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Olha o palhaço no meio da rua

Cafi Otta, especial Panis & Circus 

Ruas, parques e praças de São Paulo estão sendo tomadas por diversos artistas circenses, levando ao pé da letra o que dizem Milton Nascimento e Fernando Brant: “todo artista tem de ir aonde o povo está’.  

Espaços públicos da capital paulista tem se tornado um verdadeiro picadeiro a céu aberto para diversos artistas circenses. Um movimento que não tem nada de novo, mas que ganha novos contornos nestes tempos pós pandêmicos que vivemos hoje. 

A arte de rua é um fenômeno milenar. Diversas culturas e civilizações já se utilizavam da arte nos espaços públicos para se comunicar, através da dança, da música, do circo, do teatro, das pinturas, e por aí vai. Mais recentemente tivemos grupos famosos da nossa cena cultural, como Parlapatões, Patifes e Paspalhões e La Mínima, para citar apenas dois, que encontraram nas ruas e no chapéu um modo de pesquisa, experimentação e de sobrevivência. Soma-se a isso a chegada de diversos artistas sul-americanos, já especialistas nos caminhos da arte de rua, e que se tornaram uma outra maravilhosa influência para nós, artistas brasileiros. 

E foi justamente na esteira dessa turma, e mais precisamente quando as regras exigidas pela pandemia começaram a se flexibilizar, que eu comecei a me aventurar na rua. Me lembro exatamente do dia em que assistia ao espetáculo Aplausos e Vaias, do talentosíssimo Felipe Bregantim (Circo Zanni e La Mínima), na Praça Horácio Sabino, e pensei cá com os meus botões: cara, por que eu não estou abrindo uma roda assim como ele? Depois de tanto tempo em casa ver a praça cheia de gente, entre aplausos e vaias, se emocionando com o circo que eu tanto amo, me pareceu a coisa certa a se fazer. 

Entre esta epifania e o momento de me jogar pra rua o tempo de preparação foi mínimo. Adaptei meu espetáculo solo para o que eu achava ser a melhor versão para este novo formato, reli o livro Manual e Guia do Palhaço de Rua, do mestre argentino Chacovachi, conversei bastante com o Felipe, que me encorajou muito, e fui! E foi maravilhoso, emancipador, emocionante… e caótico. Vejam, apesar de parecer tudo a mesma coisa, cada espaço de apresentação tem suas características próprias, e por isso apresentam desafios únicos. E descobrir isso na prática tem sido um aprendizado sensacional. 

Com o Grupo Namakaca, que completa 19 anos de trajetória em 2023, sempre me apresentei em espaços não convencionais: ruas, praças, parques, estacionamentos, salões de festa, comedorias, pátios e ginásios de escolas. Só que raramente passamos o chapéu, porque normalmente somos contratados pelo Sesc, ou prefeituras, ou festivais ou estamos realizando projetos próprios, ou seja, estamos recebendo pelas nossas apresentações. E essa é uma diferença primordial: passar o chapéu. 

Certa vez, durante a 6ª edição do Anjos do Picadeiro em Salvador, o Namakaca foi convidado a participar de uma roda de conversas com o Circo Teatro Artetude, dos maravilhosos Irmãos Saúde, de Brasília. E no meio da conversa fomos confrontados com um questionamento: o que fazíamos não era teatro de rua, era teatro na rua. Com a cabeça borbulhando e sem entender muito bem no momento, demorou para percebermos que o teatro de rua é aquele que sobrevive a partir do dinheiro que entra no chapéu. Ou seja, em 2007 eu já tinha me deparado com essa questão que só fui colocar em prática em 2021. 

Com certeza toda a experiência de mais de 30 anos de profissão ajuda e muito na hora de se lançar num novo desafio como esse, mas confesso que até hoje sinto um frio na espinha antes de muitas apresentações na rua. A cada roda me sinto mais confiante, mas ainda não dominei todos os meandros da rua, e talvez nem seja possível ter controle sobre todas as variáveis que a rua apresenta. Acho que seguir o ritmo da rua, assim como a água, seja o melhor caminho. 

Movimento cívico 

Apesar de parecer uma jornada individualista, tenho descoberto um sentido coletivo e cívico na arte de rua. Coletivo porque uma andorinha só não faz verão, e somos muitos artistas de rua em São Paulo. Estamos nos organizando coletivamente para conquista de novos espaços de apresentação, para divulgação dos nossos trabalhos e para uma contínua formação de público para a cultura do chapéu. Já a dimensão cívica do movimento se dá em duas frente: primeiro porque estamos usando as ruas, praças e parques, que são espaços públicos, portanto também nos pertencem. E segundo porque damos a estes espaços novos usos e finalidades, fazendo com que o público que nos assiste também ressignifique sua relação com estes lugares. Todo mundo sai ganhando. 

A quantidade de artistas é tão grande – cerca de 30 –, e a quantidade de espaços disponíveis tão pequena, que toda quinta feira fazemos um sorteio online com os nomes dos artistas que querem se apresentar em cada espaço disponível. Para cada lugar temos um grupo específico no whatsapp, e qualquer artista pode entrar e participar das decisões. Atualmente nos apresentamos praticamente todos os finais de semana na Praça Horácio Sabino, no Parque Augusta e no Parque Buenos Aires. E seguimos buscando parcerias com outros lugares para ampliar a oferta de atrações na cidade de São Paulo. Além desses que já falei, a Avenida Paulista continua sendo um ponto de encontro de artistas de rua das mais variadas linguagens. 

Para finalizar este rápido artigo fica o convite para você, que leu até aqui, participar ativamente deste movimento, seja como público, seja como artista – se este for o seu caso.

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