piolin sofreu também com o descaso das autoridades para com as artes circenses. Durante mais de 30 anos, o palhaço teve seu circo armado em São Paulo, no Paissandu, nos bairros do Brás, Paraíso e Marechal Deodoro e, por fim, na avenida General Osório da Silveira, onde permaneceu por 18 anos até ser despejado, no final de 1961, pelo IAPC, antigo INPS.

O motivo alegado na época foi a construção de um hospital, mas nada no local foi erguido até o início da década de 80. O despejo de Piolin tornou-se, assim, símbolo do descaso dos poderes públicos para com o circo.

Cinco anos após a morte de Piolin, em 1978, tornou-se realidade o grande sonho do palhaço: a criação da primeira escola de circo no Brasil, que, numa justa homenagem, recebeu o nome de Academia Piolin de Artes Circenses. Sem apoio dos poderes públicos, a escola encerrou suas atividades em 1983.

A história parece se repetir agora: questão política revestida sob o manto social faz com que a Escola de Circo Piolin não consiga sair do papel.

Essa escola poderia servir para modificar um espaço deteriorado no centro, promover a arte circense e beneficiar os moradores da cidade.

Ou, como costumava dizer Verônica Tamaoki, do Centro de Memória do Circo, quando a escola era uma possibilidade mais palpável: “Teremos uma escola de circo em um sítio histórico para o mundo circense. É uma riqueza cultural que faz diferença”.

Piolin, palhaço que fez história

 

A Escola de Circo Piolin homenageia o palhaço cuja trupe se apresentou no Largo do Paissandu por cerca de 30 anos. O projeto arquitetônico, de autoria de Marcos Cartum, Sandra Llovet e Cláudio Libeskind, é inovador, segundo o “Estadão” de 15/03:

“O edifício prevê arquibancada, camarins, um pequeno museu com biblioteca e auditório iluminado. O edifício será dividido em duas partes: uma é um picadeiro circular com lonas feitas para durar 35 anos ou mais e a outra é o prédio da escola, que ficará do lado oposto e será feito de concreto aparente para contrastar com a estrutura metálica do picadeiro”, descreve o jornal.

Abelardo Pinto Piolin (1887-1973) foi contorcionista, acrobata, ciclista, músico (tocava violino e bandolim) e, por volta de 1917, passou a representar o palhaço Careca.

Mas logo mudou para Piolin, que significa “barbante” em espanhol. O nome surgiu numa brincadeira com suas pernas finas.

Piolin começou a fazer sucesso no Circo Irmãos Queirolo, no início dos anos 20, quando substituiu o palhaço Chicharrão e passou a fazer as cenas cômicas com Harrys e Chic-Chic.

Depois, em 1925, associou-se a Alcebíades Pereira e, com ele, no Largo do Paissandu, viveu sua fase de glória.

O presidente Washington Luís era seu fã e tinha cadeira cativa em todas as quintas-feiras no seu circo. Os artistas modernistas, seus fãs assíduos, escreviam frequentemente sobre ele em jornais e revistas.

Em 1929, no dia do seu aniversário, os modernistas homenagearam Piolin com um almoço que chamaram de “Festim Antropofágico”. Considerando que os antropófagos comiam o inimigo para adquirir as qualidades deles, o ato simbólico de “comer Piolin” constituiu-se numa verdadeira consagração ao palhaço.

Em 1972, em iniciativa de Lina Bo e Pietro Maria Bardi, organizadores da exposição do cinquentenário da Semana de Arte Moderna, o Circo Piolin foi armado no Belvedere do MASP (Museu de Arte de São Paulo).

Nesse mesmo ano, o dia 27 de março, data do aniversário de Piolin, foi declarado oficialmente como o Dia do Circo. As homenagens animaram Piolin, que comprou um circo e começou a viajar, mas teve de parar por problemas de saúde.

Abelardo Pinto Piolin morreu em 4 de setembro de 1973, de insuficiência cardíaca. Uma multidão se aglomerou nas alamedas do Cemitério da Quarta Parada para acompanhar seu enterro.

Em 1975, a Travessa do Paissandu, onde os circos eram armados, passou a se chamar Rua Abelardo Pinto Piolin. Em 1978 tornou-se realidade o grande sonho de Piolin: a criação da primeira escola de circo no Brasil, que recebeu o nome de Academia Piolin de Artes Circenses.

Sem apoio dos poderes públicos, a escola encerrou as atividades em 1983. Mas serviu de exemplo e inspiração para a criação das escolas de circo que hoje existem no Brasil. Atualmente, o Dia do Circo, 27 de março, é comemorado em todo o país.

(Fonte para boxe sobre Piolin: Secretaria Municipal da Cultura)

 

Texto: Raquel Benozzatti e Bell BACs

 

Foto da capa:Verônica Tamaoki, coordenadora do Centro de Memória do Circo, e Carlos Augusto Calil, secretário municipal da Cultura

Foto da capa: ASA Campos

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