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Luto. De mãos dadas para enfrentar tempos brutos após as eleiçoes. 11/12/2018
Terça-feira: 11.12.2018
Folha de S.Paulo – Explicação de Bolsonaro sobre cheque representa a velha e carcomida política
Ranier Bragon
Caso exige resposta cabal e irrefutável em vez de silêncio ou embromação
As explicações, ou melhor, a falta de explicações do presidente eleito, Jair Bolsonaro, sobre o cheque de R$ 24 mil na conta de sua mulher, Michelle, mostra todo o esplendor da nossa velha, bolorenta, carcomida, decrépita, putrefata política.
Eleito para pôr termo às “práticas do passado” —expressão que repetiu em sua diplomação, nesta segunda-feira (10)—, para mudar tudo isso aí, como se portou Bolsonaro diante da revelação de que um ex-assessor de seu filho Flávio movimentou uma minifortuna em uma infindável triangulação bancária, incluindo o cheque para Michelle?
Depois de um período mudo, afirmou que o dinheiro era o recebimento de uma dívida e que nada declarou à Receita. No mais, disse que não é ele quem tem que se explicar.
E sobre o trabalho que uma filha do assessor exerceu em seu gabinete na Câmara dos Deputados por quase dois anos? “Pelo amor de Deus, pergunta para o chefe de gabinete. Eu tenho 15 funcionários no gabinete!”
Seus futuros ministros também não se saíram muito melhor. Onyx Lorenzoni (Casa Civil) deu o velho e bom chilique pra tentar afastar repórter abelhudo. Sergio Moro (Justiça) desapareceu em meio a tchauzinhos em looping na primeira vez em que foi questionado. Na segunda, disse que seu futuro chefe já “apresentou algum esclarecimento”.
Por mais admirável que seja a docilidade que acometeu o coração de Moro desde que ele aposentou a toga, há muito ainda a ser esclarecido.
Uma suspeita de tal gravidade exige satisfação imediata, acompanhada de provas, extratos bancários, testemunhos. O motorista é quem tem que responder? Traga-o à baila. Ou então diga por que ele não dá as caras. Acometeu-se de uma terrível amnésia e não sabe o suposto trabalho que a filha do assessor lhe prestou por quase dois anos? Passe a mão no telefone e pergunte ao seu chefe de gabinete: “Fulano, que raios exatamente fez/fazia a fulana?”.
Se Bolsonaro não vê necessidade em dar essas explicações, me desculpem, não há nada de novo no front.
Terça-feira: 11.12.2018
O Globo – Assessores citados pelo Coaf evitam aparecer e já preparam defesa
JULIANA CASTRO E IGOR MELLO
Ex-assessor do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL) e citado em relatório do Coaf por conta da “movimentação atípica” de R$ 1,2 milhão entre 2016 e 2017, o policial militar Fabrício José Carlos de Queiroz mora em uma casa simples e sem pintura externa, em um beco no bairro da Taquara, na Zona Oeste do Rio.
Na viela onde Queiroz mora com a mulher, Márcia Aguiar, os imóveis são colados uns aos outros. No beco há varais improvisados do lado de fora das casas, fios emaranhados e canos aparentes. Na casa de Queiroz, um adesivo rasgado com as fotos do presidente eleito Jair Bolsonaro e de seu filho Carlos, vereador no Rio, está colado na fachada. No segundo andar, que tem a laje sem revestimento, tapetes secavam no parapeito ainda sem janela.
No portão que dá acesso ao conjunto de aproximadamente 70 casas, distribuídas em uma rua mais larga e vielas, há um aviso de que a área é monitorada 24 horas.
O GLOBO esteve ontem na residência de Queiroz, mas não encontrou nem ele e nem a mulher, Márcia. Vizinhos confirmaram que o casal vive na casa.
O relatório do Coaf que cita Queiroz foi anexado à Operação Furna da Onça, que prendeu deputados estaduais. O Ministério Público do Rio já tem procedimentos em curso, que correm sob sigilo, para investigar possíveis irregularidades cometidas por servidores da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), com base no relatório do Coaf. O MP não esclarece se as movimentações financeiras de Queiroz estão sob investigação.
