Picadeiro
Alexandra Golik: palhaçadas no prato do dia
Espaço cultural novo
“Achei que Viradalata com logo do cachorro seria fantástico para o nome do teatro”, diz Alexandra, que explica que o trabalho do ator inclui o do palhaço e o do cômico
Mônica Rodrigues da Costa
A diretora de teatro e atriz Alexandra Golik, da companhia Le Plat du Jour, inaugurou em 05/04 o Teatro Viradalata, em Perdizes, no papel de protagonista na comédia “Vilcabamba”. A façanha da construção desse espaço cultural custou a ela e sua sócia, Vanda Varella, o total de 6 milhões de reais. O lucro fica para a cidade de São Paulo, pois a casa promete diversão e arte de qualidade.
“Vilcabamba” brinca com o clichê da “interminável procura do homem pela eterna juventude” com dois atores em cena (Golik e Roberto Camargo). Eles interpretam 13 personagens com 40 trocas de figurinos que fazem o público rir e refletir. Em alguns trechos chega a gargalhar do politicamente incorreto. A direção é de Alexandra Golik em parceria com Carla Candiotto, também integrante da cia. Le Plat du Jour.
O teatro tem uma construção em “L”, vários planos e traços limpos. Com equipamentos potentes e tecnologia sofisticada, o palco se abre para dois lados de plateia e mede 395 metros quadrados. Um café para lá de simpático e um jardim agradável funcionam como antessala de espera.
Palhaçadas nos Doutores da Alegria, “As Filhas de Lear” e “Chapeuzinho Vermelho”
A paulistana Alexandra Golik, filha de pai judeu e mãe pernambucana, é formada pela Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo. Tem um currículo invejável, que revela rigor e critério nas escolhas dramatúrgicas. A formação clássica no Brasil se completou na Europa, durante quase uma década, e a vida profissional de atriz começou na França. Depois Alexandra veio para o Brasil, com a cia. Le Plat du Jour já criada, por ela e Carla Candiotto, e participou dos Doutores da Alegria, programa hospitalar de levar alegria e cultura às crianças doentes que se tornou um must e referência internacional.
“As Filhas de Lear” lançou Alexandra e Carla no Brasil. Logo depois ambas passaram a integrar os Doutores. Era chegada a vez então de “Chapeuzinho Vermelho”, dirigida por Fernando Escrich, seguida de “Os Três Porquinhos”, com direção de Alexandre Roit. Depois, “João e Maria” (texto e direção da Le Plat du Jour) e “Pinóquio” (Le Plat du Jour).
“Chapeuzinho Vermelho” recebeu o Prêmio APCA 2001 como o melhor espetáculo infantil e participou do Festival Teatrália em Madri (Espanha). “Os Três Porquinhos” ganhou o Prêmio APCA 2003 e o Panamco Femsa de Teatro em 2003.
Para adultos, entre vários outros espetáculos, Alexandra montou “Insônia”, com direção da cia. Le Plat du Jour e Alexandre Roit; “O Poço” (Alexandra Golik), com direção Sandro Borelli (espetáculo contemplado pelo prêmio Myrian Muniz de Teatro); “Sequestro” (2002), trabalho apenas de Golik, em 2003.
Alexandra Golik e Carla Candiotto se conheceram em Paris. As duas integraram a peça “Coup de Chance” (1991) e em 1992 criaram a companhia Le Plat du Jour, lançada com “As Filhas de Lear”. Participou do espetáculo a atriz argentina Maria de La Paz Gutierrez. A segunda versão da comédia no Brasil teve a participação de Ilana Caplan.
Hoje, Alexandra e Carla convidam outras atrizes e atores para participar do elenco de suas peças e dirigem a companhia. Mas volta e meia se apresentam como atrizes. No ano passado, atuaram em curta temporada em “Os Três Porquinhos”. Agora estão no Viradalata com “Peter Pan e Wendy”.
O Viradalata Espaço Capital, que fica à rua Apinagés, 1.387, apresenta as peças infantis “Coquetel de Fadas” (domingos, às 11h00), “Peter Pan e Wendy” (sábados e domingos, às 16h00) e “Alice no País das Maravilhas” (sábados e domingos, às 17h40) e “Vilcabamba”, para adultos (sextas, às 21h30, e sábado, às 21h00).
Leia a seguir a entrevista com Alexandra Golik, que comenta a criação do teatro, seus procedimentos estéticos e sua trajetória de artista.
