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“Viagem pelo Brasil” em boa companhia
Opereta mistura música brasileira e composições de grandes clássicos
O príncipe Tuquinha está a caminho da Terra, vindo lá de sua galáxia para se tornar um Aprendiz de Maestro, conta o diretor Paulo Rogério Lopes no folheto de apresentação do espetáculo “Viagem pelo Brasil”.
Para dar as boas-vindas à sua majestade, é preparada a excursão por terras brasileiras. O guia turístico, o XYZ, é interpretado pelo ator Paulo Goulart. Sua agência de viagens, diz ele, é a mais experiente no ramo – ajudou, por exemplo, Moisés a atravessar o Mar Vermelho e fez o roteiro das caravelas que bateram nas costas do Brasil. Risos na platéia.
Com o roteiro do guia XYZ, ao som da Sinfonietta Tucca Fortíssima, sob a regência do maestro João Maurício, começou a “Viagem pelo Brasil” do príncipe Tuquinha, na Sala São Paulo, em 20 de outubro, espetáculo que faz parte da série Tucca Aprendiz de Maestro.
Maestro, mãos às notas.
A excursão parte para a região Norte: “Indiana Jones, natação no rio Amazonas, piranhas, jacarés, mosquitos. Pular corda com sucuri e ver índios de verdade” fazem parte do pacote, segundo o guia. A caracterização do guia como “Indiana Jones” amazônico é engraçada com uma pitada de ironia.
O maestro João Maurício Galindo apresenta no passeio musical o ritmo que misturou a batida repetitiva dos índios, o batuque africano e movimentos do folclore português. No palco da Sala São Paulo, sob o ritmo dessa música tradicional do Norte, os bailarinos Barbara Freitas, Val Ribeiro, Beatriz Miguel e Maurici Brasil executam a Dança do Carimbó.
O nome “Dança do Carimbó” vem do título dado aos dois tambores de dimensões diferentes que servem para o acompanhamento do ritmo. Na língua indígena, “cari” significa “pedaço de pau” e “mbó”, “oco” ou “furado”. “Carimbó” significa pedaço de pau que produz som. As mulheres usam saias coloridas, franzidas e amplas na Dança do Carimbó. Os temas no espetáculo têm tratamento lúdico ao mesmo tempo que ensinam.
O maestro João Maurício fala que um dos representantes da música clássica da região Norte é o compositor paraense Waldemar Henrique (1905-1995), descendente de portugueses e indígenas. Ele toca trechos de músicas do compositor, impregnadas de elementos da cultura e folclore amazônicos.
O guia turístico explica aos integrantes da excursão que o compositor, arranjador e violinista Guerra Peixe (1914-1993) captou o espírito nordestino em sua música erudita. Filho de imigrantes portugueses de origem cigana, o artista nasceu em Petrópolis, e, aos 9 anos, já tocava violão, bandolim, violino e piano. Entre 1948 e 1950, ele trabalhou como arranjador na Rádio Jornal, em Recife.
O maestro João Maurício conta para crianças e adultos presentes na Sala São Paulo que Guerra Peixe foi convidado para estudar na Suíça. Mas ele preferiu trabalhar na rádio de Recife, o que lhe deu a oportunidade de coletar material folclórico na região, como maracatus e catimbós. Parte do resultado de suas pesquisas foi publicado em 1955, sob o título “Maracatus do Recife”.
No palco, aparece a boneca de piche e o guia, com chapéu de coco, típico do Nordeste. Os dois criam uma dança com movimentos acrobáticos. Mamolenga, a boneca viva, não para em pé, e o guia tenta fazer com que ela acompanhe os passos dele.
Com peixe assado, arroz com pequi e lua cheia, a excursão – avisa o guia – caminha para a região Centro-oeste. Lá existe a Dança do Siriri, que é realizada aos pares, colocados em fila, ao som de palmas.
O maestro João Maurício conta que a origem da dança está no “cupinzinho” siriri que dá voltas e voltas em torno de lâmpadas. “Rodeio – seu padre, vigário, venha balançar, rodeia, rodeia, é palma, é pé” fala trecho da música popular da região.