O Coaf elaborou relatórios a pedido do Ministério Público Federal. Os procuradores ressalvam que a identificação desse tipo de movimentação não configura um ilícito por si só.
NOVA ROTINA NO GABINETE
Na Alerj, a repercussão do caso alterou a rotina do gabinete de Flávio. Normalmente aberto ao público, o local passou boa parte da tarde com portas trancadas.
O relatório do Coaf cita que a conta de Queiroz recebeu repasses de oito funcionários e ex-funcionários do gabinete de Flávio. O GLOBO procurou duas delas ontem no local. Horas depois de um assessor afirmar que elas estavam presentes, o chefe de gabinete de Flávio, Miguel Angelo Braga, admitiu que elas não foram à Alerj por estarem tratando de suas defesas:
—Estão buscando informações para os esclarecimentos que já estão com data marcada para ser prestados (ao MP). Não estão aqui pelo assédio da imprensa. Não estão podendo vir pelo constrangimento.
Terça-feira: 11.12.2018
Folha de S.Paulo – Bem-vinda, velha política!
Joel Pinheiro da Fonseca
O ‘mito’ já está se desfazendo para revelar o que de fato Bolsonaro sempre foi
Bolsonaro chegou à Presidência representando a revolta contra o sistema. O sentimento que o elevou ao poder —o mesmo que se viu, por exemplo, na greve dos caminhoneiros— é francamente revolucionário. Foi o voto de confiança numa figura messiânica que prometia, com a sua força redentora, “acabar com essa palhaçada” que é a velha política brasileira.
Foi um verdadeiro feito de marketing que um deputado com 27 anos de Câmara, boa parte deles no PP, que loteou a política carioca com seus filhos, um membro do baixo clero do que há de mais velho na política nacional, tenha conseguido se vender como um renovador radical que veio para limpar tudo. Antes mesmo de iniciar o mandato, contudo, a imagem do “mito” já está se desfazendo, para revelar o que ele de fato sempre foi: um velho político.
As revelações do Coaf sobre as transações suspeitas do ex-assessor de Flávio Bolsonaro apenas ilustram o fato. É cedo para tirar qualquer conclusão, mas é uma possibilidade que Flávio Bolsonaro cobrasse mesada dos cargos comissionados de seu gabinete. Se for isso mesmo, ele apenas fez o que tantos políticos e partidos brasileiros sempre fizeram. É como a política brasileira funciona.
O caixa dois, o “dízimo” para o partido ou para o representante, o carguinho para amigos e familiares, a aliança com indivíduos suspeitos. Tudo isso é ruim, e o Brasil será um país melhor quando essas práticas forem menos abrangentes. Mas isso dependerá de reformas do sistema, e não da perseguição implacável a cada um dos que simplesmente jogaram o jogo e tiveram o azar de serem pegos. Não é, portanto, um motivo para demonizar o novo governo.
Bolsonaro surfou a onda jacobina dos que estão prontos a cortar a cabeça de qualquer pequena transgressão das regras, ou até de qualquer suspeita de transgressão. Seus militantes eram taxativos: o PT? Totalmente corrupto. Alckmin? Escândalo das merendas. Marina? Foi do PT. Se aplicássemos a mesma condenação inflexível ao governo Bolsonaro —a Onyx Lorenzoni, que já admitiu ter recebido caixa dois, ao ex-assessor de Flávio Bolsonaro, à contratação da Wal do Açaí, ao ministro do Meio Ambiente que é réu na Justiça—, ele próprio iria para a guilhotina.
A única dúvida agora é saber se ele governará como político ou se tentará ainda manter o discurso antipolítico da campanha. Bolsonaro diz que governará sem “toma lá dá cá”. Fará diferente de Temer, que para aprovar suas medidas abriu as portas dos ministérios e as torneiras das emendas parlamentares?
