Picadeiro
“Maravillas”: humor em alta
Paródia de um espetáculo clássico de circo feita por uma trupe que esbanja talento
Bell Bacampos, da Redação
O respeitável público que procura se acomodar em seus lugares, no Sesc Pinheiros, na noite de 30/5, é recebido pelos atores de “Maravillas”, espetáculo que vai começar daqui a dez minutos, às 21 horas.
De repente, três artistas, Maximiliano Stia, alto de bigodes longos, usando ushanka, espécie de gorro de pele com o distintivo militar russo; Julián González, com cabelo espetado dos lados; e Juana Beltran, de pantalonas bordô – fazem a maior algazarra ao cercar um espectador na plateia.
A algazarra não faz parte do show como se poderia pensar em um primeiro momento. Na realidade, eles cumprimentam com entusiasmo um ‘companheiro’ das artes: Marcelo Lujan, do Circo Zanni e Amarillo.
Depois de tapas nas costas e muitos risos, o trio sobe ao palco.
“The Great Odoroff”, o ilusionista, que usa o chapéu militar russo, criação irreverente do artista Maximiliano Stia, é o mestre de cerimônias de Maravillas, espetáculo da Cia Família Bolondo. Ele começa a apresentação, mas o microfone pega fogo literalmente.
Maravillas é uma paródia de um espetáculo clássico em que se brinca com clichês tradicionais do circo. A história fala de uma terceira geração do circo, que verifica, após perder sua lona, que o mundo do espetáculo avança a passos largos para a modernidade e, por isso, é preciso se adaptar aos novos tempos e buscar novas tendências.
E essa busca é permeada de humor, feita por uma trupe talentosa e que exibe precisão técnica ao se fingir de atrapalhada e provocar risos na plateia.
“Odoroff” e “Bear Roberto”
O número “The Great Odoroff and his Bear Roberto” é uma crítica bem humorada a dois fatos: a proibição de animais no circo em vários países, como é o caso do Brasil, e a exigência de ser contemporâneo.
O “Bear Roberto” (Urso Roberto) não é um urso; é um macaco, explica Odoroff.
Em cena, um ator vestido de urso ensaia uns passos de dança com as mãos para frente, como se fosse “charleston”, e depois requebra e se abaixa de costas em uma dança que pretende ser sensual.
Odoroff pede a ele que seja mais contemporâneo.
O urso, então, coloca teatralmente a mão na cabeça, ensaia cara de angústia e se joga no chão. A plateia se diverte..
Se há ilusionista com chapéu de militar russo, também não falta uma espécie de caubói, com um penico pendurado na cintura, interpretado por Julián González. Ele faz acrobacia, penteia o cabelo com cuspe, segura uma cadeira com os dentes e parece fazer xixi, de costas no palco; quando se volta, joga o líquido na plateia. Puro “non sense”.
Os malabares de Ramiro Vergaz e a acrobacia de Juana Beltran exibem precisão técnica e jogo de cintura.
O número da báscula, aparelho semelhante a uma gangorra, usado para dar impulso na execução de números de saltos, do trio Ramiro Vergaz, Gustavo Arruda (o Guga) e André Madrignac (o Dede), é pontuado de humor e digno de nota.
A voz
Como todo espetáculo circense que se preze tem música ao vivo. Nico Costello interpreta a música “Waterver Lola Wants”, acompanhado da coreografia desengonçada de um quarteto masculino (Julián, Ramiro, Guga e Odoroff). Hilário.
Em outro momento, Costello canta a ária “Nessun Dorma”, da ópera “Turandot” de Puccini, e sua voz é vigorosa e vibra nos agudos: no palco e na plateia. É o suficiente para, na próxima cena, ele aparecer com um esparadrapo na boca. Nem“Turandot” escapa da ironia da trupe.
Grande finale
O grande finale é o trapézio, apresentado pelo trio Dede, Guga e Silvia Compte que fogem aos estereótipos do glamour. Eles não são tão jovens, nem tão bonitos; tampouco magros como costumam ser os trapezistas contemporâneos. E não são nada parecidos com o trio imortalizado no filme “Trapézio”: Burt Lancaster (o portô), Tony Curtis e Gina Lollobrigida (volantes).
Dede, o portô ou aparador (o que segura os volantes no trapézio) tem 84 anos, segundo o apresentador de “Maravillas”. Guga, o volante, é um tantinho robusto, e Silvia, a outra volante, apresenta-se com uma peruca grisalha e bengala.
O humor não dá trégua. Guga cai do trapézio de barriga, de costas e, em dado momento, estatela-se no chão. Dede não consegue em um salto de Silvia largar suas pernas e ela fica presa no ar; uma confusão atrás da outra. O fato é que eles são perfeitos nos saltos, quedas e tiradas humorísticas. Riem de si mesmo e conquistam a plateia.
As maravilhas da Família Bolondo
“Maravillas, 16è Circ d’Hivern”, produzido pelo Ateneu Popular 9 Barris e criado pela Família Bolondo, é um espetáculo coletivo, formado por artistas provenientes de diferentes companhias, (entre eles, o brasileiro Gustavo Arruda, o Guga). O Ateneu Popular 9 Barris é uma organização sociocultural sem fins lucrativos que produz anualmente shows de circo. O Circ d’Hivern é um projeto que surgiu em 1996, quando a organização resolveu investir no fomento e na profissionalização da arte circense na Espanha.
Apresentou-se na sexta 30/5, às 21 horas, no sábado 31/5, às 17 horas e no domingo 1/6, às 17 horas no Teatro do Sesc Pinheiros, durante a 2ª edição do Festival Internacional Sesc de Circo.
Ficha técnica:
Direção: Olivier Antoine Elenco: Julián González, Maximiliano Stia, Ramiro Vergaz, Gustavo Arruda (Guga), Nico Costello, Silvia Compte, Andre Madrignac (Dede) e Juana Beltran.
Os vídeos de “Odoroff” e o “Urso Roberto” e de Nico Costello cantando “Waterver Lola Wants”, acompanhado da dança de Julián, Ramiro, Guga e Odoroff foram feitos no Mercado das Flores, na Espanha.
Postagem: Alyne Albuquerque
Tags: Cia Família Bolondo, circo amarillo, Circo Zanni, Julián González, Maravillas, Marcelo Luja, Maximiliano Stia, Odoroff, The Great Odoroff and his Bear Roberto, ushanka