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“La Tarumba” comemora 30 anos de trajetória.

 

 

Para ele, o circo passou por mudanças e ganhou um novo olhar em 84, ano em que surgiu La Tarumba, Cirque du Soleil e Cirque Plume

Bell Bacampos, da Redação

Há 30 anos surgia a companhia circense peruana La Tarumba, no Peru. “Nós começamos com uma corneta, nem sequer um trompete, um tambor e um bumbo, não tínhamos mais nada. Trabalhávamos na rua, e quando vimos levantar a primeira lona, foi muito emocionante”,  afirma Fernando Zevallos, diretor artístico da companhia, em entrevista ao Panis & Circus, em Arequipa, Peru, durante a temporada de “Gala” – que ocorreu de 13/ a 26/10. 

O espetáculo de comemoração aos 30 anos do circo fala da mistura de culturas: espanhola, africana e inca que moldou a formação do Peru.

Hoje, La Tarumba é considerado um patrimônio cultural peruano e seus espetáculos são sucesso de público e crítica.

 

 

A criação do La Tarumba coincide com uma época de mudanças nas sociedades e nas artes no mundo todo. Esse movimento alcança o circo e, “em 1984, surgem também as companhias “Cirque du Soleil”, no Canadá e “Cirque Plume”, na França”, acrescenta Zevallos. A exemplo do La Tarumba, essas companhias trouxeram um novo olhar para o circo. 

A seguir os principais pontos da entrevista de Zevallos.  

Circus: Como surgiu a ideia de “Gala” para comemorar os 30 anos do La Tarumba?

Fernando Zevallos: Quando estávamos pensando no espetáculo, no que queríamos fazer, lembramos do fato de La Tarumba ter identidade peruana.

E veio a mente o encontro entre as culturas que formaram o país.  E imaginamos como foi a chegada dos espanhóis e africanos por aqui e o encontro deles com a população local. Há um encontro traumático entre as três culturas: espanhola, africana e inca. Mas, vamos passar essa etapa e vamos olhar o que somos agora e celebrar a mistura de sangues diferentes.

E isso é “Gala”.

Circus: Quais foram os melhores e os piores momentos do La Tarumba durante esses 30 anos?

Fernando: Existem momentos bonitos e carregados de simbologia na história da Tarumba. Um deles é o que nos permitiu entender a função do artista do Tarumba e seu compromisso social.

Outro foi iniciar um caminho para encontrar a arte – que é uma utopia. Eu não me considero artista, sigo sonhando em chegar a ser artista.

E um terceiro foi a inauguração da primeira lona, um momento impactante: era a concretização do sonho infantil de ter um circo.

Nós começamos com uma corneta, nem sequer um trompete, um tambor e um bumbo, não tínhamos mais nada. Trabalhávamos na rua, e quando vimos levantar a primeira lona, foi muito emocionante. Era como dizer para nós mesmos: podemos ter nos equivocado em muitas coisas, mas nisso não.

E quando estreamos contávamos apenas com jovens talentos porque não tínhamos elenco. Todo mundo me perguntava: ‘Mas com quem você vai fazer o espetáculo? E eu respondia: ‘com os jovens’. E os jovens estiveram nesse primeiro espetáculo, a altura da inauguração do sonho!

 

Fernando Zevallos em "Gala" / Foto Asa Campos

 

Circus: Os cavalos constituem uma marca do La Tarumba?

Fernando: Além da lona, sempre tive a ilusão de ter cavalos no circo. Eu sou da cidade, não sou do campo, mas a primeira vez que eu vi um circo com cavalos, eu me aproximei dos cavalos. Aliás, do cavalo, já que era um só.

Tinha um número de um senhor que se vestia como um índio pele vermelha montado em um cavalo. Depois, ele descia do cavalo e fazia o número de atirador de facas. Durante toda a temporada, eu me dediquei a cuidar do cavalo. Era pequeno, tinha 10 anos, e aprendi a escovar, a dar banho, a alimentar. Fazia tudo. Desde esse momento, toda vez que chegava um circo com cavalos, eu estava lá.

Depois fui crescendo e buscando informações sobre a atividade circense e verifiquei que o circo nasceu a partir de um desfile de cavalos. Ai formou-se, para mim, uma conexão entre o coração e a cabeça.

  

Zevallos no picadeiro em Arequipa (PE)/ Foto Asa Campos

 

Circus: O cavalo está presente na cultura do circo e também na cultura peruana.

