Arte em Movimento
“Ilusões”: espetáculo de tirar o fôlego
Suspensos no ar, os artistas contam história que falam do Tarô e do Amor
“Ilusões: o Amor na Mesa Vertical do Tarô” conquistou o público em suas apresentações no Memorial da América Latina (1, 2 e 3/11) e no Sesc Pompeia (setembro e outubro), conforme constata o site Panis & Circus. No Memorial da América Latina, era possível ver mais de perto as acrobacias aéreas de encher os olhos em uma parede de 13 metros de altura que ficava cerca de 5 metros de distância do público. No Sesc Pompéia, os artistas estavam a 20 metros de distância dos espectadores e deslizaram em uma parede de um prédio de 60 metros de altura, o que era de tirar o fôlego.
Tarô: a busca do inconsciente
Reza a lenda que os antigos, interessados em passar seus conhecimentos, reuniram-se certo dia para decidir como seria feita a transmissão da consciência. Uma após a outra as sugestões foram sendo derrubadas, até que um dos sábios lembrou: a natureza do homem é investigativa e a única forma de manter aceso o seu interesse sobre algo é ocultar sua verdade essencial sob outra verdade, superficial, aparente. Assim, os antigos decidiram que guardariam a ciência do mundo em um jogo em que imagens formariam inúmeras correspondências. Aos herdeiros caberia descobrir a maneira certa de interpretá-las. Por isso, andam todos, até hoje, contando e ouvindo histórias, criando arte e filosofia, em busca de respostas.
O conto acima bem que poderia servir como alegoria para a criação do baralho de Tarô. Popularmente divulgado como instrumento oracular e divinatório, o conjunto de 78 cartas, de origem incerta, é considerado por muitos místicos e pensadores como uma junção de arquétipos passível de ser usada na busca pelo autoconhecimento. Para Carl Jung, por exemplo, as lâminas são um modo de acessar e trazer à luz informações guardadas no inconsciente. Foi esta última vertente que inspirou a diretora Monica Alla, criadora do grupo Ares, a montar o espetáculo “Ilusões – O Amor na Mesa Vertical do Tarô”, que fez temporada em setembro/outubro no Sesc Pompéia. E esteve nos dias 1, 2 e 3 de novembro no Memorial da América Latina na capital paulista.
É uma apresentação de encher os olhos: nove artistas fazem acrobacias e contorcionismos suspensos em pleno ar. Caracterizados como alguns dos arcanos do Tarô, eles deslizam sobre a parede externa do edifício, a 60 metros de altura, atados por cabos e contrapesos no Sesc Pompéia distantes cerca de 20 metros do público. A superfície do prédio serve também como tela de projeção, onde são apresentadas diversas imagens que dançam e formam imagens que parecem saídas dos sonhos, num show em que a iluminação e a trilha sonora eletrônica ganham destaque. O figurino é simples, mas seu colorido obtém muito bom efeito diante da plateia. No espetáculo apresentado no Memorial da América Latina, a 13 metros de altura, a distância entre o público e os artistas era pequena: não ultrapassava cinco metros.
“Ilusões” conta a trajetória de Horácio. Aos 42 anos, é um típico executivo, que está cansado e precisa se jogar em uma nova vida. A escolha do Tarô como ponto de referência para a narrativa encaixa-se bem, uma vez que, sob a ótica do psicanalista Jung, os 22 Arcanos Maiores do baralho retratam, de maneira atemporal e universal, as estações que marcam a jornada heroica de alguém que sai em busca de sentido [na vida]. É o chamado “monomito”, segundo Joseph Campbell, um dos mais reconhecidos estudiosos de mitologia comparada.
Em linhas gerais, o monomito trata do herói que ouve um chamado e precisa se separar do mundo familiar para viver uma aventura única, que terá sua marca. Passa pelo treinamento de um mestre, abandona seu meio, passa por provações, faz aliados e inimigos, supera as provas. Ganha e é recompensado, podendo retornar a seu mundo como um vencedor. Por fim, deve enfrentar o maior dos inimigos, a morte, regressando da experiência como um senhor de dois mundos.