Até agora, a promessa parece estar sendo cumprida, mas isso não é necessariamente bom. Bolsonaro tem, em suas nomeações, praticado apenas o “toma lá”, sem nenhuma expectativa que as bancadas e partidos beneficiados “deem cá” qualquer contrapartida. Está entregando o país a ruralistas, militares, evangélicos e ideólogos da extrema direita sem exigir nada em troca (como apoio a medidas impopulares mas necessárias ao país). Não tem sido um espetáculo edificante ou particularmente virtuoso e arrisca nos deixar, por exemplo, sem uma boa reformada Previdência.
A política é o exercício de conciliar interesses e ideias contraditórios. Isso por vezes é feio e fere nosso purismo ético e ideológico, mas a única alternativa é a violência. Salvo um golpe, Bolsonaro ou governará fazendo política ou não governará. Melhor já ir se acostumando à realidade como ela sempre foi.
Terça-feira: 11.12.2018
Folha de S.Paulo – Saques de ex-auxiliar de Flávio Bolsonaro ocorriam após depósitos de valor similar
Padrão que se repetia nas maiores retiradas de dinheiro é característico de contas de passagem
Os maiores saques feitos em 2016 pelo policial militar Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), foram precedidos, geralmente na véspera, de depósito de valores de mesmo patamar.
Essa movimentação é característica de uma conta de passagem, na qual o real destinatário do valor creditado não é o seu titular. O uso de dinheiro em espécie nas duas pontas da operação reforça esse indício.
Queiroz foi citado num relatório do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) como tendo apresentado uma movimentação financeira atípica de R$ 1,2 milhão em 2016. O alerta se deve tanto ao volume como à forma com que as transações foram feitas. O documento, contudo, não é o suficiente para apontar algum ato ilegal.
O Ministério Público do Rio de Janeiro instaurou uma investigação criminal sigilosa com base no relatório, que cita membros do gabinete de 22 deputados estaduais –entre eles Flávio Bolsonaro.
Do total movimentado, R$ 324,8 mil se referem a saques e R$ 216,5 mil a depósitos em espécie –os demais valores são transferências identificadas, entre outras operações.
Dos 176 saques realizados pelo policial militar naquele ano, 50 foram de valores acima de R$ 2.000. Apenas um, contudo, superou os R$ 10 mil, no qual a comunicação ao Coaf é automática.
Na maioria desses casos, o saque foi precedido de um depósito em espécie de valor em patamar semelhante. Nenhum, contudo, acima dos R$ 10 mil.
Nos dias 16 e 17 de fevereiro, por exemplo, Queiroz fez três saques de R$ 5.000 cada um, totalizando R$ 15 mil. O movimento foi acompanhado de cinco depósitos em espécie feitos em sua conta entre os dias 15 e 17 de fevereiro, que somam R$ 15,3 mil.
Movimento sincronizado também ocorreu em junho, quando nos dias 14 e 15 ele fez dois saques de R$ 5.000, tendo recebido no mesmo período em depósito de dinheiro vivo R$ 13,2 mil.
A ocorrência desses saques maiores mantém como padrão o fato de ocorrerem poucos dias após depósito em espécie de patamar semelhante. Em 35 dos 50 casos de retiradas acima de R$ 2.000, depósito acima do mesmo valor ocorreu até um dia antes –algumas vezes, no mesmo dia. Ampliando o intervalo entre o depósito e o saque para três dias, a sincronia se repete em 40 dos 50 maiores saques de Queiroz.
A correlação entre depósitos em dinheiro vivo e saque imediato também fica evidenciado em dezembro, quando o total sacado aumenta muito, assim como a entrada de dinheiro vivo.
No último mês do ano, por 12 vezes ele fez retiradas de dinheiro vivo acima de R$ 2.000, num total de R$ 58 mil. O volume de entrada também cresce e alcança R$ 41,6 mil distribuído em oito depósitos em espécie.