Catira e virado de feijão na região Sudeste
Pão de queijo, virado de feijão e a catira, ou cateretê. A excursão para na região Sudeste, avisa o guia. O maestro João Maurício diz que catira, ou cateretê, significa “aquilo que é bom” e se trata de uma dança rural, com influência indígena, europeia e africana, marcada pela batida dos pés e das mãos dos dançarinos, ao som de toques sertanejos, à moda de viola. Dizem que o padre Anchieta (1534-1597) aproveitou a dança nas festas católicas de catequese.
A catira ganhou adeptos, principalmente, no interior de São Paulo, mas está presente também no norte do Paraná e no Mato Grosso. O guia da excursão, vestido de caipira, pesca no meio da orquestra, no palco da Sala. A cena é inusitada e ao mesmo tempo plástica.
O compositor clássico da região Sudeste é Camargo Guarnieri (1907-1993), que nasceu em Tietê, interior de São Paulo, em 1907. Seu pai, Miguel Guarnieri, era um imigrante italiano e sua mãe, Gécia Camargo, vinha de uma tradicional família paulista.
Em 1923, Miguel Guarnieri decidiu mudar-se com a família para São Paulo a fim de proporcionar ao filho condições de estudar música. Por ser de uma família de poucos recursos financeiros, Guarnieri trabalhou com o pai na barbearia e como pianista, tocando em cinemas, lojas de partituras e casas de baile na cidade.
Em 1928, foi apresentado ao escritor Mário de Andrade, a quem mostrou sua obra recém-composta “Canção Sertaneja”. Muitas das canções escritas por Camargo Guarnieri versaram sobre textos de Mário de Andrade, como a ópera “Pedro Malazarte”. Ele é um dos compositores brasileiros mais executados no exterior, diz o maestro João Maurício.
Na região Sul é a vez do churrasco e do chimarrão. E do chamamé. Segundo o maestro João Maurício, “cha” quer dizer “alma” e “ma”, “chuva”, o que forma “minha alma está na chuva”. Poesia no significado das palavras. O chamamé é um tipo de música tocado em volta de uma fogueira e que reúne sons argentinos, uruguaios e brasileiros.
Então é a vez do guia turístico da excursão, o senhor YXZ, sentar-se em torno de uma fogueira e assar um pedaço de carne.
Em sua origem o chamamé integra raízes culturais dos povos indígenas e dos espanhóis. O compositor clássico, importante, da região, é Cyro Pereira (Rio Grande, 1929-2011, São Paulo). Ele foi maestro da Orquestra de Jazz Sinfônica e participou de programas como “O Fino da Bossa”, apresentado por Elis Regina e Jair Rodrigues.
Depois o guia e os bailarinos formaram um trenzinho para falar da composição de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), o “Trenzinho Caipira”. Ele é considerado o responsável pela descoberta de uma linguagem peculiarmente brasileira em música, em que mescla elementos das canções folclóricas, populares e indígenas.
Ao seguir a “trilha das danças e ritmos regionais, a excursão atravessou o país de Norte a Sul”, em uma “Viagem pelo Brasil”, acompanhada de importantes compositores, que traduziram em música” os costumes e as belezas do país, segundo texto do diretor do espetáculo, Paulo Rogério Lopes.
“Trenzinho Caipira” é o preferido
“Lá vai o trem com o menino,/ Lá vai a vida a rodar,/ Lá vai ciranda e destino,/ Cidade e noite a girar,/ Lá vai o trem sem destino…” Esses versos fazem parte da letra de “Trenzinho Caipira”, de Villa-Lobos.
Augusto Fiuza, de 8 anos, Pedro Mendonça Funicelli, 7, Lucas Fiuza, 7, Francisco Funicelli, 4, e Erick Ribeiro Herling, 5, estavam na Sala São Paulo. Todos disseram que gostaram do espetáculo “Viagem pelo Brasil”. Augusto, Pedro, Francisco e Erick elegeram a música do trenzinho como a preferida. Lucas ficou com a cena do guia na fogueira.
Roberta Mendonça Funicelli, mãe de Pedro e Francisco e que trabalha na área de investimentos, achou divertida a viagem na companhia de ótimos compositores. A arquiteta Tereza Ribeiro Herling, mãe de Erick, gostou de ver a dança e de ouvir os ritmos.
(Bell B.A.Campos)
Fotos: ASA Campos