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Bozo e suas carreiras

 

 

 

Recheada de cocaína e mulheres, trajetória do palhaço Bozo vira filme

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
DE SÃO PAULO – 29/11/2015  02h02 

Bozo tinha um caso com Gretchen, feita estrela cantando “conga, conga, conga” em programas infantis que davam close em sua bunda. Na mão do palhaço pululavam trouxinhas de cocaína, que ele cheirava a ponto de precisar entrar no ar com algodão no nariz, para estancar sangrias.

A saga de Arlindo Barreto, 62, é um exemplo dos excessos dos anos 1980. No Brasil, foi ele o mais polêmico intérprete do bufão criado nos EUA em 1946 —por aqui, apelidado Bozo Bozoca Nariz de Pipoca.

Semelhanças com a vida real não são mera coincidência em “O Rei das Manhãs”. Com Vladimir Brichta no papel principal —e com “bênção” de Arlindo—, a produção de R$ 8,5 milhões da Gullane Filmes conta a história desse Bozo sem jamais citar seu nome.

O palhaço, afinal, é uma marca americana com direitos autorais protegidos. Embora as referências sejam todas bem óbvias, outros nomes também foram omitidos no filme. Bozo, o Arlindo, vira Bingo, o Augusto. Seu programa no TVP (SBT) duela por audiência com o “Show da Lulu” (Xuxa), da Mundial (Globo).

Só Gretchen tem permissão para se chamar Gretchen mesmo, interpretada por Emanuelle Araújo. O elenco ainda traz Leandra Leal (diretora de Bingo), Ana Lúcia Torre (sua mãe), Pedro Bial (um executivo de TV) e Domingos Montagner (um palhaço, o que o ator também é fora das telas).

Há ainda participações de blogueiros dos sites “Não Salvo”, “Morri de Sunga Branca”, “Omelete” e “Diva Depressão”.

Em sua estreia na direção de longas, Daniel Rezende diz que quis fazer algo “meio ‘Birdman'”. Nele, Michael Keaton é um ator sufocado por seu maior personagem —alusão ao Batman que o americano de fato viveu nos anos 1990.

Rezende é conhecido como montador de “Tropa de Elite”, “Cidade de Deus” e “A Árvore da Vida” (Terrence Malick). Luiz Bolognesi assina o roteiro do filme, previsto para entrar em cartaz no fim de 2016.

 

DOM QUIXOTE

No set, Bial chegou a brincar: por que raios alguém que passou pelos 1980 teria saudade dessa época? Dias depois, a dúvida ainda contamina o ar, como o laquê borrifado no cabelo dos figurantes num dia de gravação, em novembro, acompanhado pela Folha.

É dia de filmar a cena do prêmio de melhor programa infantil dado a Bingo, aquele que “mais rápido do que um raio se tornou o rei das manhãs”, como afirma serelepe a mestre de cerimônias.

Enquanto Gretchen dá tchauzinho de longe, a personagem de Leandra —com brincos espelhados, tipo globo de discoteca, e uma torre de cachos— está emburrada no salão, onde todos fumam à vontade (ah, os anos 1980).

Esse momento é decisivo no arco que Rezende criou para seu protagonista, “um Dom Quixote que só quer fazer coisas grandiosas, que tenta se encontrar como artista e acaba se distanciando do filho”.

Antes de virar Bozo, Arlindo fez filmes e peças pornôs, como “As Histórias que Nossas Vovós Não Contavam” e “A Fábrica das Camisinhas”. Também foi coadjuvante em novelas com Dercy Gonçalves e Fernanda Montenegro. Já mencionou tentativas malogradas de diretores propondo “teste do sofá”, mas hoje se “recusa a falar nisso”.

No filme, Augusto é ex-ator de pornochanchadas como “Ninfetas Megalomaníacas”. Como Bingo, conquistou a sonhada fama. Mas do que ela adianta, se ninguém conhece o homem por trás da máscara?

Quando tenta entrar na premiação sem o rosto pintado, é barrado por um segurança, que o chama de “zé-ninguém chapado” —o verdadeiro Arlindo Barreto faz uma ponta, como um convidado que indaga quem é aquele coitado.

Rezende teve a ideia do filme após ler sobre Arlindo na revista “Piauí”. O ex-Bozo falava do trauma de ouvir o mais velho dos três filhos, na época com 5 anos, dizer: “Você é o único pai que brinca com todas as crianças, menos comigo”.

O baiano Vladimir Brichta cresceu nos anos 1980 “mais fã de Xuxa que de Bozo, não sei se porque ela usava menos roupas ou tinha desenhos melhores”. Para treinar, teve ajuda do palhaço Fernando Sampaio, da companhia circense LaMínima (a mesma de Domingos Montagner).

Em cena, o ator cheira (bastante) lactose, a cocaína cenográfica —a outra opção, soro fisiológico em pó, “tinha muito sódio”. A vida do mulherengo que anda de Opala laranja, apreciador de gim e uísque 18 anos, ganha trilha sonora oitentista, de Echo and the Bunnymen (“The Killing Moon”) a Metrô (“Tudo Pode Mudar”).

Bingo precisava lembrar Bozo sem ser uma cópia fiel. O diretor de arte Cássio Amarante (“Abril Despedaçado”) diz que se baseou em três grandes referências de palhaço: Ronald McDonald, o Krusty dos “Simpsons” e Bozo. As diferenças lembram um jogo dos sete erros. Exemplo: o cabelo de Bozo é vermelho, o de Bingo, azul.

Para o produtor Caio Gullane, o país vem de uma leva cinematográfica muito realista (“O Lobo Atrás da Porta”, “Que Horas Ela Volta?”). A nova produção seria um contraponto.

Em dado momento, é lúdica até demais —numa cena, Bingo toma ácido num culto.

No fim, o ex-Bozo Arlindo Barreto virou pastor evangélico. Mas contar o final de seu filme seria palhaçada. 

 

 

 

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