Inauguração do Teatro Viradalata, entre Perdizes e Sumarezinho
Panis & Circus – Sobre este teatro aqui, o Viradalata, é a vira de uma lata, um trocadilho.
Alexandra Golik – Sim, é um trocadilho que tem basicamente um cachorro vira-lata, que é do tipo dos cães que amo, de quem sou protetora, tenho vários cães. Tem também o sentido da virada, de virar a mesa, virar um jogo. A virada é um papel fundamental do artista, virar de alguma forma, virando do avesso, então, achei que Viradalata com logo do cachorro seria bacana, fantástico.
Circus – O teatro é uma iniciativa privada, sua?
Alexandra Golik – Sim, é uma iniciativa privada, minha e da minha sócia, Vanda Varella, que é dentista. Ela não é artista, mas gosta muito de teatro e incentiva. É mecenas, e nós duas somos sócias mesmo. Eu também recorro ao Proac [Programa de Ação Cultural, de incentivo ao teatro]. Arranjo meios de fazer os espetáculos graças também ao programa.
Circus – Porque a ideia de ter um teatro?
Alexandra Golik – É uma “loucuragem”, mas sempre tive vontade de ter um teatro, essa ideia nasceu basicamente de uma das grandes humilhações que os atores passam ao pedir pauta [espaço para apresentar suas peças].
Hoje, se você falar na cia. Le Plat ou de alguns outros nomes, as portas se abrem, mas tudo sempre foi muito difícil, complicado, chato. Você tem de provar que é bom, aí, vem uma crítica, vem outra, quando chega à 14ª crítica, o cara fala: “Não, realmente, ela é boa, atrai público, faz um trabalho de qualidade, respeita as crianças…”.
Sempre quis ter um teatro para ser livre de alguma forma, para colocar coisas que eu ache de qualidade no espaço e que possa coordenar e dizer que vamos fazer de determinado modo. É uma grande loucura, que você faz uma vez na vida. Depois, você olha para trás e diz: “Nossa, que trabalho…”.
Circus – É uma interferência na cultura, no bairro.
Alexandra Golik – Sim, no bairro e na cidade também.
Circus – Você tem ideia da dimensão dela?
Alexandra Golik – Existe uma grande interferência. Estou colocando um teatro na cidade, não estou fazendo uma padaria ou uma loja de calças e camisetas. Um teatro. O Viradalata é um teatro para a cidade, é um espaço cultural. Sou totalmente maluca de ter posto tudo o que eu tinha aqui, mas não estou arrependida. Acho que o Viradalata podia ser um pouquinho mais valorizado nesse sentido, [pela imprensa].
Circus – Quer contar sobre o investimento?
Alexandra Golik – Até agora a gente já investiu uns 6 milhões e meio de reais [conforme a “Veja” noticiou].
Circus – Que pautas você imagina para o teatro Viradalata?
Alexandra Golik – Imagino coisas boas, no sentido da qualidade artística mesmo, o que é relativo, porque o que é bom para mim pode não ser para você. Eu gostaria de sempre opinar nessa questão, não queria que fosse uma coisa muito praça Roosevelt, mas quero que seja um polo alternativo para quem tem trabalhos legais ter esse espaço para mostrar.
Circus – Você vai elitizar com o preço?
Alexandra Golik– Será um preço viável, quero que as pessoas realmente venham. Com 250 lugares, posso oferecer um espetáculo bem legal por um preço que a pessoa não pague com raiva, mas que ache merecido o gasto.
Circus – Qual é o público da região? As pessoas perceberam o teatro? A vida delas mudou porque há um teatro agora aqui?
Alexandra Golik – O público vem aos poucos, ainda não o reconheço, as pessoas vêm muito de carro, param o carro no Vallet, então, não sei se estão tão perto. A peça “Coquetel de Fadas” (2011), quando estreou no Viradalata [ainda em construção], teve bastante público.
Circus – Você vai priorizar o teatro para crianças no Viradalata?
Alexandra Golik – Não vou priorizar, mas terá sempre espetáculos em dois horários, às 16h00 e às 17h40. Não vou priorizar nenhum espetáculo adulto em detrimento do teatro para crianças. Talvez eu priorize ao contrário, quero inverter esse jogo. Normalmente, quando há dois espetáculos no mesmo teatro, sobram 2 metros, com uma luz péssima para o infantil. Não acho que isso é justo.
A construção do espaço cultural Viradalata
Circus – Fale do projeto arquitetônico e do projeto técnico do Viradalata.
