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Pé na Estrada

A vida itinerante dos artistas circenses

Visita a São José do Ribamar, Maranhão

 

Com o grupo “Namakaca”, Cafi Otta conta que anda pelo país há um bocado de tempo e que, por vezes, dá saudade danada de casa.

Cafi Otta, especial para Panis & Circus

Sempre fui fascinado pela vida itinerante dos artistas circenses. Quando morava em Barbacena, Minas Gerais, via aquele bando de gente chegando e partindo, e ficava a imaginar o que se passava no dia a dia daquelas pessoas que, como caracóis, levavam suas casas pra todo lado.

Me envolvi com o universo circense desde pequeno, aos 10 anos de idade, e o que era um hobby virou ofício.

Mas sou a primeira geração circense da minha família, e não moro num trailer e nem trabalho em circos de lona pra saber como é a vida nos picadeiros pelo Brasil. Porém, percebi que mesmo vivendo numa casa fixa passo muito tempo na estrada, porque como disse Milton Nascimento, “todo artista tem de ir aonde o povo está”.

 

Parceria com Namakaca

Sobrevoando o Rio Amazonas

 

Com meus parceiros do Grupo Namakaca tenho conseguido me manter na estrada há bastante tempo, conhecendo praticamente o Brasil inteiro.

É uma delícia sair de casa e conhecer lugares diferentes, levar sua arte para plateias diferentes, provar novos sabores. Enfim, a lista de coisas boas envolvidas com as viagens é imensa. Mas também existem muitos desafios.

A logística das circulações com os espetáculos não é nada fácil. Como não temos carretas, nem equipe técnica, e a cada dia nos apresentamos em lugares diferentes, o planejamento é fundamental – no caso dos circos de lona também. Transporte de material e de pessoal; condições técnicas dos locais de apresentação; quantidade e faixa etária do público; documentos, liberações e declarações; contratos, notas fiscais, cobrança e faturamento; ensaios, manutenção de cenários e figurinos; e por aí vai. Outro desafio é o trabalho propriamente dito.

 

Palco Giratório

Em 2011 o Grupo Namkaaca participou do Palco Giratório, um projeto de circulação promovido pelo Sesc por todo o Brasil. Em 70 dias rodamos, ou voamos, mais de 30.000 km, por 28 cidades, em 13 estados. Fizemos 35 apresentações para mais de 10.000 pessoas e demos mais de 100 horas de oficina. Normalmente não sobra muito tempo livre. Por questões financeiras óbvias, os contratantes costumam bancar a estadia somente no período de apresentações, então muitas vezes no dia de chegada já temos que trabalhar, e assim que acabam as atividades voltamos pra casa.

Mas a parte mais complexa é a saudade de casa e da família. Em viagens curtas com 7 ou até 10 dias de duração são tranquilas, dá uma saudade gostosa que você sabe que passa logo. Só que algumas vezes as viagens são mais longas, com 20, 40, 70 dias sem voltar pra casa. Nesses casos, o buraco é mais embaixo, a saudade é avassaladora. Isso não deve acontecer com todo mundo, e provavelmente eu que não sei lidar bem com essa situação.

 

Conversa com o filho à distância 

Ajudando o filho a fazer lição de casa a distância

 

O fato é que sofro demais. Conto os dias como aquela imagem clássica do presidiário marcando palitinhos na parede, o que talvez torne a espera ainda mais angustiante. Acabo usando estratégias para driblar a saudade. Muito foco no trabalho, tentar fazer passeios nos raros momentos de folga, assistir a espetáculos – o que acontece muito em festivais –, e usar a tecnologia pra amenizar os efeitos da distância. Skype, facetime, facebook. Essas e outras ferramentas de comunicação facilitam o contato com os que ficam em casa. Por outro lado, há quem diga que este contato constante só aumenta a saudade. Que é melhor não deixar o coração em casa. Pode ser verdade, mas nunca consegui fazer isso.

Talvez os profissionais do circo dito tradicional não enfrentem muitas dessas questões que eu falei aqui, afinal viajam com sua casa e com sua família. Mas com certeza têm que lidar com outras tantas mazelas que nós artistas com residência fixa nem imaginamos. Mas tenho certeza que o amor pela arte circense é igual em ambos os casos. Esse amor incondicional por uma arte milenar que continua encantando plateias de todas as idades, provocando as mais variadas emoções por onde passa.

 

Legenda da foto de capa – Visita a Chapada dos Guimarães/Arquivo Pessoal 

 

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