E qual é o sentido na busca de Horácio, o protagonista, personagem de Monica Alla? O Amor, assim, com letra maiúscula, útero primordial e destino final de todo vivente. “Podemos romper com todas as tradições, compromissos, podemos romper com tudo… Só não podemos romper com o Amor. O coração bate”, diz o texto de “Ilusões”, escrito pelo professor de ética e filosofia George Barcat, que se utiliza ainda do pensamento da escritora Anaïs Nin para reforçar sua visão. A escritora é citada em outro trecho do espetáculo: “O amor nunca morre de morte natural. Ele morre porque nós não sabemos como renovar a sua fonte. Morre de cegueira e dos erros e das traições. Morre de doença e das feridas; morre de exaustão, das devastações, da falta de brilho”.
“Ilusões” é um convite para que o espectador embarque na própria jornada, interessado em descobrir em sua vida elementos que ultrapassem um cotidiano feito de materialidades e miudezas. “O Louco, arcano sem número, que mora em cada um, estende a mão, convida para descobertas, faz a ponte entre o passado e o desconhecido. Como explica Sallie Nichols, no livro ‘Jung e o Tarô – Uma Jornada Arquetípica’”: “(…) Excluído da consciência, ele [o Louco] pode pregar-nos peças, que, embora ‘inocentes’, são difíceis de apreciar. Aceito em nosso conselho interior, o Louco pode oferecer-nos ideias frescas e nova energia. Se quisermos ter o benefício de sua vitalidade criativa, precisamos aceitar nele o comportamento não-convencional. Sem as observações bruscas e os sábios epigramas do Louco, a nossa paisagem interna poderia converter-se num deserto estéril. Nessas condições, a crença de que ‘manter um louco na corte afasta o mau-olhado’ não é uma superstição antiquada, representa uma verdade psicológica de duradouro valor”.
Monica Alla, diretora de “Ilusões – o Amor na Mesa Vertical do Tarô”, fala com o site Panis & Circus sobre o espetáculo.
Panis & Circus: Qual é a sua relação com o Tarô e o que a levou a fazer o espetáculo [“Ilusões“] sobre o tema?
Monica Alla: Eu venho do Planalto Central e desde pequena sempre fui ligada a assuntos exotéricos e sempre fui ligada ao Tarô, às brumas – todo esse lado místico da vida. Quando comecei a trabalhar com teatro, com dança e com circo, tive vontade de falar sobre o Tarô, um tema que me intriga. Os arquétipos – essa linguagem da simbologia – combina com a linguagem metafórica que a arte carrega. Partiu daí o desejo de trabalhar com o Tarô.
Circus: “Ilusões”, encenada do lado de fora de um prédio, é uma exploração grandiloquente da capacidade física do artista? Como foi o processo de escolha?
Monica: O processo de escolha foi bem difícil. Primeiro, a gente ia estrear no Festival Internacional de Circo do Sesc em maio [deste ano]. Seria no Sesc Bom Retiro, mas não foi possível. Daí nos ofereceram o Sesc Pinheiros para nos apresentarmos, o que também não foi possível porque o espetáculo tem projeções [na parede] e a fachada lá é de vidro. Pessoas entraram e saíram. Acabou sendo um processo mais longo que o previsto. Mas todas as pessoas escolhidas são pessoas superbem capacitadas, têm experiência em trabalho de altura, em dança aérea. São profissionais da área.
Circus: Como diretora o que espera que “Ilusões” leve ao público?
Monica: Eu sempre quero tocar o público de qualquer maneira: ou pela beleza ou pela ação. O espetáculo “Ilusões” traz a mensagem do amor porque fala da trajetória do herói, que a trajetória do Louco do Tarô – a viagem arquetípica dele pelas cartas do Tarô. Na realidade, é a viagem de qualquer ser humano pela qual todos nós passamos. É uma viagem interna de autoconhecimento.
Nesse espetáculo, falo do amor. De uma avó zelosa, que, no caso, é a Imperatriz. Deve-se notar que todos os personagens estão ligados aos arquétipos do tarô. Então a avó é a Imperatriz, que é a grande mãe de todos. Quando seu neto Horácio nasce, ela percebe que ele tem poderes especiais. Só que ela mantém esses poderes [um pouco] em segredo. A Imperatriz chama as Sacerdotisas para abrir o oráculo e ver o que vai acontecer na vida do neto. Ela está preocupada com o futuro dele.