Alexandra Golik – O projeto arquitetônico ele surgiu da minha conversa com uma amiga arquiteta de mais de 30 anos [de amizade]. Juntas fizemos o desenho. Aproveitamos certos materiais. Quando demolimos as duas casas, muito velhas, que havia aqui, usamos os tijolos, por exemplo, dessas casas, tijolos que têm 60 anos, mais até. A arquiteta se chama Katia Pestana, é uma grande arquiteta, ela trabalhou com Paulo Mendes da Rocha por um tempão, é uma pessoa que tem muito bom gosto. Eu ela imaginamos e fomos fazendo.
Houve percalços por falta de informação. Tive problemas ao fazer o teto, alguns problemas quando fiz o chão.
A acústica aqui é maravilhosa porque os tijolos deram o ar total e há dois telhados que fazem a acústica ficar maravilhosa. Também temos portas acústicas. Tecnicamente, é um teatro de primeiro mundo. O som é maravilhoso, a luz é superboa também.
Como já vivenciei em muitos teatros na Europa, aqui não é um lugar enorme porque sou pequena, é algo do meu tamanho, mas as pessoas entram e falam que é legal. Quero que o artista se sinta à vontade para fazer o que quiser aqui.
“O começo foi matar um leão por dia”
Circus – Você tem intenção de oferecer oficinas, workshops, aproveitar o espaço durante o dia?
Alexandra Golik – Eu gostaria muito de fazer isso. Em 1º/07/2011 a gente começou a funcionar, foi uma loucura, foi matar um leão a cada dia, muito trabalho. Houve a estreia de quatro peças.
Artes de Alexandra Golik no teatro
Panis & Circus – A diferença entre ser atriz e palhaça é marcante? Como define seu trabalho? É atriz cômica?
Alexandra Golik – Sou uma atriz cômica e sou uma palhaça, mas a gente pode resumir como atriz, uma atriz que tem várias possibilidades. Gosto de ser várias coisas e de todo tipo de teatro, gosto também de ser atriz dramática e melodramática.
O gênero cômico e o ritmo do palhaço
Circus – O gênero cômico se aproxima naturalmente do trabalho do palhaço?
Alexandra Golik – Completamente. Às vezes, você vê um grande cômico, ele não tem aquela maquiagem característica, que eu particularmente não acho necessário, e aí você olha pro cara e o acha um palhaço, ele é engraçado, tem muitas possibilidades, vai por vários caminhos.
O palhaço é isso. É difícil ser um bom palhaço e não ser caricato, chato, aquela coisa meio idiota, porque ele tem de estar no ritmo, estar muito no time, ser inteligente, tem que sacar o que está acontecendo… É complicado ser palhaço.
Circus – Como você e Carla Candiotto exploram isso na companhia de vocês, Le Plat du Jour?
Alexandra Golik – Somos atrizes que têm um trabalho voltado pro cômico, a gente se caracteriza assim, embora já tenha feito um espetáculo chamado “O Poço”, que era só drama, não tinha uma risadinha. Eu e Carla dentro de um poço de 400 litros d’água, era uma poesia. Escrevi o texto.
A gente ficava dentro e fora do poço, dentro da água e fora da água, eram dois seres, não eram homem nem mulher, dois seres humanos que se alimentavam da água.
A água trazia emoção, que trazia o amor, que trazia emoção, e um dia aquela água ia secar e aí não ia ter mais nada. Era superdramático, as pessoas choravam, não tinha nada pra rir.
“Chapeuzinho Vermelho”
Circus – As peças de teatro “Chapeuzinho Vermelho” e “Os Três Porquinhos” são cômicas?
Alexandra Golik – São supercômicas, com técnicas de palhaço. “Chapeuzinho Vermelho” é uma peça muito rica e muito simples.
“Os Três Porquinhos”
Circus – Em “Os Três Porquinhos”, há teatro de mamulengo, naquele muro do cenário, no fundo do palco, acontecem transformações…
Alexandra Golik – As coisas entram e saem por vários caminhos simples… Todo trabalho nosso tem essa coisa de entrar e sair, entra num personagem e sai como outro personagem, isso é característico do Le Plat e característico do trabalho que tenho feito atualmente.
“Coquetel de Fadas”: peça de palhaços em tempo integral
Circus – Fale do trabalho na peça para crianças “Coquetel de Fadas”.
