Arte em Movimento
Mais de 40 mil pessoas devem ver CIRCOS
Bell Bacampos, da Redação
Os números são superlativos. A 5ª edição de CIRCOS – Festival Internacional Sesc de Circo – vai reunir mais de 150 artistas, quase 300 técnicos e produtores, exibir 30 ações artísticas, de 21 países, em 14 unidades do Sesc, durante 11 dias (de 13/6 a 23/6). O público estimado para ver as atrações é de, no mínimo, 40 mil pessoas, afirma Lúcia Nascimento, do Sesc-SP, curadora e coordenadora do evento, em entrevista exclusiva ao Panis & Circus.
O principal desafio na montagem de CIRCOS, segundo ela, “é coordenar todo mundo para que tudo dê certo e o festival seja lindo”.
A música, o teatro, o cinema, as artes visuais e a performance, acrescenta, atravessam e moldam o território do circo. É o caso de Smashed, que abre o 5º CIRCOS, no Sesc Consolação, no dia 13/6, às 21h. “O espetáculo britânico une o malabarismo à coreografia alemã da dança de Pina Bausch. Por sua vez, o espetáculo brasileiro Das Cinzas Coração simula no palco um filme mudo dos anos 1920 e está ancorado na palhaçaria. E Strach, a fear song, espetáculo franco-belga, tem roteiro dramatúrgico muito bem feito e cantora lírica no palco”.
Lúcia conta que chorou ao assistir Strach, a fear song. “O circo sempre me deixa alegre. Aliás, alegria é uma das tônicas circenses. Mas o espetáculo me comoveu e me levou ao choro ao falar do medo.”
Em conversas com artistas na preparação da 5ª edição de CIRCOS, a curadora destaca dois pontos: primeiro, a importância do festival na formação de uma rede de conexões, conforme mostra e-mail recebido pelo Sesc-SP, da artista Marina Bombachini, da Cia. LaMala. Marina relata que estava fazendo a primeira incursão internacional graças ao festival do Sesc, em São Paulo. É que um curador de festivais internacionais viu a Cia. LaMala em cena e levou o espetáculo para ser apresentado no festival da Espanha.
E o segundo ponto é a ação coletiva que permeia o fazer circense. “O circo não se faz sozinho. Tem todas as etapas. E tem a ideia que no palco todo mundo tem o mesmo peso em uma concepção plural. Em espetáculos de variedades não têm um personagem principal. A essência não é o protagonismo individualizado, mas a ação coletiva.”
Apesar de CIRCOS ser o maior festival de circo do país, ele não tem lona. As apresentações são feitas em espaços abertos e teatros das unidades do Sesc.
Ao ser questionada sobre o que deve ser visto no festival, Lúcia não tem dúvidas e responde: “Tudo”.
Veja a seguir os principais pontos da entrevista concedida ao Panis & Circus.
Panis & Circus: Qual a sua expectativa de público para a 5ª edição de CIRCOS?
Lúcia Nascimento: Na edição passada, em 2017, tivemos 40 mil pessoas vendo as atrações. Este ano a estimativa é de, no mínimo, repetir os 40 mil.
Panis & Circus: Quantos artistas, técnicos e produtores estão envolvidos no festival? E quais as principais dificuldades na coordenação do evento?
Lúcia Nascimento: São mais de 150 artistas e quase 300 técnicos e produtores, 30 ações artísticas, entre espetáculos e intervenções, durante 11 dias, com representantes de 21 países em 14 unidades do Sesc (Avenida Paulista, Belenzinho, Bom Retiro, Campo Limpo, Carmo, Centro de Pesquisa e Formação, Cinesc, Consolação, Guarulhos, Ipiranga, Itaquera, Parque Dom Pedro II, Pinheiros e Vila Mariana). São sete atividades formativas que reforçam a pauta, ampliando a reflexão sobre a criação das obras circenses.
A principal dificuldade é coordenar todo mundo para que tudo dê certo e o festival seja lindo.
Panis & Circus: CIRCOS é o maior festival de circo do país? E da América Latina?
Lúcia Nascimento: É o maior do país e um dos maiores da América Latina.
Panis & Circus: Qual a importância de CIRCOS para o Sesc?
Lúcia Nascimento: CIRCOS está entre os três maiores festivais de artes cênicas do Sesc.
Panis & Circus: Quanto tempo levou o planejamento da 5ª edição de CIRCOS?
