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Dois palhaços são salvos por uma anja
Eles enfrentam um mar bravio e um tubarão de dentes afiados
Bruna Galvão
Por meio de uma voz celestial (seria a voz de Deus?) que emana com profundidade do auditório do Sesc Vila Mariana, a Cia. O Curioso dá início ao espetáculo “Água até o Nariz”, que segue em cartaz, sempre aos domingos, até 13/10. Diz a voz com a firmeza dos deuses: “Anja Bibina, você tem uma importante missão a cumprir”.
Como qualquer ordem vinda de um superior, essa também causa expectativas. A plateia aguarda a reação da anja, uma palhaça que adora comer bolinhos de chuva. Como nos filmes do cinema mudo, Bibina não diz nenhuma palavra durante toda a peça. Seus movimentos são graciosos, o que confere mais meiguice a sua expressão de anja.
No começo, Bibina fica apreensiva com a ordem “divina”, mas, depois, alegra-se em saber que, caso salve os palhaços Cacilda e Serafino de um naufrágio e de um tubarão, poderá retornar ao céu com grandes asas de anjo, ao contrário das pequenas que ela tem nas costas. Mas, para realizar tudo isso, conforme mostra um mapa com o passo a passo da missão, também é necessário alimentar seus protegidos e dar bons sonhos a eles.
Bibina vai à Terra e uma atmosfera de perigo cerca o palco: uma música agitada paira por todo o auditório e, por meio do teatro de sombras, o público vê o mar em fúria a jogar o navio dos palhaços de um lado a outro, o que dá início ao naufrágio. O navio começa a afundar e, então, como se suas ondas já não assustassem o suficiente, aparece um tubarão com uma boca bem grande, cheia de dentes afiados. Quando ele está prestes a devorar os passageiros, eis que surge a anja Bibina, que salva Cacilda e Serafino do desastre.
Os palhaços chegam a uma ilha deserta em um bote salva-vidas. No local, até que seja possível voltar para casa, eles precisam, não só encontrar formas de sobrevivência, como também devem aprender a conviver um com o outro. Com personalidades diferentes, Cacilda é prestativa e ingênua, pois não percebe que é explorada por Serafino durante a divisão de tarefas (Serafino manda e ela obedece).
Serafino, além de mandão, é egoísta e gosta de exibir o longo corpo esguio. Apesar das diferenças, os dois amigos se apoiam nos momentos difíceis, como quando uma fera aparece para atacá-los.
O público não somente ri dos dois trapalhões como também participa das cenas. Com o intuito de ajudar os náufragos, as crianças se agitam para mostrar a eles onde estão os perigos da ilha, ou onde está Cacilda quando Serafino a perde de vista.
Ao mesmo tempo, também denunciam a anja Bibina, que, mesmo na Terra, não perdeu o hábito de comer bolinhos. Em uma das cenas, a palhaça celestial, ao ver que seus protegidos estavam com fome, trata de oferecer um jantar a eles. Assim, Bibina improvisa uma mesa e dois bancos e coloca sobre a mesa uma bandeja com dois bolinhos. Mas ela não resiste: ergue a tampa da bandeja e acaba por devorar um dos bolinhos.
Quando Cacilda e Serafino se dão conta de que, por milagre, um banquete foi servido a eles, antes mesmo que ergam a tampa da bandeja, um menino de cerca de cinco anos grita da plateia: “Para tudo!”. O espetáculo para e o palhaço Serafino pergunta a ele o que houve. O pequeno, então, conta: “Só tem um bolinho aí, porque a fada apareceu e comeu um deles”. O público gargalha, mas o menino se mantém firme em sua afirmação. Porém, Serafino duvida de sua palavra e o chama de “mentiroso” antes de retornar à cena. Até que, ao destampar a bandeja, depara-se com somente com um bolinho e, outra vez, o mesmo menino volta a berrar: “Eu não falei?!”.
Um dos momentos mágicos da peça é quando a anja Bibina se encarrega de dar bons sonhos a Cacilda e Serafino. Com o auxílio de música para criar ambientação, a anja pega pontos luminosos vermelhos no ar e os joga um por um sobre os palhaços, que dormem. Nesse ponto parece que a anja poderia ser mesmo uma fada, tal como a chamou a criança.
Ao utilizar a música, técnicas do teatro de sombras e de bonecos, o uso de máscaras e a palhaçaria, os atores Luana de Lucca, Yuri de Franco e Verônica Gerchman apresentam um espetáculo que mescla a graça e o improviso do palhaço com a poesia do teatro.
Postagem: Regina Bonani