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Quinta-feira: 14 de março de 2019
UOL – Blog Reinaldo Azevedo – TIROS NA RAUL BRASIL 1: Que moral é a nossa? Que ética é a dos políticos?
Não há aspecto positivo na tragédia havida em Suzano, em São Paulo. Eventos dessa natureza não devem se prestar a brocados morais de manual. Também não podem ser submetidos ao didatismo fácil. É preciso que sejamos um pouco mais reverentes com a dor dos outros se não queremos mergulhar na abjeção e no baixo proselitismo. O nefando tem de nos empurrar para a reflexão solidária em benefício dos outros e de nós mesmos: há algo que possamos fazer que caminhe no sentido contrário ao do horror? Sempre que aquilo que você disser — ou ajudar a espalhar — incentivar a intolerância e a violência, você estará apertando os gatilhos da escola Professor Raul Brasil. Sempre que você optar pela mansidão, estará colaborando para salvar vidas. Sim, é uma questão de escolha.
Nós, cidadãos comuns, escolhemos uma moral, um caminho pessoal, uma vereda para a nossa lenda pessoal e a nossa convivência com os que nos são próximos. E assim dizemos que mundo queremos. Os governantes escolhem uma ética porque também têm a força do exemplo e dispõem de instrumentos de política pública para fazer com que os países caminhem para um lado ou para outro. E, meus caros, a quantidade de asneiras ditas por aí, em meio a alguma sensatez, assombra.
O senador Major Olímpio (PSL-SP), por exemplo, fez um uso muito específico da tragédia. Viu nela a oportunidade de engatar seu proselitismo em defesa das armas e tomou como exemplo Donald Trump. Num encontro com sobreviventes de um massacre ocorrido em janeiro do ano passado na escola Marjory Stoneman Douglas, na Flórida, o presidente dos EUA teve uma ideia: “Se um professor tivesse uma arma, o massacre não teria ocorrido; ele teria atirado e seria o fim de tudo isso”.
A coisa é de tal sorte estúpida que nem errada consegue ser. Isso explica por que os EUA, com o mesmo IDH da Europa desenvolvida, tem mais de cinco homicídios anuais por 100 mil habitantes, enquanto, nos países europeus, essa taxa não passa de um. Claro, em confronto com os números do Brasil, mesmo o brutalismo americano cheira a poesia.
E assim fez Olímpio em São Paulo: “Se tivesse um cidadão armado dentro da escola, um professor, um servente, um policial aposentado lá, ele poderia ter minimizado o efeito da tragédia”. E ainda emendou: “O Estatuto do Desarmamento é uma farsa e tira o direito de o cidadão se proteger. Vamos, sem hipocrisia, chorar os mortos; vamos discutir a legislação, onde nós estamos sendo omissos”.
Olímpio, a exemplo de Trump, acredita que o remédio contra o que se deu em Suzano é haver mais armas. E quem discorda dele, por óbvio, só pode ser hipócrita. Agora pensem nos muitos milhares de escolas Brasil afora, algumas em áreas conflagradas e tomadas pelo narcotráfico e pelas milícias, com professores e funcionários armados, e os alunos em meio ao fogo cruzado, eventualmente armados também. Em vez de o senador pensar numa escola em que arma não entrasse, e já seria uma dificuldade gigantesca, ele quer uma outra, armada até os dentes.