Lúcia Nascimento: De alguma forma a gente começa a planejar uma nova edição logo após o término da que esteve em cartaz (a 4ª edição do Festival Internacional Sesc de Circo foi em 2017 – o festival passou a acontecer de dois em dois anos a partir de 2015).
Em novembro de 2018, começou o trabalho mais sistemático: o de coleta de material com a seleção das pesquisas existentes. Em dezembro último, foram chamados os técnicos que fazem a programação de circo nas unidades do Sesc e eles ajudaram a gente a pensar o recorte da 5ª edição. A curadoria é feita sempre em conjunto.
Panis & Circus: Os artistas foram chamados a participar do processo de CIRCOS?
Lúcia Nascimento. Sim. Eles foram chamados a participar de nossa primeira reunião. Ver o outro lado. O objetivo era entender um pouco sobre o momento em que está a produção de circo no país: o que está sendo pensado e o que é importante ser discutido. A partir de reflexões trazidas por eles, junto com a equipe selecionada do Sesc (sete a oito pessoas), passamos a debater o que trazer para o festival. Fizemos também muitas pesquisas em sites de festival na busca de entender o que é circo hoje.
O circo está percorrendo muitos caminhos. E o que surgiu como uma das tendências, entre outras, é que o circo se pensa, para além do próprio circo, na dramaturgia e na estética, com elementos primariamente de outras tendências artísticas (dança, teatro, música, artes visuais e cinema).
Panis & Circus – Dança, teatro, música, performance, artes visuais se misturam cada vez mais com o circo?
Lúcia Nascimento: Sim. É o caso de Smashed, que abre o 5º Festival Internacional Sesc de Circo. O espetáculo britânico une o malabarismo à coreografia alemã da dança de Pina Bausch. E se liga no nosso recorte editorial. É um grupo conhecido (Gandini Juggling) no malabarismo mundial. O espetáculo bebe de outras fontes, no caso, a dança, e mostra com sua dramaturgia o que pensa. É uma síntese interessante do festival.
Já Das Cinzas Coração, espetáculo brasileiro, simula no palco um filme mudo dos anos 1920 e está ancorado na palhaçaria.
E Strach, a fear song, espetáculo franco-belga, tem roteiro dramatúrgico muito bem feito e cantora lírica no palco.
Panis & Circus: Quais foram as reflexões que os artistas trouxeram e serviram ao festival?
Lúcia Nascimento: A importância do festival na formação de uma rede de conexões e a ação coletiva do saber circense foram os dois pontos destacados pelos artistas.
Um exemplo das conexões artísticas que se formam no festival foi o e-mail que recebemos da Marina Bombachini, do LaMala (criado por ela e Carlos Cosmai), e que diz assim:“pôxa, a gente acabou de fazer o nosso primeiro trabalho fora do Brasil, em um festival na Espanha, e isso se deve ao Festival Internacional Sesc de Circo. Na última audição que fizemos, um curador de festival internacional assistiu o nosso trabalho em São Paulo, e resolveu nos levar para o festival espanhol”.
E o segundo ponto destacado pelos artistas – e que permeia o pensar na construção da curadoria – é a coletividade na prática circense. Circo não se faz sozinho. Tem todas as etapas. E tem a ideia que no palco todo mundo tem o mesmo peso em uma concepção plural. Em espetáculos de variedades não tem um personagem principal. A essência não é o protagonismo individualizado, mas a ação coletiva.
Panis & Circus: De quais festivais internacionais vocês participam?
Lúcia Nascimento: Este ano fomos à Bienal de Marseille e, no ano passado, ao CIRCa. Esses foram os últimos que a gente conseguiu acompanhar. É intenso o nosso trabalho interno.
Panis & Circus: Vocês trouxeram alguns espetáculos desses festivais?
Lúcia Nascimento: Sim, do CIRCa trouxemos Babel Glöm, um espetáculo supernovo, o primeiro deles, feito por artistas de vários países (Suécia, Alemanha, Finlândia e França). Aliás, essa tem sido outra tendência do circo. Não é mais “aquele espetáculo é francês”, “aquele espetáculo é alemão”. Não, aquele espetáculo tem integrante francês, alemão, sueco e finlandês.