Alexandra Golik – “Coquetel de Fadas” é uma grande loucuragem. Depois de ter feito tantos infantis com a cia. Le Plat, eu quis fazer um resumo do que eu achava mais importante nos contos de fada. Peguei as heroínas mais importantes, Chapeuzinho Vermelho, Cinderela, Branca de Neve, a Bela Adormecida. A peça começa lúdica, elas perdem os sapatos, já entram no bosque desesperadas porque não têm um dos pares dos sapatos. No caso, a Cinderela não tem dois deles, porque já tinha perdido um no baile.
A brincadeira é procurar quem pegou um dos pares dos sapatos delas.
Quanto ao Príncipe Encantado, é o príncipe encantado que ama a Bela Adormecida, no entanto, quando ele vê a Cinderela, ele muda de opinião.
O conflito acontece durante a peça inteira porque todas as heroínas falam: “Mas, como? Você é o Príncipe Encantado que ama a Bela Adormecida, não seja inconsistente, porque você a conheceu outro dia no baile”. A peça é toda uma piada, uma brincadeira sobre algumas coisas que são até clichês, mas essenciais nos contos de fada.
Também coloquei os malvados, a Bruxa, a Madrasta, o Lobo Mau, o Barba-Azul, que é um monstro, um bicho-papão. Enfim, é uma grande brincadeira com todos esses clichês, é “um entra são e sai doido”, são trocas extremamente rápidas, trocas de palhaços, é uma peça de palhaço em tempo integral, a gente brinca disso.
Circus – Sem precisar do nariz vermelho?
Alexandra Golik – Faz muito tempo que eu acho o nariz vermelho desnecessário, nariz vermelho é bom no começo para você ter um aparato, depois, não precisa mesmo, sinceramente.
Mestrado sobre “Fim de Jogo”, de Beckett, na Sorbonne, em Paris
Circus – Antes do Le Plat du Jour, trabalhava como palhaça?
Alexandra Golik – Não, na verdade, é assim, fiz a ECA (Escola de Comunicação e Artes da USP) e me formei como atriz, mas na minha formação eu já tinha uma inclinação para pesquisar o lado físico, que tem muito a ver com o [trabalho do] palhaço, a questão física da atuação.
O teatro físico, não só de palavras, mas de corpo também.
Fui morar em Paris depois que acabei a ECA. Fiz a escola do Jacques Lecoq (1921-1999) e a escola do Philippe Gaulier, que são voltadas, [em especial,] para a pesquisa corporal. Pensei que precisava me aproximar um pouco mais para minhas origens, da literatura, aí, fui pra L’Université de La Sorbonne e fiz lá por dois anos um curso.
Minha tese de conclusão de curso foi um estudo do gesto “Fim de Jogo” de Samuel Beckett (1906-1989), estudei essa peça durante um ano e mais e defendi [o mestrado]. Foi importante para mim, percebi isso anos depois.
É o gesto preciso, a palavra precisa de Beckett, e me ajudou no trabalho de palhaço e em seu lado oposto, o dramático.
Palhaçadas como uma das filhas do Rei Lear, em Paris e em São Paulo
Circus – Quais foram seus papéis como palhaça?
Alexandra Golik – Quando voltei de Paris , a gente fez “As Filhas de Lear”, uma brincadeira em cima do “Rei Lear”, de Shakespeare (1564-1616).
Circus – No Teatro Sergio Cardoso?
Alexandra Golik – Na primeira montagem, as atrizes foram eu, a Carla [Candiotto] e a Maria, uma argentina que morava em Paris. A gente ensaiava numa igreja. Depois viemos pra São Paulo fazer a peça e foi muito legal, acho que foi a experiência mais imediata que eu tive com a técnica de palhaço.
Circus – Tinha nariz vermelho?
Alexandra Golik – Na época tinha nariz vermelho. No curso do Philippe Gaulier e do Jacques Lecoq, a gente aprendeu a técnica de clown, de palhaço.
Encontro de Carla Candiotto e Alexandra Golik
Circus – Como você e Carla Candiotto se conheceram?
Alexandra Golik – No golpe de sorte… ela fazia o rei e eu fazia o príncipe, era muito cômica, e a gente era uma dupla muito engraçada, as pessoas riam muito.
Circus – Vocês formam o que a gente chama de a dupla tradicional de palhaço, onde uma complementa a outra?
Alexandra Golik – Acho que a Carla é mais branca e eu sou mais Augusto, mas, às vezes, isso se inverte. No nosso caso, não é tão claro, faço muitas vezes o palhaço branco e ela faz o Augusto.
