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Diretor de Prot(âgo)nistas fala ao Panis & Circus

  

Ricardo Rodrigues em sua casa na Vila Ipojuca / Fernanda Araújo

 

 

O Movimento Negro do Picadeiro

Panis & Circus bate-papo com Ricardo Rodrigues, diretor do espetáculo ‘Prot (agô)nistas: O Movimento Negro no Picadeiro’. A montagem, produzida exclusivamente para o evento, será exibida no dia 7 de abril, às 20h.

Panis & Circus: Como surgiu o projeto? Você apresentou a ideia ou foi uma encomenda?

Ricardo Rodrigues: O FIC 2019 investiu na ideia e realização de 06 espetáculos com temas distintos e convidou diferentes diretores para estarem à frente de cada trabalho. Fui convidado para levar ao picadeiro, um espetáculo que ressaltasse o artista negro. O convite era irrecusável e apesar de vir num momento de agenda apertada com viagens, apresentações e outros ensaios, aceitei a empreitada e imediatamente comecei a articular ideias de roteiro, de discurso e de elenco.

Panis & Circus: O que inspirou o processo de captação inicial da montagem?

Ricardo Rodrigues: Tive um encontro com o Hugo Possolo, às vésperas do carnaval e já saí de lá em caminhada pelo centro, com uma música na cabeça que precisava estar nesse trabalho: ‘Dos Róla’, de Dica L.Marx, um paulistano do Ermelino Matarazzo. Minha primeira pausa para refletir sobre tudo isso foi no Tabuleiro do Acarajé, um refúgio baiano em plena São Paulo. Com a cabeça a mil, fui alimentado para além do corpo por essa delicia da gastronomia africana e segui caminhada para a apresentação do bloco Ilu Inã. Eu queria muito acompanhar o desfile e aproveitar para dar espaço ao encanto de verdades, ideias e pessoas possíveis para compor o projeto. No final do bloco eu encontrei o Dica, contei sobre a demanda e pedi a música dele para o espetáculo. Foi o primeiro ‘sim’ seguido de um largo sorriso e longo abraço. Cada um dos outros 20 aceites dariam páginas de crônicas com urros, lágrimas, brindes, bandeiras e muito, muito afeto. É muita história pra contar (risos).

Terminei esse dia com mais três canções para o espetáculo: ‘Neguinha Sim’, do Renato Gama; ‘Nascimento’, do Melvin Santana; e ‘Linda e Preta’, de Jarbas Bitencourt.

O próximo passo foi alinhar essas canções aos possíveis números circenses ainda indefinidos. Começou o trabalho de uma vida para resgatar a rede de negras e negros que estão discutindo sua existência, seu território e fazendo a difusão de sua arte pelos espaços possíveis e improváveis da cidade.

Fafá Coelho, no tecido; Guilherme Awazu, na perna de pau; Maiza Menezes, na corda indiana e malabares; Robert Gomez e Renato Ribeiro, na palhaçaria; Tânia Oliveira, nas paradas de mão; Tatilene Oliveira, no tecido; e Veronica Oliveira, como a bailarina. Um elenco de circenses polivalentes que trazem suas habilidades para além do imaginário do picadeiro, permeados de movimento e técnicas que ‘dizem’ com a pele negra, a que vieram à cena paulista e nacional.

 

Ricardo Rodrigues fala do espetáculo para Panis&Circus / Divulgação

 

Panis & Circus: Além do circo?

Ricardo Rodrigues: Para ressaltar a virtuose circense e acentuar o andamento do espetáculo, os dançarinos Washington Gabriel, Pamela Amy, Danilo Nonato, Silvana de Jesus, Rafael Oliveira e Diego Henrique, além de corpos potentes da capoeira e do hip hop (que darão o toque acrobático ao espetáculo), trarão também a performance do Gumboot, uma dança criada nas minas africanas, por operários que não falavam os mesmos idiomas e se comunicavam pela dança com batida de palmas e botas.

A música do espetáculo foi arquitetada a partir de desejos sonoros que estão na minha playlist, como você pode ler acima. Renato Ribeiro, que além de palhaço, é o músico responsável pela condução da banda primorosa formada por Dica L. Marx, Eric Oliveira, Lilian Teles, Mariana Per, Melvin Santana, e Vinicius Ramos.

Panis & Circus: Conte sobre o trocadilho Prot(agô)nistas?

Ricardo Rodrigues: Prot (agô) nistas vem ao picadeiro com uma única e a mais forte bandeira de luta e resistência das negras e negros do Brasil: a pele. A palavra ‘agô’ é um pedido de licença, uma permissão de entrada em um espaço. Os artistas vão ocupar o picadeiro, empoderados de técnica e carisma com o que há de belo e contemporâneo na produção cultural negra. A música, a dança e as artes circenses entram em sintonia fina e extrapolam a celebração, a fim de mostrar, provocar e deixar a plateia contemplar a beleza negra na dor, no humor e na sua poesia.

Panis & Circus: O negro e o circo.

Ricardo Rodrigues: O circo paulista foi por muitos anos um espaço ocupado apenas pela classe média e alta, e nesse lugar social não existem negros.

Nos últimos 19 anos, com a expansão das aulas de circo, principalmente pelas periferias paulistanas e da Grande São Paulo, passamos a encontrar uma nova gama de acrobatas, trapezistas e palhaços que conquistaram seus espaços no picadeiro paulista e do mundo. A maioria era negra. Ainda que o foco principal das aulas não era de profissionalizar, passamos a apreciar esses novos talentos em circos, companhias e trupes nacionais e internacionais do empreendedorismo majoritariamente branco.

Ainda assim, alguns poucos artistas pesquisadores passaram a empreender seus próprios trabalhos promovendo seu nome e talento, garimpando espaço no mercado das artes.  Criaram redes e movimentos culturais que articulam a difusão dos seus trabalhos, de outros artistas e também de redes independentes. É nessa fonte que fui buscar o elenco.

Panis & Circos: O protagonismo negro se faz mais presente nos dias de hoje, correto?

Ricardo Rodrigues: Não vi, durante a minha infância, muitas referências para me estimular a entrar para o mundo das artes e dos picadeiros. Salvo exceções como Mussum, Tião Macalé, Lafon e Grande Othelo, não havia um rosto que me identificasse e me estimulasse a seguir uma carreira artística…
Esse espetáculo está na via que abre espaço para o orgulho negro e oferecerá estímulo e referencial para a nova geração brasileira que ainda não se vê representada no setor das artes.

Movimento Negro, para além do viés social e político que a palavra representa, também é o simples fato de contemplar a pessoa negra em suas ações e virtudes.

 

Duração: 75 minutos / Indicação: Livre
Direção: Ricardo Rodrigues
Elenco: Fafá Coelho, Guilherme Awazu, Maíza Menezes, Renato Ribeiro, Robert Gomez, Tania Oliveira, Tatilene Santos, Veronica Santos.
Musicos: Dica L. Marx, Eric Oliveira, Lilian Teles, Mariana Per, Melvin Santhana, Renato Ribeiro, Vinicius Ramos.
Dança Gumboots: Danilo Nonato, Diego Henrique, Pamela Cristina, Rafael Oliveira, Silvana de Jesus e Washington Gabriel
Dia 7 de abril, às 20h

 

 

Foto de Capa – Ricardo Rodrigues (jaqueta verde) entre os integrantes de ‘Prot(agô)nistas’

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