Comentários
Encontro de Mulheres Palhaças reúne 57 artistas
Fernanda Araujo, especial para o Panis & Circos
A terceira edição do Encontro Internacional de Mulheres Palhaças – festival indicado ao Prêmio Governador do Estado de São Paulo para a Cultura 2017, na categoria Circo – celebrou a recente conquista das mulheres na profissão por meio de espetáculos, exibições de filmes, cabarés, oficinas e debates. O evento, que ocorreu de 3 a 12 de novembro, reuniu 57 artistas, em 20 atividades realizadas em 8 espaços da cidade de São Paulo (com desdobramentos nos municípios de São José dos Campos e Ribeirão Pires).
O “Encontro” paulista foi criado em 2014 pela atriz Andréa Macera, do Teatro da Mafalda, e surgiu a partir de projetos semelhantes desenvolvidos em outros Estados. “Em 2009 fui convidada para participar do evento Esse Monte de Mulher Palhaça, no Rio de Janeiro, com a companhia as Marias da Graça. Também participei de outros encontros em Brasília e Recife”, disse Andréa (palhaça Mafalda Mafalda), motivada também pela repercussão de seu espetáculo Sobre Tomates, Tamancos e Tesouras. “A montagem tinha um humor diferente, era um suspense, e isso gerou interesse das mulheres pelo meu trabalho e por cursos de formação”.
Apesar do sucesso de estreia do Encontro de Mulheres Palhaças, em 2014, a segunda temporada não teve apoio em 2015 e ocorreu apenas no ano seguinte. “Nessa terceira edição, além das atrações internacionais, ganhamos notoriedade internacional. Dia 7 de novembro, por exemplo, fizemos uma transmissão ao vivo para 3.500 pessoas, via Facebook, com participação da Colômbia, México e Espanha, além de integrantes do Brasil”, lembrou a organizadora.
O espetáculo Upper Cuts, da inglesa Nola Rae, foi um dos destaques desta edição, no Teatro Martins Penna. Joana, A Valente, da artista suíça Guardi Hutter, esteve presente no Centro Cultural da Penha. Outra atividade bem recebida pelo público foi a sessão do documentário Minha Avó era Palhaço, dirigido por Ana Minehira e Mariana Gabriel – que narra a trajetória artística de dona Maria Eliza Alves dos Reis, conhecida como Xamego, a primeira palhaça negra do Brasil.
Cabaré de Gala
Para entender melhor o Encontro Internacional de Mulheres Palhaças, a equipe do Panis & Circos acompanhou o Cabaré de Gala, programa apresentado na Galeria Olido, em 9 de novembro. Sob a direção de Lu Lopes, a palhaça Rubra, o encontro foi uma grande celebração de damas do riso – aspirantes e veteranas.
Apesar do título solene, o evento foi marcado pela diversidade de experiências em uma mesma noite.
Brilharam mulheres-rainhas, como as estupendas Marias da Graça, e mulheres-meninas, como a revelação Isadora Lopes. No palco, uma grande estrela amarela desenhada no tapete vermelho, rodeado por luzinhas, concentrou o glamour do cabaré. Na lateral, os instrumentistas Pelanca (Álvaro Lages) e Gastão (Danilo Dal Farra) deram o tom às esquetes.
“A Andréa fez a curadoria e meu desafio foi unir as diferentes atrações em encontro só. Mantive os números como cada uma queria, pois entendi que o Cabaré tinha uma função mais inclusiva. O festival, em si, também tem uma função social. E eu fiquei com o papel de Chacrinha, no formato do meu show de variedades”, disse a diretora Lu Lopes, que se revezou nos papeis de atriz, apresentadora, cantora, musicista e assistente de palco.
Desde vez, porém, a mestre de cerimônias do Cabaré transformou o evento em uma festa familiar e fez questão de dividir a alegria com todos da plateia. A empolgação tinha dois motivos: o filho, que fazia aniversário naquele dia; e a sobrinha (de quem falaremos daqui a pouco), que brilharia no palco.
Na abertura da noite, palhaça Presepada (Michelle Cabral, de São Luís/MA) fez números com uma série de objetos retirados de sua cesta de piquenique. Começou com um momento de meditação e terminou hipnotizada por uma serpente – que Presepada deveria encantar, mas não teve muito sucesso.
Em seguida, três senhoras (Cia. Aérea Teatro, Espanha) divertiram o público fazendo piadas umas das outras. Elas retornaram com mais uma esquete, quase no final do evento, em que todas representavam cavalos.