Procuradores, policiais federais e auditores fiscais afirmam que o uso de dinheiro vivo em transações bancárias costuma ter como objetivo ocultar o destinatário ou remetente dos recursos. A prática dificulta a identificação dos responsáveis pelas transações.
Uma das hipóteses já levantadas é de que o policial militar fosse o responsável por recolher uma parcela dos salários de assessores do gabinete de Flávio Bolsonaro –sete aparecem no relatório transferindo recursos a Queiroz.
Essa é uma prática comum no Legislativo, embora ilegal. Os recursos arrecadados podem tanto servir para campanhas políticas como para entrega ao titular do gabinete, entre outras possibilidades.
Não há até o momento, contudo, qualquer indício sobre o destino do dinheiro sacado por Queiroz. O relatório do Queiroz não foi localizado para comentar as informações do relatório. Flávio Bolsonaro afirmou que o ex-assessor lhe deu explicações plausíveis que deverão ser dadas ao Ministério Público Federal quando convocado.
Terça-feira: 11.12.2018
Folha de S.Paulo – Time, revigorada, se volta contra ataques ao jornalismo
Pessoas do Ano da revista são jornalistas que assumiram ‘riscos em busca de verdades maiores’
Nelson de Sá
SÃO PAULO
Três meses depois de ser adquirida pelo bilionário de tecnologia Marc Benioff, revigorada revista americana Time, fecha o ano em defesa do próprio jornalismo, por meio daqueles que “assumiram grandes riscos em busca de verdades maiores”.
Foi assim que o editor-chefe da publicação, Edward Felsenthal, anunciou os nomes na rede NBC, na manhã desta terça (11). “Ficou claro que a manipulação e o abuso da verdade são o fio condutor de muitas das principais notícias deste ano”, acrescentou.
Citou a cobertura da Arábia Saudita, o regime totalitário que emboscou Jamal Khashoggi, colunista saudita do Washington Post que encabeça a lista de homenageados. Ele teria sido assassinado por ordem do homem-forte do país, Mohammed bin Salman.
“Sua morte desnudou a verdadeira natureza de um príncipe sorridente, a absoluta falta de moralidade na aliança americano-saudita e –na cascata de feeds de notícias e notificações, compartilhamentos e links– a centralidade da questão pela qual Khashoggi foi assassinado: Em quem você confia para relatar a notícia?”, escreve a Time, no texto de apresentação “Os guardiães e a guerra à verdade”.
A editora de Khashoggi no WP, Karen Attiah, agradeceu via Twitter lembrando uma frase do próprio colega, “Alguns partem para permanecer”.
Também estão entre as “pessoas do ano” a Redação do americano Capital Gazette, que teve cinco jornalistas mortos por um atirador em junho, a fundadora do site filipino Rappler, Maria Ressa, e dois repórteres birmaneses da agência Reuters, Wa Lone and Kyaw Soe Oo.
O Rappler, que cobre criticamente o governo de Rodrigo Duterte, acaba de ser acusado de fraude fiscal, o que pode levar a uma prisão de dez anos para Ressa.
Wa Lone and Kyaw Soe O já estão cumprindo uma pena de sete anos de prisão, por reportagens sobre a perseguição à minoria rohingya em Miamar, governado por Aung San Suu Kyi.
Enfatizando o caráter global da escolha deste ano, a revista cita outros quatro exemplos de perseguição governamental a jornalistas, como as prisões de Shahidul Alam em Bangladesh e de Amal Habani no Sudão, a expulsão de Victor Mallet de Hong Kong, na China, e as ameaças de apoiadores de Jair Bolsonaro a Patrícia Campos Mello, no Brasil.
Terça-feira: 11.12.2018
Globo – Merval Pereira – Bolsonaro deve explicação no caso de Queiroz
O presidente eleito, e agora diplomado, Jair Bolsonaro chega ao momento da posse devendo uma explicação plausível sobre o caso de Fabrício Queiroz, seu amigo pessoal há 40 anos, como afirmou, e motorista de seu filho, senador eleito Flávio Bolsonaro, que teve um movimento financeiro detectado pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) de R$ 1,2 milhão tendo um salário de R$ 8,5 mil por mês.