O outro espetáculo que o festival do Sesc vai trazer e que vimos no CIRCa é o Strach, a fear song, de um grupo franco-belga, que fala sobre o medo. E esse espetáculo me fez chorar. No geral, os espetáculos de circo me deixam feliz – aliás, a alegria define muito o circo. Mas nesse chorei. O roteiro fala do medo e vou dar alguns spoilers. Em uma cena tem uma personagem que vai caindo na plateia, e em outra uma criança, que dorme no chão, começa a sonhar com lobos, o que traduz o medo infantil. Mostra ainda o medo de se fazer algo que nunca se fez quando alguém da plateia sobe em uma escada humana formada pelos artistas até chegar ao ombro de um deles e ficar meio sem saber o que fazer. Emociona.
Panis & Circus: Bubuia é um espetáculo feito para a primeira infância? O site tem interesse em trabalho voltado ao público infantil porque foi criado, entre outros, por uma ex-editora e uma ex-repórter da Folhinha.
Lúcia Nascimento: Bubuia é um espetáculo todo pensado para a primeira infância. Eles constroem um riozinho, e esse é o cenário inspirado no conto A terceira margem do rio, de Guimarães Rosa. Ele é singelo, poético. E tem elementos que podem estimular as crianças. Tem uma hora que o barquinho na água cai de um balde para outro, tem outra que o barquinho voa. Como foi pensado para a primeira infância, as artistas já logo no começo dão orientação diferente de outros espetáculos e dizem: “pais, vocês não precisam falar para as crianças ‘olha o barquinho’, deixa a criança, se ela olhar para cima e para outro ponto não tem problema, está tudo bem.”
O fato é que os estímulos que estão ali não precisam ser direcionados. Deixa a criança com o seu olhar, que é um olhar diferente do adulto.
Panis & Circus: Quais as cerejas de CIRCOS?
Lúcia Nascimento: Halka é uma cereja de CIRCOS por vários motivos. É a primeira vez que o festival traz um trabalho africano, de artistas marroquinos, tem uma estética particular e vai ser apresentado na mais nova unidade do Sesc, em Guarulhos. Eles exploram a história da acrobacia e mostram um pouco do cotidiano marroquino – simulam um trânsito em uma praça de Marrocos e fazem isso a partir de acrobacia com música tradicional ao vivo. Vai ser um must.
Guadual é um trabalho do Equador que também vai ser apresentado no Sesc Guarulhos. É a primeira vez que a gente traz um trabalho do Equador e combina com a proposta de trabalhar fora das bordas. Ele é um trabalho bonito e se aproxima mais de um circo-teatro. Conta uma história, e os artistas vão se integrando a essa história com suas habilidades circenses.
Panis & Circo: Quais episódios curiosos aconteceram na atual curadoria do festival?
Lúcia Nascimento: Com Guadual, do Equador, aconteceu um fato curioso que beirou a tensão. O espetáculo tem bambus imensos e uma grande traquitana criada com bambus também, em que os artistas fazem os números de equilíbrio. No dia que a carga ia embarcar de navio para cá, se descobriu que os bambus tinham apodrecido. E navio não sai todo dia. O mais próximo saía dentro de 15 dias. Aí era preciso verificar se seria possível embarcar os bambus nesse próximo navio, se os novos bambus estariam prontos, cortados na medida exata e se a carga chegaria a tempo no Brasil. Mas acabou dando certo e a carga chegou, recentemente, no Porto de Santos.
Panis & Circus: O que tira o sono na preparação de CIRCOS?
Lúcia Nascimento: É um poder e responsabilidade muito grandes escolher o que o público vai ver. Afora as questões: meu deus, qual que é o recorte? Quais as principais questões a serem discutidas hoje? E o mais importante: ter sempre em mente o fato de que o Festival Internacional Sesc de Circo ajuda a fomentar a cena artística no país. Ou seja, trazer de fora o que é importante e também mostrar o que é produzido aqui lá fora para fortalecer a cena e o intercâmbio artístico nacional. Isso tudo tira o sono. Mas a 5ª edição do festival vai responder a tudo com arte.
Panis & Circus: Como tem sido sua rotina na preparação de CIRCOS?
Lúcia Nascimento: São sete meses que eu só penso no festival (desde novembro de 2018). Tenho outras demandas, mas a minha cabeça está no festival. Eu tenho brincado que estou me sentindo como se estivesse na última semana de gravidez, em que já não se tem posição para dormir, a criança está chutando a barriga e quer sair. Na quinta-feira (13/6), acontece o momento mágico (estreia do festival no Sesc Consolação).
Panis & Circus: O que ver no festival?
Lúcia Nascimento: Eu sou suspeita. As pessoas, como vocês, do site, ficam me perguntando o que ver. E eu respondo: tudo.