A terceira atração fez uma paródia do programa musical The Voice Kids. Rubra e seus assistentes/músicos colocaram no palco três cadeiras de escritório, de costas para o público, com os supostos jurados: a dupla Samara e Samaria (duas bonecas de plástico), Claudia Milk (uma boneca com cara esquisita) e Carlinhos Browne (um cachorro de pelúcia). O menino Vandorf (Aline Marques, Porto Alegre/RS), com macacão de criança no jardim de infância, cantou uma música abobalhada sobre retroescavadeiras e patrolinhas amarelas. Para a decepção da criança, nenhum dos jurados-bonecos viram a cadeira para apreciá-la.
Aproveitando a piada, Rubra convidou voluntários da plateia para uma nova roda de The Voice. Batizou os eleitos de Inezita Barroso, Margareth Menezes e Carlinhos Brown. Para jurados e plateia, a mestre cantou “My Way”, clássico eternizado nas vozes de Frank Sinatra e Elvis Presley, em linguagem nipônica. Imitar outras línguas, aliás, é um dos números preferidos da palhaça.
A Dupla Companhia (com Aline Olmos e Fernanda Jannuzzelli, ambas de Campinas/SP) surge despretensiosa e arranca as maiores gargalhadas da noite. Elas fazem o clássico Branco e Augusto. Elas se apropriam de piadas tipicamente masculinas sem perder o charme e a feminilidade. Uma encarna o papel de Madame Poatrine, a poderosa mágica, mandona, com maquiagem discreta e terninho de paetê; a outra faz Begônia, uma atrapalhada feiticeira intergaláctica que azucrina e seduz um pobre coitado da plateia. Diferentemente de muitas atrizes que se “enfeiam” para a profissão, a Dupla mantém-se feminina e bela, mesmo com o figurino. “A Dupla faz o tipo ‘Palhaço Mano’, com vigor, sem perder a elegância”, resumiu a diretora do Cabaré.
Em outro momento, o esquete da palhaça e a pulga amestrada com seu salto triplo mortal no trapézio. Um feito e tanto de uma pulga que ninguém vê.
Montadas no maio, ao som de Garota de Ipanema, surgem As Marias da Graça. Após os cumprimentos, as palhaças levam o esvoaçante lençol azul do mar para o palco e elegem um voluntário para “situações de emergência”. Elas avisam que grupo é formado por quatro moças, mas, na ausência da quarta integrante, era preciso deixar alguém de sobreaviso – e o substituto ajuda em vários momentos. Pioneira da palhaçaria feminina, a companhia As Marias da Graça surgiu em 1991 e é responsável pelo evento carioca “Esse Monte de Mulher Palhaça”.
Após a imersão no mar das Graças, surge no palco Rubra e uma miniatura de Rubra. Mas não uma miniatura qualquer. Uma Rubrazinha com passos de dança aprimorados, com uma peruca mais nova, um adereço de cabeça mais nova que ainda não se acostumou à cabeleira vermelha… uma nova Rubra: Palhaça Peruca Louca (Isadora Lopes). “Minha sobrinha Isadora sempre me acompanhou e me observou. Somos muito companheiras e achei que era o momento de batizá-la”, declarou tia Lu Lopes, sem conter o orgulho. “Escondemos a menina nos bastidores o tempo todo, pois eu queria fazer uma surpresa para a minha irmã (Silvia Lopes, produtora)”.
Para a mestre da palhaçaria, todos têm sangue cômico na família Lopes. “Aos seis anos, Isadora participou do Cabaré dos Renegados ao lado do meu irmão, César. Minha irmã, Silvia (mãe de Isadora) já foi palhaça. E meu pai sempre foi muito engraçado. Eu, por exemplo, descobri que sabia improvisar ainda pequena, no papel de tia Anastácia que também fazia as falas da Narizinho. Naquele dia já virei popular”.
No encerramento do evento, a palhaça Margarida (Adelvane Neia, Paraná/PR) faz uma diva que clama por amor e liberdade. De vestido longo, Margarida mostra as nádegas no final do solo.
Sobre ser palhaça, Rubra disse que já sofreu preconceito sim, entretanto, não guarda mágoa de ninguém. “Me diziam que eu era cantora e não palhaça, foi muito difícil. Mas não dá para se apegar a essas coisas. Hoje vejo muitas palhaças usando perucas iguais a minha. Não é o máximo? É isso que importa!”, acredita Lu Lopes.