A explicação do presidente para vários depósitos, num total de R$ 24 mil, para a futura primeira-dama Michelle, é plausível: tratar-se-ia de pagamento de um empréstimo, que não foi declarado no Imposto de Renda. Até aí, nada grave.
É normal ajudar funcionários em dificuldade, e receber pagamentos parcelados, tudo de maneira informal. Não declarar no IR pode ser uma falha, nunca um crime. A coisa começa a pegar quando o presidente, e seu futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, consideram que, com a explicação, o caso sai de suas alçadas e vai para a do próprio Fabrício.
Nem mesmo do filho Flávio é cobrada qualquer explicação para a movimentação de dinheiro de seus funcionários na Assembleia Legislativa, onde atuava como deputado estadual.
É claro que, mesmo que tenha dado uma explicação para o caso de sua mulher, o comportamento dos filhos alcança o presidente, assim como as acusações contra Lulinha alcançam Lula, mesmo que as quantias conhecidas sejam consideravelmente menores.
À boca pequena sabe-se, sem que tenha sido investigado e comprovado ainda, que parlamentares de maneira geral, com raras exceções, e em todos os níveis de representação, costumam, e não é de hoje, cobrar um pedágio de seus funcionários.
Como os salários nesses casos são muito acima do mercado de trabalho — outra disfunção do Legislativo —, os funcionários não se incomodam de dar uma parcela para quem os contrata. Mas é um procedimento completamente ilegal, como é ilegal a utilização de caixa 2 para financiamento de campanhas eleitorais, mas todo mundo fazia, ou faz, como está revelando a Operação Lava-Jato. Inclusive o deputado Onyx Lorenzoni, futuro chefe do Gabinete Civil, que admitiu o uso de caixa 2.
Nesse caso, a suspeita é que o motorista Fabrício servia de laranja para a família Bolsonaro, recebendo em sua conta a porcentagem de cada um dos funcionários de Flávio. Este deveria ser um caso simples de ser desmentido.
Mas como até agora, passados vários dias da denúncia, o motorista não apareceu para dar uma explicação crível para tamanha movimentação financeira — R$ 600 mil recebidos e saídos de sua conta —, fica cada vez mais difícil acreditar que nada de errado tenha acontecido.
É preciso definir se aconteceu o esquema e, em caso positivo, por quantos anos a família Bolsonaro se utilizou dele, que até agora não foi desmentido por provas consistentes. Além do próprio Jair Bolsonaro, deputado federal por 27 anos, que empregava até mesmo uma funcionária que vendia açaí em Búzios, há Flávio, hoje senador eleito que era deputado estadual, o deputado federal Eduardo, anteriormente deputado estadual, e o vereador Carlos.
O futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, que terá a seu pedido, para melhor combater a corrupção, o Coaf como órgão subordinado, não deveria dizer que, para ele, a explicação do presidente eleito está dada. Não é razoável exigir que fizesse uma crítica ao presidente ou à sua família, mas não deveria banalizar o assunto.
Se tratar assim todos os indícios de lavagem de dinheiro que aparecerem na sua frente, terá mudado de atitude diante dessas irregularidades. Logo ele, um juiz rigoroso com os mínimos indícios, e que tem demonstrado que eles, quase sempre, levam a descobertas de esquemas de corrupção graves.
Bolsonaro se elegeu, entre outras coisas, por apresentar-se como um combatente contra a corrupção. O convite a Moro para integrar seu ministério teve o sentido de reafirmar simbolicamente essa luta, e por isso foi aprovado pela opinião pública.
Não se pode ser Catão com os outros sem ser Catão consigo mesmo.