Circus – Em “Chapeuzinho Vermelho”, quem é quem?
Alexandra Golik – Você é quem me diz, não sei quem é quem, aliás, sou bastante Augusto em “Chapeuzinho…”, considero o Augusto o cara mais debiloide, e o branco, o que o situa no assunto. Mas tem horas em que invertemos os papéis.
“Aladim” na China
Circus – O que veio depois?
Alexandra Golik – Depois da peça “Os Três Porquinhos”, eu e Carla passamos uma fase viajando. Carla ficou na Inglaterra durante dois anos, e eu também viajei. Fizemos com um grupo inglês a peça “Aladim e a Lâmpada Maravilhosa”. Eu era o Aladim e ela era a minha mãe. Fizemos uma turnê pela Inglaterra inteira falando em francês. Foram dois anos nesse vai e volta, se não me engano, de 2004 a 2005. Em 2006 fomos para a China fazer a mesma peça falando em inglês, foi incrível.
Circus – Nunca apresentaram “Aladim” no Brasil?
Alexandra Golik – Nunca, não era produção nossa, era do “Teatro Sem Fronteiras”, a gente era convidada. Aí a gente voltou e fez “O Poço”, foi aquela peça que eu lhe falei que usamos 400 litros de água e poesia.
Circus – Depois disso, você e Carla ampliaram a cia. Le Plat.
Alexandra Golik – A gente dirigiu as meninas que estavam no Le Plat, a Helena Cerello, a Paula Flaiban e a Adriana Telg. A gente ampliou o trabalho com outros artistas porque viu que não era possível fazer tudo. Antes de “Alice”, fizemos “João e Maria” com duas atrizes que também faziam o “Chapeuzinho”, que eram Bebel Ribeiro e Luna Martinelli. Foi difícil as pessoas aceitarem que não éramos eu e a Carla, mas, às vezes, não dá para fazer tudo, nós não temos fôlego. Junto com “João e Maria”, teve o “Peter Pan”, espetáculo que até hoje as pessoas consideram o melhor, o mais bem produzido, o mais lírico, o mais engraçado, foi um grande sucesso, só com nós duas. Depois de “Alice”, fomos chamadas pra fazer o “Pinóquio” da Cintia Abravanel, que foi a última peça que ela fez lá no Teatro Imprensa, foi um sucesso também. Dirigimos e adaptamos o texto, fizemos tudo.
Circus – Daí você começou um trabalho solo, e a Carla também?
Alexandra Golik– Então, eu já tinha essa história do teatro desde 2008, quando comecei a reforma. Para conseguir tocar essa história de alguma forma eu me inscrevi no Proac e coloquei cinco espetáculos de minha autoria, ganhei, consegui captar e tive de cumprir.
Comecei a fazer meus espetáculos e a Carla também começou a dirigir outros espetáculos. Carla sempre dirigiu outros grupos, como os Parlapatões e a Pia Fraus.
Formação em teatro começou na adolescência
Circus – Quando era criança brincava de teatro? Você queria ser o quê?
Alexandra Golik – Eu brincava e era engraçado, as pessoas morriam de rir comigo sempre. Decidi que eu queria fazer teatro quando estudava no Vera Cruz, aos 13 anos. Fiz uma peça, que eu nem queria fazer, mas umas meninas saíram, aí me chamaram e resolvi fazer. Achei aquela peça a experiência mais incrível da minha vida, a maior alegria. Foi uma bobagem, uma criação coletiva, eu fazia uma bruxinha engraçada, com trancinhas, todo mundo morria de rir.
Aí passou. Quando eu tinha uns 16, 17 anos, resolvi estudar publicidade, jornalismo, até letras eu cogitei, mas entrei no Antunes Filho, no CPT, eu estava no terceiro colegial, totalmente voltada para o teatro, não queria saber de mais nada.
Minha mãe veio com um folheto da Fuvest, perguntou o que eu ia fazer, na hora, eu disse que ia fazer teatro. Ela olhou e falou: “Tá, teatro, então, você marca aí artes cênicas”. Eu marquei, fiz vestibular, passei por um milagre, sem fazer cursinho, ainda mais na USP, que é superdifícil de passar. Tirei 10 em redação e notas muito boas na área de humanas.
Circus – Como foi a prova específica?
Alexandra Golik – Na ECA? Você tinha de ler dez peças, como as de Shakespeare, e, na hora, os professores sorteavam uma das peças e a gente tinha de discursar sobre elas. Acho que é assim até hoje, tinha de falar profundamente, sobre todos os aspectos das peças. O exame era escrito e eu me dei muito bem.
