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Bailarina no arame: fio tenso entre circo tradicional e nova linguagem
Sem contrariar a tradição, Maíra Campos realiza combinação diferente, acrescentando à gramática tradicional dessa arte do equilíbrio a sua assinatura poética.
É possível reconhecer tal expressão na coreografia da bailarina, apresentada na estreia de Maíra, em “Exit 9”, na cidade de Bruxelas, espetáculo de formatura da nona turma na Écola Supérieure des Arts du Cirque, na Bélgica, em julho de 2010.
Irônica, Maíra porta o signo da dançarina, vestindo a saia pendurada nos ombros. Como se sabe, a ironia é a mãe da arte circense, paródica por excelência e muitas vezes identificada como “aquilo que faz rir”, mas que distancia a mensagem de quem a recebe.
No número, a bailarina do arame abre a porta, despede-se do mundo esfumaçado dos signos clássicos sacudindo a poeira, que se espalha no palco. Ela deixa a repetição de gestos para encontrar movimentos mais livres. É como se a boneca da caixa de música saísse de seu mundo para encontrar outra maneira de dançar.
A ironia permite que a artista tome distância dos próprios movimentos, desse modo revelando a forma como os passos são executados. Quando a artista adota tal procedimento, atualiza a arte de se equilibrar no fio.
A bailarina-signo caminha suavemente, abre a roda de tule, olha enigmática a plateia e segue para o outro extremo da linha. Ali despede-se da simbologia clássica, observando a saia subir e sumir no alto do palco.
Quando ela se volta, aparece a artista do arame, com os signos novos de sua gesticulação. Faz escalas e se equilibra com as pontas dos pés e o corpo virado para a frente. Alterna os passos e anda para trás, tendo nas mãos uma espécie de leque moderno, que substitui a sombrinha tradicional.
No fio do arame, Maíra une os passos do circo clássico à coreografia do circo contemporâneo. Em inédita combinatória, sem sombrinha e sem “abano”. Pé ante pé, a bailarina – que parece de louça – cria sua arte de andar sem pisar no chão.
Com sons metálicos, a trilha sonora compõe, no ritmo dos movimentos, a dramaturgia da cena, que é rápida, como qualquer número do picadeiro. Trata-se de pensar na própria linguagem, que revela a mecânica da engrenagem da caixa de música, que volta a se mover depois de ter ficado em desuso, como indica a poeira levantada.
O figurino cor de pele empalidece os signos do picadeiro e deixa transparecer a tensão entre o velho e o novo na arte do arame.
(Mônica Rodrigues da Costa)
Formação como aramista e criação do Zanni
Maíra Campos conquistou destreza no arame com esforço e muitos ensaios. Ela tem o privilégio de ter sido aluna, durante três anos, de Alice Avanzi Silva, aramista do Circo Nerino desde a metade dos anos 1940 (leia abaixo).
Durante encontros na Central do Circo, entre os anos de 2002 e 2004, Maíra e outros artistas, como Marcelo Lujan e Pablo Nordio, tornaram-se sócios e criaram a companhia de circo Zanni, com ainda os integrantes Fernando Sampaio, Domingos Montagner, Érica Stoppel, Luciana Menin, Daniel Felipe Pedro e Isabela Mucci. Uma sociedade de nove artistas.
Em 20/11/2004, compraram a própria lona em São Paulo, capital, e, desde então, realizam espetáculos anuais do Circo Zanni.
De 2007 a 2010, Maíra viajou para estudar as técnicas do equilíbrio no arame na Esac (École Supérieure des Arts du Cirque) em Bruxelas, na Bélgica, com a artista circense Lin Mei – que já integrou a trupe do Cirque Du Soleil.
Em 2011, foi a vez de a aramista se apresentar no Peru, convidada pelo Circo La Tarumba, para integrar o espetáculo “Quijote”. A trupe peruana tem atrações fortes com cavalos e números aéreos.
A estética do espetáculo “Quijote” concentra-se na representação dos sonhos, matéria de que todos somos feitos, conforme escreveu Miguel de Cervantes (1547-1616), autor da aventura do Cavaleiro da Triste Figura e de seu fiel escudeiro, Sancho Pança.
Professora Alicinha andou sozinha no arame aos 7 anos
A aramista Alicinha Avanzi Silva Medeiros conta a história de como dominou o equilíbrio no fio do arame. Depois da morte do pai, no início da década de 1949, a mãe dela decidiu que precisava ter um número no circo para dar continuidade ao trabalho da família e garantir o sustento dos filhos. O arame foi a atração escolhida.
Nos intervalos dos ensaios da mãe, com sombrinha e sapatilha, Alice brincava no arame baixinho, armado no quintal de casa. Olhava e experimentava.
Foi uma festa quando o avô, surpreso, chamou todo mundo para ver a neta, sem sapatilhas, andar para lá e pra cá.
Quando estreou no arame, aos sete anos, na cidade onde nasceu, em Timbaúba (PE), Alice ganhou medalha de Santa Terezinha e buquê de flores das meninas da cidade.
Atualmente, as duas filhas de Alicinha, Luciene e Licemar, apresentam-se no espetáculo “Zumanity”, do Cirque du Soleil, em Las Vegas, nos papéis das irmãs Botero.
