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Palhaças com chapéus de cabaças e almas do Brasil

 


Bife e Quinan chegam lá com exageros e jogos de sentido

 

Mônica Rodrigues da Costa

O espetáculo “Divagar e Sempre”, da companhia Las Cabaças, desconcerta a gente de tão bom, com rede e canoa, floresta e a esperteza dos palhaços em pregar peças um no outro e no público. Com direção de Luciana Viacava, a história se passa à beira do rio e enfrenta tempestades, calmarias e os pensamentos filosóficos das palhaças Bifi e Quinan (na foto, à esq.). Elas vestem o figurino diante do público e querem chegar a um lugar chamado “lá”. Por esta razão, estão “aqui”, mas, como não têm certeza, mudam toda hora de assunto – o que é tipico do gênero em que atuam.

O que importa é que a expressão “chegar lá” multiplica-se em sentidos e promove divagações mirabolantes, às vezes conectadas por sonorismos, outras por jogos semânticos. O importante é deslizar rumo às águas distantes e levar os espectadores a uma viagem imaginária.

O espetáculo esteve em cartaz na semana passada no Sesc Belenzinho, na cidade de São Paulo.

No começo da peça, as palhaças Bifi e Quinan acordam fazendo piada com o ato de espreguiçar-se e fingem, de dentro de uma rede, que são uma só pessoa muito esticada. Coçam a cabeça. Risos. Coçam o pé. Estão no centro da mata e a barriga ronca. Escovam os dentes no rio de um lado do barco e pegam água para beber do outro. Assim, revelam um costume ribeirinho não lá muito higiênico e que provoca reações na plateia.

 

 

As palhaças lançam o anzol e fisgam um saco cheio de trecos. Isso é mote para uma série de cenas divertidíssimas. Elas pescam peixes encantados – em bons truques de ilusionismo ou que citam a mágica circense. Os peixes pulam das latas e ocorre o milagre da multiplicação.

Com utensílios de cozinha, Bife e Quinan coam café no meio do rio, por um passe de mágica, misturada a muita conversa, que abusa dos trocadilhos e agrada a todos os presentes.

O cenário de bambu multiuso, cheio de jiraus, tecidos e cipós, tem o design dos objetos rústicos do artesanato nacional.

O centro das ações é um aparelho de circo que serve como estacas ao redor das quais se arma a rede, que se transforma em embarcação. No final do espetáculo, o bambu mais alto serve de arame para um número que evoca o equilibrismo do circo.

As duas guardam maior semelhança com o circo na ação de sair em aventura e são teatrais nos diálogos ao empreender o périplo pelo rio. Remam. Lavam roupas e põem seus panos para secar. Uma delas arma uma cilada para a outra durante a disputa pelo espaço maior no varal. Os espectadores se divertem.

Durante a jornada, são ameaçadas por uma onça e aprontam com o boneco do bicho. As confusões das palhaças sobram para a plateia nas cenas interativas, sempre inteligentes.

As personagens passam por lugarejos e uma delas quase cai na sedução do boto. A toda hora se perguntam se já chegaram.

Um dos méritos do espetáculo é o aproveitamento das tradições locais, transportadas para a comédia dos palhaços.

Hugo Possolo escreveu em artigo de 2007, na “Folha”, sobre o comediante russo Slava Polunin, que a arte do palhaço se vale da hipérbole como procedimento. O recurso também está presente na montagem de Juliana Balsalobre, que faz o papel da palhaça Bifi, e de Marina Quinan, no papel da palhaça Quinan.

Há muito mais. As interpretações exageradas se misturam aos trocadilhos e às respostas ingênuas a situações maliciosas que as protagonistas criam como armadilhas do humor, as famosas gagues.

O riso e a descontração vencem a disputa entre as duas, apoiados por uma trilha sonora executada por instrumentos mínimos, quase todos construídos como engrenagens da cenografia, como é o caso da ponte que se transforma em xilofone ou vice-versa.

“Divagar e Sempre” é assim, propõe charadas plásticas e verbais, sonoras e gestuais. É muito engraçado quando uma das palhaças pega a lata que a faz se sacudir com o tremelique que os peixes dão antes de morrer ao pular na panela do cozido.

 

Sobre a companhia

Segundo o texto de apresentação do grupo pela assessoria de imprensa, a cia. La Cabaças foi fundada em 2006. O espetáculo, disseram também as atrizes após a apresentação, foi resultado de um pesquisa pelo interior do Brasil, realizada com recursos próprios. A dupla que integra o grupo cria intervenções para públicos pequenos diante de espaços globalizados.

Vale a pena conhecer o projeto. Em 2006, por sete meses, a companhia realizou a viagem de pesquisa Brasil na Cabaça pelas regiões Norte e Nordeste “para encontros com palhaços e público de outras regiões, coletando e estudando gags, estórias, diferenças e semelhanças nas formas de atuação dos fazedores de palhaçadas, bem como a convivência com novas situações socioculturais”.

O press-release explica que houve também o projeto itinerante Palhaças Amazônia Adentro, que ocorreu quatro anos atrás e durou dez meses. “Em 2009 a dupla Las Cabaças muda residência para Alter do Chão, subdistrito de Santarém-PA, com o objetivo de aprofundar a pesquisa na região Amazônica, mergulhando ainda mais na cultura e imaginário local, tão peculiar e desconhecido para grande parte dos brasileiros”.

“A dupla percorreu comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas dos Estados do Acre, Amazonas, Pará, Amapá e Maranhão, exercendo o ofício de palhaças, apresentando seu repertório de gags e palhaçaria, improvisando situações cênicas junto às pessoas de cada lugar. Esse projeto contou com a parceria dos Doutores da Alegria”.

Em 2011, foi a vez do projeto Tietê-Tapajós: Águas e Terras dos Homens, fomentado pelo Prêmio Myriam Muniz 2011, em parceira com a Cia. do Feijão (SP), itinerância pelas comunidades que margeiam os rios Maró, Tapajós e Arapiuns, no Pará, e no rio Tietê, em São Paulo.

 

Ficha técnica

Criação e concepção: Las Cabaças / Elenco: Juliana Balsalobre (palhaça Bifi) e Marina Quinan (palhaça Quinan)   / Roteiro: Luciana Viacava, Juliana Balsalobre e Marina Quinan / Direção: Luciana Viacava / Direção corporal : Fabíola Salles / Trilha sonora, criação e confecção dos Instrumentos musicais (banjo e xilofone): Alan Chetto / Direção vocal: Joelle Colombani / Iluminação: Maria Druck / Figurinos: Marcela Donato / Cenário: Roberto Borovik / Onça-pintada: Davi Pantoja / Costureira: Lucia de Oliveira

 

Clique aqui para visitar o site da companhia Las Cabaças.

 

 

Fotos: Divulgação

Postagem: Alyne Albuquerque

 

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