Circus – O que você apresentou?
Alexandra Golik– Caiu “O Rinoceronte”, de Ionesco (1909-1994). Fiquei por quatro anos lá, no período da ditadura militar. Nessa época, eu tinha uma livraria com a minha mãe. De manhã, ia pra ECA, à tarde, trabalhava na livraria e à noite ensaiava, era uma roda-viva, aliás, nunca saí dessa roda-viva.
Era a livraria Manduri, de arte e literatura, no conjunto Zarvos, no final da Consolação [SP], muito linda, eu ainda tenho livros de lá até hoje. Minha mãe gostava muito… Minha mãe e meu pai gostavam, acho que por isso nunca questionariam o fato de eu fazer teatro.
Circus – Na ECA você se enveredou por um caminho específico do teatro ou se deixou levar, vamos dizer assim, pelo aprendizado acadêmico?
Alexandra Golik – Na ECA, eu era rebelde, sempre fui rebelde, então, eu discutia com meus professores, mas sem ser mal-educada. Eu achava que tinha minha linguagem própria, que eu ia fazer minhas descobertas. Eu era uma metida porque todo mundo que fazia a ECA era metido, não tem jeito, sempre você acha que é o melhor.
Circus – Você experimentou o teatro de vanguarda?
Alexandra Golik – Não cheguei a fazer, não, as minhas pesquisas mais radicais foram com Jean Genet (1910-1986).
“Vilcabamba” é de chorar de rir
Alexandra Golik e Roberto Camargo (que atuou por oito anos na “Terça Insana”) reestrearam a comédia “Vilcabamba”, no Viradalata, o novo espaço cultural de São Paulo, em 05/04.
Vilcabamba é um pequeno povoado no Equador, onde, sem qualquer explicação plausível, encontra-se a maior concentração mundial de velhos – alguns com mais de 100 anos.
A partir desse fato verídico, Alexandra Golik escreveu a comédia de mistério “Vilcabamba”, em que um detetive trapalhão e ineficiente tenta descobrir por que os velhos começam a ser assassinados.
A peça acontece dentro de um bar rústico que tem um balcão, uma porta giratória e um piano. Por meio de um entra e sai, na porta giratória, os dois atores em cena (Golik e Camargo) mudam de figurino 40 vezes ao interpretar 13 personagens.
Entre esses personagens estão o Detetive Incompetente, Cleverson, o Sobrinho Espertalhão, Sabrina, a Criança Ruiva, Sardenta e Chata e irmã de Cleverson, o Barman Fanho, a Mulher Fatal, as Bombeiras Sexy e os Velhos Centenários.
Leia o que Alexandra Golik escreveu sobre o texto da peça
“Um dia me deparei com uma reportagem sobre os velhos mais que centenários de uma pequena cidade no Equador chamada Vilcabamba. Achei impressionante o fato de ali haver a maior concentração mundial de velhos mais que centenários, sem nenhuma explicação possível. Tive então a ideia de escrever uma peça chamada ‘Vilcabamba’ onde o ‘clichê’ fosse a grande fonte de inspiração, afinal, nada mais clichê do que a interminável procura do homem pela eterna juventude. Queria dar vida às personagens que pudessem ser reconhecidos de imediato pelo público para que desta forma fosse possível investir na autoironia como a grande brincadeira. Assim, o tema da ‘busca pela eterna juventude’ tornou-se o ponto de partida para temas como cobiça, vingança, relações familiares, amor, preconceito e sobretudo o ‘politicamente incorreto’. Criar uma história aparentemente simples como uma trama farsesca, significava, como linguagem, mergulhar no estereótipo para tentar atingir a difícil tarefa daquilo que mais desejava: desafiar o próprio fazer teatral colocando à vista de todos, de maneira clara, direta e profunda, o clichê com a irreverência do próprio clichê. ´Lá em cima do piano tem um copo de veneno, quem bebeu morreu, o azar foi seu’. Bem vindos à Vilcabamba.”
Alexandra Golik
Abaixo, da esquerda para direita, fotos das peças infantis “Peter Pan e Wendy”, “Alice no País das Maravilhas”e “Coquetel de Fadas”, em cartaz no teatro Viradalata
Fotos Divulgação
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Tags: alexandra golik, carla candiotto, Proac, Roberto Camargo, viradalata
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