Só que, quando o universo traz a resposta para perguntas dela, a resposta é o amor – a única solução para salvar o neto dela. Só que quem está em perigo não é o neto da Imperatriz. Mas, sim, o amor. Hoje, a gente tem esse perigo na vida. As pessoas estão perdendo o amor pelas pessoas, pela natureza, pelos animais. Há um texto no meio do espetáculo da Anais Nin [escritora] que fala que o amor não morre de morte natural. Ele morre de outras maneiras. Quero que o público veja que a gente está matando o amor neste mundo contemporâneo. É importante que a gente veja que o amor é a resposta para todas as perguntas. É o que eu gostaria de passar para o público.
Circus: Quando o personagem central começa a viagem de autoconhecimento em “Ilusões”, ele está no alto do prédio, vestido como um executivo, e parece que vai se jogar em um precipício. É isso mesmo?
Monica: Na verdade é a história do Louco do Tarô, a viagem dele, percorrendo as cartas do Tarô. Só que eu trouxe esse louco para o mundo contemporâneo, onde o louco é representado pelo empresário paulistano, que está à beira de um ataque de nervos. No espetáculo, ele está no topo do prédio como se fosse se suicidar. Ele não aguenta mais a vida que leva, de compromissos, de telefonemas sem fim, essa vida enlouquecida… Está a ponto de se suicidar ou então de entender uma nova forma de vida. Aí começa a trajetória do herói, que entra no caminho de autoconhecimento.
Circus: Há enfâse sobre a figura da Sacerdotisa e da Imperatriz?
Monica: São 22 arcanos maiores. Eu adoraria ter passado por todos os arcanos nessa viagem do Louco. Mas montei um espetáculo de 30 minutos – e tive de escolher alguns arcanos e, por isso, ele passava por alguns deles. O Louco do Tarô é livre, é o número zero, e ele pode viajar por todas as cartas e estabelecer a trajetória que quiser.
Circus: Foi você quem escreveu o texto de Ilusões?
Monica: Quem escreveu o texto foi George Barcat, do Palas Athenas, uma pessoa maravilhosa. O texto e a dramaturgia são de sua autoria.
Circus: Você sabe jogar o tarô? Monica: Sei. Houve uma época em que eu jogava por hobby. Vejo o Tarô, não como um jogo de adivinhação do futuro, mas como forma de ver dentro de você mesmo. Quase uma terapia de autoconhecimento.
Circus: O espetáculo tem a ver com o livro Jung e o Tarô?
Monica: Esse foi o livro determinante para a pesquisa do espetáculo. Ele fala de uma jornada arquetípica, a jornada do herói, que é uma jornada que todos deveríamos ter.
*Colaborou Bell Bacampos
Serviço: Local: Memorial da América Latina (1, 2 e 3/11) – Paredes do prédio do conjunto desportivo do Sesc Pompeia (setembro/outubro)
Ficha técnica Criação, direção e coreografia: Monica Alla
Dramaturgia e texto: George Barcat
Intérpretes/criadores: Guto Vasconcelos, Ieda Cruz, Jacques Alejo Bissiliat, Laiz Latenek, Luciana Guimarães, Maíra Campos, Monica Alla, Patricia Rizzi, Sandra Miyazawa e Tum Aguiar.
Postagem: Alyne Albuquerque
Vídeos: Imagens – Asa Campos
Edição: Alyne Albuquerque
Tags: George Barcat, Guto Vasconcelos, Ieda Cruz, Jacques Alejo Bissiliat, Laiz Latenek, Luciana Guimarães, Maíra Campos, Mônica Alla, Patricia Rizzi, Sandra Miyazawa, sesc pompeia, Tum Aguiar
Anote
Cachimônia, espetáculo de circo contemporâneo, inovador e irônico, vai estar nesse sábado, 27/9, no Teatro Flávio Império, às 16h, av. Professor Alves Pedroso, 600, Cangaiba.
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Adorei a matéria, muito bem escrita, achei de grande sensibilidade e conhecimento
as fotos estão lindíssimas!!!
Obrigada pelo apoio !!