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Domingos Montagner, do Circo Zanni, interpreta delegado Espinhosa
Artista de circo que virou galã na televisão, Domingos Montagner se aproxima de policiais para viver delegado
JoeImir Tavares, da coluna Mônica Bergamo – Folha Ilustrada
A mão que na ficção tem segurado armas passeia por entre facas e outros talheres na pequena cozinha debaixo da escada em um galpão de Cotia, na Grande São Paulo. Para sobre uma colher.
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“Aceita um café?”, pergunta o ator Domingos Montagner, 53, o dono da mão, ao repórter Joelmir Tavares. E liga a cafeteira. O artista acaba de chegar de moto ao local, sede de sua companhia circense, a La Mínima. “Tô nessa campanha de largar o carro.”
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O paulistano, que começou jovem a andar sobre duas rodas, desde o ano passado tem só um, e não mais dois carros em casa, em Embu das Artes (a 15 km dali). Vive com a mulher, Luciana, que trabalha na administração do grupo teatral, e os filhos Léo, 12, Antônio, 8, e Dante, 4. “Carro é hábito. Dá pra se transformar e abrir mão. São Paulo tem que perceber que consegue viver sem”, diz ele.
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“As xícaras são meio de circo aqui”, ri, enquanto coloca sobre a mesa de plástico as louças de diferentes cores. Sua vida sempre teve algo de mambembe. Antes era comum Montagner entrar num trailer e excursionar em shows como palhaço, seu ofício há quase 30 anos. Desde a estreia em novelas da Globo, em 2011, passou a dividir os passeios com os filhos e as conferidas nos boletins escolares com o trabalho no Rio.
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Naquela manhã, está de volta ao galpão após o fim das gravações de “Romance Policial – Espinosa”, série que vai até 3 de dezembro no canal a cabo GNT. “Quando tô lá [no Rio] saio com dois ou três amigos para lugares mais tranquilos, onde consigo conversar.”
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Meio largado no banquinho, percebe que está sendo clicado pelo fotógrafo. “Mas não tem problema não”, diz para si mesmo, olhando sua camiseta de malha onde se lê Circo da Dona Bilica. “É o circo de um amigo meu.” E aponta na parede um cabide com a camisa jeans que vestia no caminho. “Eu suo muito.”
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Toma mais um gole do café e diz que gosta mesmo é da sua “vidinha”. A fama conquistada após novelas como “Cordel Encantado” (2011), “Salve Jorge” (2012) e “Sete Vidas” (sua primeira como protagonista, encerrada em julho) ainda o incomoda.
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O que consola é “a abordagem dos fãs, carinhosa e positiva em relação ao meu trabalho”. Para quem se diz “bastante reservado”, saber que se insinuou sobre supostos envolvimentos dele com colegas de cena como Cléo Pires e Débora Bloch é “desagradável pra burro”.
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“É mentira. Imagina. Eu sou superamigo das duas”, diz. “Mas tem um tipo de imprensa que vive disso, cria factoides. É um aspecto terrível da nossa visibilidade.” Por outro lado, suas plateias cresceram, o trabalho alcançou novos públicos. Como agora, com o delegado Espinosa. Na preparação, foi com a equipe da série a delegacias no Rio, onde se passa a trama, e em SP, por conta própria.
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Conversou com delegados e investigadores e conheceu “pessoas sérias, incríveis”. “Tem gente boa trabalhando em toda profissão. Mas os erros ganham mais projeção que os gestos positivos. E no caso da polícia isso é muito grave porque envolve vidas.”
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A violência, prossegue, é “um problema seríssimo no mundo todo, desde a insegurança nas ruas às guerras étnicas que são uma coisa assombrosa”. Para ele, a questão se agrava em países como o Brasil, “com mais dificuldade de estrutura de sociedade”. “E você ser o profissional responsável por resolver isso… Ah, eu não queria estar na pele deles, sinceramente”, diz, com um riso contido.
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Mas o palhaço faz de tudo para manter a esperança. “Tenho otimismo. Preciso ter, eu vivo disso. Prefiro ver a saída para as situações.” Diante do cenário político no Brasil, espera que a crise sirva para aumentar “o compromisso e a participação” das pessoas.
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“Viver numa sociedade em que políticos, empreiteiros e pessoas com muito poder são condenados por crimes de corrupção eu acho, quero crer, que demonstra um amadurecimento democrático”, diz ele, que considera insulto chamar político de palhaço. “É um lugar-comum que me irrita profundamente. Acho injusto. Porque palhaço é coisa muito séria.”
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Montagner, que não gosta nem que os filhos falem “eu odeio” para qualquer coisa, sente desgosto com manifestações de ódio “a partidos e ao sistema político” que para ele reverberam sobretudo nas redes sociais. “Muita gente fica com ódio, mas pouca gente quer se envolver.”
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A ênfase em uma trama política, coincidentemente, foi a justificativa da Globo para adiar a que seria a próxima novela do ator. “Sagrada Família” iria ao ar no ano que vem e foi postergada, oficialmente, por causa das restrições da legislação eleitoral.
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Ele, que viveu um presidente na minissérie “O Brado Retumbante” (2012), não crê nas especulações de que a decisão foi tomada porque o público estaria interessado em histórias menos realistas.
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“Acho que ainda existe um apego por novela, mas hoje em dia só o hábito não é mais suficiente. Foi a época. Se é ruim o cara não assiste”, diz. “Tem muita coisa sendo oferecida. E se for uma história que por algum motivo não captou o espectador…”
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Observa a mesa: “Quer bolachinha? Eu tenho mania de ficar… Igual minha mãe. Tem que ter café, bolacha…” E se levanta para mostrar os cartazes e fotos de espetáculos pregados nas paredes do galpão. “Ali é em ‘A Noite dos Palhaços Mudos’, que a gente ganhou o Shell de melhor ator”, diz, referindo-se ao prêmio conquistado em 2009 por ele e pelo colega e sócio Fernando Sampaio. Os dois também são parceiros no Circo Zanni, que roda por várias cidades.
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O tempo começa a ficar apertado. O ator precisa ir para a capital paulista, onde tem ensaio do filme “Um Namorado para Minha Mulher”, com Ingrid Guimarães no elenco. É uma comédia, gênero que, por ironia do destino, o palhaço pratica pouco na TV.
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Antes de posar na porta de seu trailer empoeirado, estacionado ali, exibe o peitoral forte ao trocar de camisa –o ex-professor de educação física tem “necessidade” de se “manter apto fisicamente”. Em frente ao espelho, dá uma ajeitada no cabelo grisalho.
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Pouco afeito ao rótulo de galã, ele afirma ter só “uma vaidade saudável, nada muito histérico”. E diz que nunca lhe pediram para fazer procedimentos estéticos. “Espero que não me cobrem porque vão se decepcionar”, brinca. “Lido bem com as rugas. Me custaram muito.”
Postagem – Alyne Albuquerque