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“A gente precisa de uma arte mais empreendedora na cidade”
POR FÁTIMA SÁ E LUIZ FELIPE REIS
24/05/2016 6:00
RIO — Junior Perim já trabalhou abatendo frango em aviário, catou caranguejo, foi office-boy. Nascido em São Gonçalo e forjado no movimento estudantil, criou há 13 anos o Circo Crescer e Viver, ao lado de Vinicius Daumas. Queria “juntar arte e transformação social no picadeiro”. O projeto cresceu, formou artistas, gerou empregos, passou a sediar residências artísticas, originou um Festival Internacional de Circo e deu projeção a seu fundador. Aos 43 anos, o produtor deixa a lona. Junior Perim tomou posse ontem como secretário municipal de Cultura, no lugar de Marcelo Calero, nomeado ministro. Antes, concedeu a seguinte entrevista ao GLOBO:
Você já havia sido convidado para esse cargo antes de Marcelo Calero assumir a secretaria, em 2015. E disse não. Por quê?
Ali, foi mais uma sondagem do que um convite. E eu estava focado na articulação de vários programas para o Circo. Não era o momento.
E, agora, como e quando recebeu o convite? Por que aceitou?
Foi na quarta-feira passada. O prefeito me mandou um WhatsApp perguntando se eu toparia, lembrou a incidência que eu e outros realizadores tivemos na construção de políticas culturais para a cidade, no diálogo entre diferentes segmentos da sociedade. Houve reconhecimento do meu entendimento de que a cultura é um campo forte para o desenvolvimento da cidade. Consultei os diretores do Circo e decidi aceitar.
Faltam apenas seis meses para o fim da gestão Paes. É possível implementar novas ideias ou só assegurar o que foi estabelecido. Qual será seu real papel?
O prefeito me deixou à vontade para avaliar, alterar ou qualificar o que está proposto. O convite é até 31 de dezembro de 2016. E ele sabe da contribuição que eu pude dar para as políticas criadas pela própria secretaria. Sempre estive presente aos debates, ajudando a elaborar as políticas que vêm sendo implementadas. Claro que vou garantir o que foi pactuado com a sociedade e que está planejado no orçamento de 2016. A secretaria inda não lançou todos os seus programas… O próprio edital de fomento (Programa de Fomento à Cultura Carioca), produto de um seminário que teve participação de pessoas de diferentes áreas, ainda não foi lançado. Vou analisá-lo e ver o que pode ser melhorado.
O Programa de Fomento geralmente é lançado até abril. Há informação de que os projetos aprovados só serão realizados em 2017. O fomento 2016 está sendo empurrado para 2017?
Não exatamente, porque o resultado sai neste ano. Mas pode ser que parte dele vá mesmo para 2017. Tudo isso ainda será avaliado.
O Circo Crescer e Viver conta com patrocínio da prefeitura do Rio para diversos projetos. Como fica a sua relação com o Circo?
Eu me desliguei de lá. É incompatível o exercício da minha atividade pública com as atribuições no Circo.
Você agora é gestor das verbas da prefeitura sendo alguém que, até recentemente, recebia essas verbas. Vê conflito?
Em primeiro lugar, sou um realizador de cultura, e acho importante para quem faz cultura na cidade ter um realizador num posto tão simbólico. Fora isso, a maioria dos projetos do Crescer e Viver tem patrocínio da prefeitura via Lei de ISS ou editais. A relação do Circo com o recurso público sempre foi proba. O Circo tem reputação nacional e internacional, com programas de dimensão pública reconhecidos. Ele também não pode ser penalizado. Quebrei meu vínculo jurídico formal, então desse ponto de vista não há problema. Do ponto de vista ético, espero que as pessoas ponham a mão na consciência e pensem: sou um cara que sempre esteve vinculado à construção social de políticas culturais, representando a periferia, mas estabelecendo relações e cooperação com diferentes extratos da produção cultural carioca… O Circo tem importância na cidade. Caberá a ele mostrar sua responsabilidade com os recursos públicos. E é claro que, como secretário, não tomarei uma decisão direta que beneficie financeiramente o Circo. Eu sou um sujeito republicano e tenho compromisso ético e moral. Estive à frente de uma instituição com um tamanho razoável e não enriqueci com isso. Vivo de aluguel e ando de ônibus. Agora, na função de secretário, há um carro para me levar pela cidade.