Terça-feira: 11/12/2018
Valor – Moro diz que é ‘inapropriado’ opinar sobre caso do Coaf
Por André Guilherme Vieira, Marcelo Ribeiro, Fábio Pupo e Edna Simão | De São Paulo e Brasília
Futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro disse ontem que não deve esclarecimentos sobre as movimentações bancárias realizadas por ex-assessor do senador eleito Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), consideradas suspeitas por relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) – órgão de inteligência do Ministério da Fazenda que está sendo transferido para a Pasta que será chefiada pelo ex-juiz federal.
Segundo o documento, um dos ex-assessores do filho do presidente eleito Jair Bolsonaro, Fabrício José de Carlos Queiroz, movimentou mais de R$ 1,23 milhão entre 1º de janeiro de 2016 e 31 de janeiro de 2017. O Coaf também registrou depósito de R$ 24 mil efetuado por ele na conta da futura primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Em entrevista coletiva, Moro disse que não é seu papel opinar ou interferir em casos como este.
“Não cabe a mim dar explicações sobre isso. O que existia no passado, com ministros da Justiça opinando sobre esses casos concretos, é inapropriado. O ministro da Justiça não é uma pessoa que deve ficar interferindo nesses casos concretos e eu, na verdade, nem sou ainda ministro da Justiça”, disse.
Na avaliação de Sergio Moro, se houve “pessoas cobrando uma posição, mas assim, as pessoas [mencionadas] que têm de prestar os esclarecimentos”.
O futuro ministro da Justiça disse ainda que Bolsonaro já apresentou esclarecimentos. Entretanto, de acordo com ele, se o caso não for completamente esclarecido, as investigações devem prosseguir.
“Os fatos têm de ser esclarecidos. O presidente já apresentou os esclarecimentos, têm outras pessoas que precisam prestar os seus esclarecimentos, e os fatos, se não forem esclarecidos, têm de ser apurados”.
Na quinta-feira, antes do caso ganhar repercussão, Moro gravou uma entrevista que concedeu ao programa de televisão do jornalista Roberto Cabrini, do SBT, prevista para ir ao ar ontem. Na conversa, o ex-juiz federal defendeu que as polícias e os órgãos de controle devem ter liberdade de ação para realizar o trabalho de investigação da corrupção. “Precisa dar liberdade aos órgãos de controle para fazer o seu trabalho. Às polícias, tanto a Polícia Federal quanto as polícias estaduais, também a Polícia Rodoviária Federal, a [Controladoria-Geral da União, ministério cuja função é a defesa do patrimônio público] CGU. Todos os órgãos que estão envolvidos nessa atividade de apuração da corrupção”, afirmou Moro.
Segundo o futuro ministro, é preciso que as investigações ocorram sob tutela de equipes que trabalhem conjuntamente.
“Tem de tratar isso com inteligência. Por exemplo, os crimes são complexos de serem investigados, é necessário criar equipes de investigação conjunta, com corpo funcional significativo para conseguir solucionar esses crimes com a velocidade e efetividade necessárias”.
Sobre as primeiras medidas que adotará no ministério, Moro destacou a elaboração e encaminhamento de medidas legislativas com o propósito de endurecer a legislação que dispõe sobre organizações criminosas e o cometimento de delitos de natureza violenta. Para Moro, também é preciso aumentar a taxa de esclarecimento de crimes.
“Esses dois [crimes] também são problemas muito sérios que o Brasil vivencia hoje. [Há] taxas de homicídio escandalosas com um grau, por exemplo, de descoberta dos culpados muito reduzida. As organizações criminosas [estão] cada vez mais fortes e [é preciso] iniciar um ciclo virtuoso”.
Na entrevista, o futuro ministro da Justiça pareceu realista sobre a expectativa de obtenção de resultados com suas propostas de combate ao crime.
“Ninguém espera acabar com esses problemas em um mês, dois meses, e talvez até mesmo um mandato presidencial não seja suficiente. Mas, começando a resolver o problema, gerando uma perspectiva de ciclo virtuoso, isso já vai ser um grande começo”, opinou o ex-juiz federal que conduziu a Operação Lava-Jato, em Curitiba, de março de 2014 a novembro deste ano.