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Apoio oficial e risco estético valorizam circo

Mesmo com patrocínio público, “humor cáustico do clown, por definição, é sempre contra o establishment”

 

Centre National des Arts du Cirque /Foto Ben Hopper (therealbenhopper.com)

 

Oscar Pilagallo

Haveria alguma sobreposição possível entre áreas supostamente tão distantes quanto a arena da política e o picadeiro do circo? A leitura de “O Circo no Risco da Arte” (editora Autêntica, 191 págs.) mostra que sim.

Organizado por Emmanuel Wallon, o volume conta com vinte colaboradores, entre pesquisadores, economistas, acadêmicos, filósofos, todos de alguma maneira ligados ao estudo do circo.

Wallon e os autores provavelmente nunca ouviram falar do deputado e palhaço Tiririca. A área de imbricação entre circo e política a que se refere o professor de ciências políticas na Universidade Paris X-Nanterre é de outra natureza. O estudioso tem em mente a atenção do poder público à atividade circense.

 

Emmanuel Wallon /Foto Divulgação

 

Na França isso aconteceu, não por acaso, a partir do início dos anos 80. Em 1981, o socialista François Mitterrand venceu a eleição presidencial e tomou posse para um mandato que se estenderia até a metade da década seguinte.

Sob a gestão da esquerda, conta Wallon, o Ministério da Cultura aproveitou a expansão das políticas culturais para canalizar verbas para fundações especializadas.

Foi assim que, em 1985, nasceram o Centre National de Arts du Cirque e centenas de escolas de iniciação agrupadas na Fédération Française des Écoles du Cirque.

 

Fédération Française des Écoles du Cirque /Foto Divulgação

 

Na ocasião, a iniciativa era praticamente inédita na Europa, nota o autor. A exceção, longe no tempo e no espaço, ficava por conta do apoio do jovem governo soviético aos circos do país – isso em 1927, antes, portanto, do auge dos horrores do stalinismo.

Seria preciso muita má vontade para, em decorrência do patrocínio público, vislumbrar nos circos financiados algum traço de arte chapa branca. Afinal, o humor cáustico do clown, por definição, é sempre contra o establishment. Quanto aos outros artistas – trapezistas, equilibristas, domadores –, a política partidária não lhes diz respeito.

Não, o circo francês não foi domesticado pela verba pública. Ao contrário, ele se renovou, intensificando a tendência, mais tarde predominante, de fusão entre elementos tradicionais e criativos.

Esse é o chamado “novo circo”. Há outras designações. O etnólogo Sylvestre Barré também fala em “circo de criação”, em oposição ao “circo clássico”. Mas, como esse circo contemporâneo traz a tradição embutida na inventividade, o autor propõe a expressão, “aparentemente antinômica”, de “circos tradicionais de criação”. É no antagonismo da própria definição que essa arte procura se diferenciar, acentuando o caráter híbrido e pluridisciplinar dos espetáculos.

Foi esse o circo que obteve o reconhecimento da crítica. Até então, o circo era considerado arte menor, se comparado ao teatro, à dança, à música. Não havia “risco estético”, ou seja, a possibilidade de fracasso artístico, uma vez que não seria exatamente arte. O risco se resumia à esfera do perigo físico.

Hoje, no entanto, quando se comenta o anagrama aproximativo circo-risco, pensa-se também em julgamento estético. “Não existe circo sem risco”, diz Wallon, fazendo referência ao título do livro.

O apoio oficial não compromete tal valoração. Afinal, os financiamentos tentam apenas viabilizar uma expressão artística que, de outra maneira, pela sua própria natureza, poderia definhar rumo à irrelevância.

Para Wallon, as ameaças econômicas, sobre as quais “seus colegas das outras artes não têm nada além do que uma vaga ideia”, são o preço da independência dos artistas de circo. “Sem terem a pretensão de serem mais subversivos que os demais, nem por isso deixam de pagar um alto preço pela sua independência política”, diz o autor. E conclui: “A liberdade com que eles manipulam os códigos artísticos usuais dificulta a comodidade de seu trabalho”.

Comodidade, aliás, é palavra que não frequenta o léxico circense, um espaço onde o corpo do artista está sempre em suspensão – como a respiração do respeitável público.

 

Capa do livro /Foto Divulgação

 

Serviço

Livro: “O Circo no Risco da Arte” (Le cirque au risque de l’art)

Edição e ano: Editora Autêntica, 2009

191 páginas.

Organizador: Emmanuel Wallon, com a colaboração de Caroline Hodak-Bruel 
Tradução: Cristiane Lage , Augustin de Tugny , Ana Alvarenga

191 páginas.

R$ 39,00.

Link para editora:

http://grupoautentica.com.br/autentica/o_circo_no_risco_da_arte/500

 

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