De que modo sua experiência como realizador vindo da periferia vai interferir em sua gestão?
Para mim, foi muito importante me relacionar com diferentes extratos sociais. Eu sou uma espécie de bricolagem de generosidades. Tive capacidade de criar encontros com a diferença econômica, cultural, territorial… E quero colocar isso a serviço da cidade. Minha origem na periferia me faz lembrar, sempre, que a tarefa do estado é atuar para quem mais precisa. Eu tenho pouco tempo. Existem projetos de descentralização do investimento público, como o Ações Locais, que precisam continuar e se fortalecer. A tarefa, também, é contribuir para o desenvolvimento da cultura para além da dimensão social. As pessoas de periferia, quando falam de cultura, ainda têm medo de falar em dinheiro, mas têm que parar com isso. Têm que falar em recurso, em gerar emprego, em inclusão produtiva, pagar impostos, melhorar a sua estatura institucional. Existe um problema nas artes do país, e que afeta o Rio também, que é uma certa fragilidade institucional na produção cultural. Falo de novos empreendimentos artísticos. A gente precisa de uma arte mais empreendedora na cidade. A cultura tem a tarefa de contribuir com o desenvolvimento econômico.
A fragilidade que você aponta não é consequência de um fomento instável, impedindo muitos realizadores de se organizar como empresa, arcando com custos dessa formalidade?
Acho que há duas culpas aí. Os editais públicos geraram isso, sim, mas também há resistência dos realizadores. E é preciso provocar isso, chamar o artista a assumir essa responsabilidade. Quero tentar fortalecer o campo das arte em três aspectos: qualificar a produção estética, melhorar os modos de produção e contribuir para gerar mais solidez institucional para os realizadores.
Pretende implantar algum projeto seu?
Nesses seis meses, quero rediscutir quem é o “cliente” da cultura. Ele não pode ser o artista ou o realizador. É o público. Basear-se nisso é fundamental, ainda mais neste momento em que se criou esse senso comum de que o artista é vagabundo, que mama na teta do Estado, de que o importante mesmo é educação, saúde e segurança pública. É preciso que o Brasil olhe para a cultura como parte da solução do seu problema econômico. E não o contrário. Celso Furtado já dizia que a gente tem um ativo. A diversidade cultural brasileira, o gênio criativo do povo, a nossa inteligência inventiva. Como isso não é potencializado? Mesmo com toda a crise, a Cultura cresce, no mundo, cerca de 7% ao ano. E não adianta dizer para a população, por exemplo, que um equipamento cultural paga por energia elétrica um valor 30 vezes maior do que a indústria de automóveis. As pessoas não se sensibilizam. O que é importante mostrar é a potência das obras. Darcy Ribeiro dizia: o povo brasileiro tem vontade de beleza. Então é preciso pensar em gerar consumo cultural. Não como a relação de colocar uma moeda e tomar um produto. Não é isso. É gerar desejo de acessar aquilo, provocar sensações. É preciso produzir fluxos de pessoas pelo Rio, e fazer isso através da arte. Mas também tem o lado puramente econômico. A pessoa que vai ao teatro consome transporte, faz um lanche, compra alguma coisa. Também quero buscar parcerias. Quantas produções eu vi que morreram em si mesmas e podiam estar circulando pelo país?
Você se posicionou contra o impeachment. Como será seu diálogo com o governo interino, através do Ministério da Cultura?
Vou buscar investimento para a cidade, cobrar o compromisso do ministro com o Rio. Como ele dizia, somos a cidade olímpica, e a cultura tem que estar bem nessa foto. Vou trabalhar para qualificar a presença e a visibilidade da criação artística carioca para o Brasil e o mundo. As Olimpíadas são a maior janela de internacionalização das artes brasileiras. Vou procurar o diálogo. Respeito o trabalho dele (Calero), e estou entrando na secretaria para manter a máquina, que está azeitada, funcionando. Minha tarefa como agente público é buscar parceria com os governos estadual e federal. Tem que ir lá buscar recursos.
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Postagem – Alyne Albuquerque