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Solus mistura balé, acrobacia e fé
Fernanda Araújo, especial para o Panis & Circus

O espetáculo Solus Amor, do grupo húngaro Recirquel, mostrou a excelência acrobática da qual todos previam. O que algumas pessoas não imaginavam, porém, era se deparar com uma atração que expressasse tanta sensibilidade. Teve choro na plateia. Mas não foi por falta de aviso da mídia estrangeira: “Em 10 números… esta montagem fala de fé, amor, natureza e universo”, anunciou o diretor e coreógrafo Bence Vági.
Mas como acreditar em uma resenha tão subjetiva que aborda sentimento em uma produção tão física? Vale mencionar que antes de Solus Amor, Bence Vági criou IMA (‘Pray’), uma montagem concebida durante a pandemia na qual ele usou a arte para retratar uma jornada espiritual que trazia à tona o poder da fé.
Criada em 2012, em Budapeste, na capital da Hungria, a companhia retornou à América do Sul após cinco anos. A turnê contemplou Chile e Colômbia, além do Brasil
Por aqui, com ingressos esgotados logo no início das vendas, a produção foi apresentada entre os dias 21 e 23 de junho, no Teatro Paulo Autran (1.010 lugares), no Sesc Pinheiros. Solus Amor foi um dos destaques do Circos – Festival Internacional Sesc de Circo, evento que reuniu grupos de 19 países.

Bem, e a sinopse foi um tanto subjetiva, verdade. Mas o fato é que Solus Amor mexeu com os sentimentos e promoveu reflexão. A fé como conexão, a certeza de que o outro está ali para te pegar, apoiar… ou simplesmente preparar o aparelho da forma mais precisa e segura possível. Mas foi além da fé como confiança.
No cenário, uma selva de parede verde era projetada ao fundo e se movimentava representado algo como “a natureza em um vento constante”. Ao final do número de abertura, em uma bela performance de balé clássico, os profissionais saíram por uma pequena clareira que foi aberta no fundo do cenário, com se eles fossem “amparados, sugados, protegidos por uma energia boa”.


A sequência foi um show de acrobacias precisas, com paradas de mão, avião, cadeira, dois e três em pé sobre os ombros, números aéreos… Um arremessando o outro de um lado e de outro. No ar, uma acrobata despenca, mas é presa pela ponta dos pés do colega em uma fração de segundos que o público mal tem tempo de gritar.
A marionete de um urso polar é uma atração à parte. Com manipulação delicada, ela expressa o primeiro sentimento ao bater o focinho em uma acrobática que parece triste no chão. O urso comporta-se como um cão fiel que defende a dona nas cenas seguintes. E a comparação com o cão ainda é enfatizada por uivos que vêm da sonoplastia. No fim, o bicho surge acompanhado de seu bebê, outra marionete fofa e brincalhona.
Em seguida, a calmaria (ilusória). Uma acrobata emerge do centro do teto, em posição de lótus, e desce bem devagar. Executada à contraluz, a ação produz uma imagem linda e delicada que a plateia leva alguns segundos a entender que a profissional está suspensa pelos cabelos. Mas a tranquilidade durou pouco e a jovem se desdobrou em acrobacias intensas que pareciam durar uma infinidade, em especial com o rodopio.
Solus Amor trouxe o deleite das exímias companhias húngaras. Mas ficou marcado pela direção sensível e a certeza de que a arte exerce um papel fundamental na (boa) formação da plateia.

Ficha técnica: Solus Amor
Direção e coreografia: Bence Vági.
Elenco: Gergely Bagdi, László Farkas, Ádám Fehér, Zita Horváth, Renátó Illés, Gáspár Téri, Yevheniia Obolonina, Eszter Seguí-Fábián, Kristóf Várnagy, Csilla Wittmann e Gábor Zsíros.
Coreografia das acrobacias aéreas: Renátó Illés.
Designer de movimentos aéreos e diretor técnico: Tamás Vladár.
Direção técnica: Aldrey Hibbeln. Produção no Brasil: Corpo Rastreado.
Fotos:Réthey -Prikkel