Escola Esac
A Esac é a Escola Superior de Artes do Circo e fica em Bruxelas, na Bélgica. É uma escola federal, apoiada pela federação francesa Cocof (Comissão Comunitária Francesa), uma instituição cultural financeira. Seus cursos têm duração de três anos e a escola existe há mais de 20 anos.
O aparelho é sua arte – Entrevista com Maíra Campos
Maíra Campos disse que se considera artista de circo. O que a levou a ser aramista? Ela se lembrou da infância, de pular de muros e árvores, além de preferir as brincadeiras agitadas dos meninos.
Hoje Maíra realiza apresentações em eventos para manter sua atividade e participa de espetáculos como convidada. Além de seus números no arame, que fazem parte do Circo Zanni, em eventos, a artista trabalha também com acrobacias e coreografias no tecido.
Maíra explicou que a relação de sua arte é com o aparelho, pois depende dele para criar. Nos exercícios, testa os limites entre seu corpo e o fio.
A seguir, ela define gênero, técnica, dramaturgia e relação da arte de andar no arame tenso, de aço, com a música e a dança.
Panis & Circus – Fale de sua especialidade como artista de circo.
Maíra – Minha especialidade, o arame tenso, é um número de equilíbrio. Posso dizer que, falando em América Latina, é difícil viver só de uma especialidade. Então faço várias coisas dentro do circo, como números aéreos também.
Circus – Você é funambulista?
Maíra – Não, sou aramista. Os funambulistas trabalham a 20 metros de altura.
Circus – Qual é a diferença entre o arame tenso e a corda bamba?
Maíra – A corda bamba fica solta. É também um número considerado de equilíbrio, próximo do chão.
Circus – Você pode descrever sua técnica?
Maíra – É um número físico, tem proximidade com a técnica da trave da ginástica olímpica, eu diria que envolve técnica física, dança e a dramaturgia. Cada um tem a sua forma de fazer, como cada um tem a sua forma de escrever um texto, tem a sua assinatura.
O arame é número de equilíbrio. Mas você o tempo todo está em desequilíbrio. Mesmo que as pessoas achem que o artista já tem o desequilíbrio sob controle. É uma luta para caminhar, dançar, fazer uma figura da ginástica, um salto.
Circus – O circo tem dramaturgia?
Maíra – O circo constrói uma dramaturgia, você adapta hoje o teatro numa obra para o circo, faz circo-teatro ou cria uma obra em função do teatro físico. A dramaturgia pode ser uma adaptação do teatro escrito especificamente para determinada companhia.
Circus – Seus números no arame tenso têm dramaturgia?
Maíra – A maioria dos que fiz até agora teve dramaturgia. Em 2010, meu número final na Esac teve direção artística do venezuelano Reinaldo Ramperssad e teve assistência de direção e criação de música. A escritura dramatúrgica do número contava a história de uma boneca de caixa de música, que ficou fechada durante anos. Quando saiu da caixa, reencontrou o mundo e tinha suas dificuldades de se reequilibrar. O número que apresentei explorava o equilíbrio e o desequilíbrio.
Circus – Você dançou tango no arame.
Maíra – Teve outro número em 2010, que criei em parceria com o Marcelo Lujan, que é uma história entre dois personagens representando o feminino e o masculino e que se desafiavam no arame, mostrando quem sabia mais e quem podia dançar um tango em cima do arame. Era uma disputa que também tinha sua dramaturgia e sua escritura.
Circus – Segue o ritmo da música. A dramaturgia pode ser isso…
Maíra – Exatamente, meu número é dançar, é impossível fazer um número de arame no silêncio. É muito intelectualizado. Não que eu não tenha vontade de experimentar o silêncio. Mas ainda não é o momento.
Circus – Como o artista tem o reconhecimento do curso que fez, se no Brasil não há escola de circo de nível superior?
Maíra – Historicamente, os artistas requisitam uma escola superior de circo no Brasil, com reconhecimento formal do MEC. Atualmente, não é possível fazer a equivalência do curso em que me formei na Bélgica com algum curso superior brasileiro por inexistência de cursos nacionais. Ainda não me informei muito bem, não sei como fazer, poderia ser uma equivalência na ECA (USP), não sei se há o reconhecimento do MEC.
“O Funâmbulo”, do dramaturgo Jean Genet
O dramaturgo e escritor Jean Genet se apaixonou por um funâmbulo. Dedicou ao argelino Abdallah o poema “O Funâmbulo”, em 1958. Meio século depois, o ator João Paulo Lorenzon, sob direção de Joaquim Goulart, apresentou monólogo baseado na criação de Genet. O cenário foi assinado por Daniela Thomas. A peça foi levada ao palco do Sesc da Avenida Paulista.
Foto de Alicinha Avanzi: Reprodução do livro “Circo Nerino/Fotos de Maíra Campos: Arquivo Pessoal
Vídeo de Maíra Campos.
Tags: Arame, circo, Maíra Campos, Zanni
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Gostei muito de ver sua reportagem, com fotos muito boas. Mas não deu para ver o vídeo. Espero que o Panis & Circus esteja atento a isso.
Olá, Henrique, ficamos felizes que gostou da reportagem. Quanto ao vídeo, ele está funcionando.
Obrigada pelo toque, continue nos seguindo.
Equipe Panis & Circus
Matéria muito bacana, e o número, sensacional!!!
Parabéns
Belíssimas fotos!
Matéria bem bacana!