Pé na Estrada
Cinderela celebra 200 anos
Lenda de Cinderela caminha pela História
Ivy Fernandes, de Roma
“Era uma vez uma jovem muito bonita que vivia em um castelo com a madrasta maldosa e duas irmãs feias e invejosas. O seu nome era Cinderela.” As meninas do mundo inteiro, desde pequenas, ouviram essa fábula com a maior atenção e o conto se tornou o mais famoso de todo o planeta, com traduções em 180 línguas, entre as quais, chinês, japonês, árabe, farsi e até em kikuyu (língua do Quênia). Para celebrar os 200 anos da primeira publicação do conto maravilhoso [em alemão, Kinder- und Hausmärchen] “Cinderela”, incluído na publicação “Os Contos dos Irmãos Grimm” (1812-1815), foi inaugurada em Roma, em novembro passado, no salão de exposições da Biblioteca Central Nacional (BNCR), a exposição “As Mil e uma Cinderelas”. A mostra apresenta o percurso das fábulas dos irmãos alemães Jacob Ludwig Karl Grimm (1785-1863) e Wilhelm Karl Grimm (1786-1859).
Mostra divulga obra dos irmãos Jacob e Wilhelm Grimm
A exposição é itinerante e seus curadores têm a intenção de apresentá-la também no Brasil durante os eventos esportivos internacionais. Seu objetivo é divulgar os contos maravilhosos recolhidos na Alemanha e estudar o fenômeno da fábula, que continua encantando as gerações através dos séculos. A mostra é dedicada a um público que vai dos 8 aos 80 anos. Foi organizada por Monika Wozniak, da Universidade La Sapienza, de Roma, e por Giuliana Zagra, da BNCR.
Sapatinho de cristal
“As Mil e uma Cinderelas” revela as transformações do texto inicial dos irmãos Grimm e as representações visuais de Cinderela no mundo moderno, assim como sua interpretação pela música, pelas artes dramáticas e cinematográficas, na dança e nas artes plásticas.
A mostra de Roma exibe peças importantes do patrimônio cultural internacional, como edições antigas da fábula, manuscritos, figurinos, desenhos, marionetes e objetos, como o sapatinho de Cinderela, ligados ao mundo dos personagens, que testemunham e documentam a extraordinária divulgação da fábula de Cinderela.
Não deixe de ver a pequena, mas excelente, coleção de sapatinhos do Museu Nacional de Arte Oriental de Roma, assim como o sapatinho criado por Ferragamo para o filme “Ever After: A Cinderella Story”, de Andy Tennant.
Interpretações iconográficas
O itinerário da exposição tem início com a história tradicional de Cinderela, na versão ocidental dos irmãos Grimm, em que constam também as interpretações iconográficas de grandes desenhistas: Doré, Dulac, Rackham, Luzzati, Roberto Innocenti, Bohdan Butenko, Kveta Pacovská.
Há ainda reinterpretações modernas e adaptações de escritores canônicos, como Gianni Rodari, Angela Carter, Roald Dahl, Roberto Piumini, Emma Dante.
Figurino da ópera de Rossini
A mostra exibe pela primeira vez os trajes esplêndidos criados para a ópera “Ciderela”, de Rossini e “Cinderela”, de Prokofiev, além do vestiário das marionetes do célebre Teatro Lalka, de Varsóvia, peças da Fundação Bibiana, de Bratislava, e do Teatro Verde, de Roma.
Uma visão das Cinderelas em diversas partes do mundo (Japão, Polônia, Rússia), do pop-up de Kubasta até velhos livros de teatro em italiano e inglês também estão em exposição.
Fazem parte da mostra também obras originais de artistas como a escultora Fiorella Corsi, e os desenhos dos ilustradores poloneses Bozena Truchanowska, Teresa Michalowska e outros.
Ponte intercultural
A exposição salienta que a fábula de Cinderela tem a capacidade de estabelecer pontes interculturais, um diálogo multilíngua que entra em comunicação direta com leitores do mundo inteiro e cria uma sequência de versões da personagem em todo o mundo, partindo dos sapatinhos utilizados pelas protagonistas dos contos dos irmãos Grimm, quando o sonho da jovem maltratada e ofendida se realiza e ela encontra o príncipe encantado.
Princesa do mundo
“Cinderela é a princesa do mundo”, afirmou a estudiosa Ruth Bottigheimer, da Stony Brook University de New York em seu relatório durante o convênio inaugural da exposição em Roma, do qual participaram mais de 50 estudiosos provenientes de vinte países.
Durante três dias, eles confrontaram interpretações, versões e outros textos sobre o universo de Cinderela. Não somente do ponto de vista literário, também foram examinadas as perspectivas analítica, antropológica, sociológica e feminista da obra.
Atualmente a obra possui 345 versões e foi estudada minuciosamente no final de 1800 por Marian Roalfe Cox. A fábula foi ao mesmo tempo muito divulgada por versão oral. Tornou-se popular no Médio Oriente, na América do Norte, no Japão.
Versão mais antiga é chinesa, do século IX
A China conserva o primado da versão mais antiga de Cinderela, escrita no século IX pelo funcionário imperial Tuang Ch’eng-Shih. Ele relatou a história de Tam, grão de arroz, auxiliada, não por uma fada, mas por Buda e por um peixinho vermelho. Tam é a irmã mais velha de todas as outras Cinderelas do mundo.
Cinderela gótica e sombria – Alemanha
Depois da versão chinesa, cada país interpretou a fábula segundo o seu critério. No conto recolhido pelos irmãos Grimm, a atmosfera é gótica e sombria, e a narrativa quase se transforma em uma história de terror, em espacial, na passagem que se refere às duas irmãs invejosas, que tentam cortar os dedos dos próprios pés para fazer com que entrem no sapatinho de Cinderela, esquecido na escadaria do palácio real depois do baile. Em algumas versões, elas acabam cegas.
Perrault na França e o sapatinho de ouro
Na versão francesa de Charles Perrault, de 1697, entra em cena a fada que, com sua varinha mágica, transforma a abóbora em uma magnífica carruagem e, na hora marcada, à meia-noite, termina o encanto, e Cinderela volta à realidade, perdendo o sapatinho de cristal que, conforme algumas interpretações, transforma-se em um sapatinho de ouro, prata ou pedras preciosas.
Versão polonesa tem passarinho mágico
A estudiosa polonesa, Monika Wozniak explica que na versão polonesa “um passarinho protegia o túmulo da mãe de Cinderela. Ele desceu da árvore e, vendo a jovem chorar e inundar com suas lágrimas o monumento fúnebre, criou para ela um magnífico vestido de baile. Mas nesse ato não existe nenhuma forma de magia, na fábula, pode se encontrar referência a símbolos religiosos”.
A estudiosa conclui que o conto de Cinderela foi reescrito em várias partes do mundo, “da China à Rússia, da Patagônia à Índia, mas em todas as versões a fábula não perdeu o encanto e sua magia continua a acompanhar o sono e o sonho de todas as meninas do mundo”.
Comitê que organizou a exposição
Francesca Bernardini (“Sapienza” Università di Roma); Johanna Borek (University of Wien); Ruth Bottigheimer (Stony Brook University); Martine Hennard Dutheil (University of Lousanne); Vanessa Joosen (University of Antwerp); Gillian Lathey (Roehampton University, London); Jan Van Coillie (Hogeschool-Universiteit Brussel); Monika Wozniak (“Sapienza” Università di Roma).
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