Fernando: Na verdade, dá para estabelecer conexões que interessam a mim e a Tarumba nesse caso:  ou seja, o símbolo do cavalo, na cultura do circo, e o símbolo do cavalo peruano de passo, na cultura do Peru. Essas conexões fazem muito sentido. E é possível estabelecer por meio dos cavalos uma ponte que une o circo universal ao circo peruano.

Circus: A música é também outras das marcas do La Tarumba, não é?

Fernando: Sem dúvida. Eu lembro que a minha mãe cantava, meus tios tocavam guitarra e o cajón (um instrumento de percussão que teve origem no Peru colonial e que se parece com uma caixa grande). Na minha casa sempre se escutou música peruana e tem um lado da família (o da minha mãe) com descendência negra. Minha bisavó era personagem conhecida com seus longos cabelos brancos, que iam até a cintura. Ela dançava a ‘marinera’ (dança típica peruana em que um homem corteja uma mulher) com muita elegância. E quando eu a via dançando nas festas ficava boquiaberto.

Desse contexto familiar, acho que vem o prazer e a convivência com a música. Mas foi quando encontramos o Chebo (maestro da banda do La Tarumba) é que ficou claro que a música do circo tinha que ser a música peruana. Até o encontro, eu tinha trabalhado com a música peruana mesclada com o que sempre se escuta no circo: mambo, música espanhola e passo-duplo.

Com Chebo começamos a apreender como se toca o cajón  – aliás, convidamos para que ele nos ensinasse a tocar o instrumento – e ele nunca mais foi embora do circo. É o “Xamã” da música na Tarumba.

Circus – Como o La Tarumba se coloca no cenário do circo latino-americano e do mundial?

Fernando – Eu acho que o importante, não só para o La Tarumba, mas para qualquer companhia de circo, é entender e trabalhar sua identidade. Eu prefiro trabalhar a identidade do La Tarumba, ligada à identidade do Peru. Mas sei que há companhias que desenvolvem sua identidade sem estar ligada à cultura de seu país de origem.

Mas, para mim, o mais importante é que a Tarumba caso comece a se mover com “Gala” e obtenha sucesso na América Latina ou na Europa, leve com o espetáculo não apenas o cenário, a habilidade dos artistas mas que mostre a identidade peruana, que transmita um pouco de nossa cultura.

 

 

Circus – Apesar da ênfase na identidade peruana em Gala você convidou para o espetáculo artistas de outros países como Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, Espanha, Estados Unidos e França.

Fernando – É verdade. O fato é que nós aprendemos a olhar as pessoas – a nos reconhecer em outros artistas. Veja, no caso da Maíra Campos, (brasileira) ela é uma Tarumba e já temos uma ligação, e ela vem até aqui para  oferecer o seu trabalho e transmitir algo que faça parte da história do Peru. Talvez, para a francesa, a espanhola e os americanos pode ser um pouco mais díficil a conexão.  Mas desse lado do continente, Chile, Colômbia, Brasil e Argentina, nossas histórias são muito parecidas:   

No caso do Caleb, dos Estados Unidos, a conexão está formada porque ele é um ‘duende’ do mundo.

No caso de Almudena, ela é espanhola, tratei a questão com cuidado porque o primeiro que vem a cabeça de muitos peruanos é que os espanhóis chegaram aqui e nos ‘mataram’. Mas é preciso ter calma! Minha avó veio para cá e é espanhola. Isso é passado. E é uma forma também de tratar as partes mais dolorosas da história. 

 

Circus – Em 84, ano da criação do La Tarumba, como andava o mundo circense?

Fernando: Eu fazia teatro e cruzei com a dança de Estela. (Estela Paredes é diretora de produção do La Tarumba e uma de suas fundadoras). Depois de um ano juntos, nasceu o Tarumba, em 1984, uma proposta teatral que decidiu incorporar outras linguagens como o circo e a dança. Tarumba nunca quis se restringir à demonstração da habilidade técnica, queria também ter o teatro que leva à reflexão e a dança dos movimentos.

O fato é que não era apenas no Peru que acontecia um movimento maior de mudanças na sociedades e nas artes. Há 30 anos, em busca do novo, surgia La Tarumba, no Peru e Cirque du Soleil, no Canadá e Cirque Plume, na França.  

 

Postagem – Alyne Albuquerque

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