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Arte em Movimento

“Arlequim” dá a volta ao mundo

 

Cena do espetáculo "Arlequim, Servidor de Dois Patrões" de Carlo Goldoni (1707-1793) e dirigido por Giorgio Strehler

 

 “Arlequim Servidor de Dois Patrões” tem 2.600 apresentações

Ivy Fernandes, de Roma

Ferruccio Soleri é toscano, nasceu em Florença em 1929, mudou-se para Roma para cursar a Academia de Arte Dramática. Depois se estabeleceu em Milão, onde estreou no Piccolo Teatro de Milão em 1957. Há mais de 50 anos, Soleri interpreta “Arlequim Servidor de Dois Patrões”, peça de Carlo Goldoni, no mundo inteiro.

Os números são impressionantes: ele representou Arlequim em mais de 180 países nos cinco continentes, nos teatros mais importantes. Foram cerca de 2.600 apresentações dessa obra teatral.

  

Não existe país onde “Arlequim” não mostrou sua habilidade de saltimbanco: irônico, brincalhão, romântico e melancólico – um personagem com diversas facetas que encantou e encanta as plateias exigentes.

O site Panis & Circus conversou com o “maestro Soleri” em sua residência em Milão, entre uma viagem e outra. Ele já arruma as malas para o início da temporada teatral deste inverno europeu de 2012-2013:

“Em 14 de novembro, vamos abrir a estação [de inverno] na cidade de Varese (norte da Itália) e depois seguimos para a cidade de Saronno. Em 20 de novembro estrearemos no Teatro Piccolo de Milão e ficaremos lá até 2 de dezembro. De 4 a 16 de dezembro, vamos nos apresentar no Teatro Argentina, em Roma*. “De lá, seguimos para Buenos Aires, onde estaremos em cena a partir de 20 de dezembro”, afirma Soleri.

Com 83 anos, o mestre Soleri é a prova que interpretar “Arlequim” faz bem à sua saúde. A sua voz é firme, entusiasmada e revela projetos: uma vida que olha para a frente, para o futuro:

Soleri se prepara sozinho para o espetáculo. Entre maquiagem, vestuário e concentração para entrar em cena, ele costuma demorar uma hora.

 

“Eu, como Arlequim, também tenho vários sonhos e o principal é continuar a interpretar Arlequim até o dia em que eu tiver forças para trabalhar. A vida me deu muito e Arlequim me permitiu viajar e conhecer o mundo inteiro e representar em países distantes, como, por exemplo, nas turnês que fizemos na China(em 2002, 2006, 2007 e 2008) com essa peça de Goldoni, em italiano, com tradução simultânea em chinês”.

 

Estreias na China e no Japão

Antes de entrar em cena, o ator espia a plateia

Soleri conta que, no espetáculo de estreia, na China, estava muito preocupado: “Na plateia, um silêncio total. O público procurava seguir o enredo. No segundo ato, a situação era um pouco melhor: a plateia menos fria e mais atenta. No terceiro ato, os chineses abandonaram a tradução e seguiam o espetáculo com bastante interesse. Fomos muito aplaudidos e isso me deu uma enorme satisfação. Poder transmitir a um público tão diferente a obra teatral de Goldoni. O mesmo aconteceu com os espetáculos no Japão, onde utilizamos legendas colocadas na parte lateral do palco, na vertical, conforme é a ordenação da escrita japonesa”.

 

Apresentação na Coreia do Sul, no continente africano, na Austrália…

O ator italiano Soleri conta que “Arlequim” foi apresentado na Coreia do Sul, em Seul, no ano de 1999. “Estive também com a peça em quase toda a África, inclusive no Quênia. Na Austrália, em Nova Zelândia, na Rússia, nos Estados Unidos (cinco temporadas em várias cidades norte-americanas), em quase toda a América do Sul e Central, incluindo Cuba. No Brasil, apresentamos o espetáculo em São Paulo e no Rio. A primeira vez, em 1972, depois em 1989 e 2002. Espero poder voltar.”

 

Fonte da juventude

Não resisto à tentação de perguntar: “Maestro, qual o segredo de sua energia contagiante?” Soleri responde: “Primeiro, devo agradecer a meus pais, que me transmitiram os genes da longevidade. O patrimônio genético, como todos sabem, é importante para a saúde. Eu não sigo uma dieta especial, mas me alimento bem, com produtos genuínos. Faço ginástica todos os dias e algumas semanas antes de iniciar a temporada teatral, subo diariamente quatro andares de escada, o que me permite reencontrar a agilidade e os movimentos para interpretar Arlequim. É também uma prova de esforço, necessária para o espetáculo. Ao todo são três horas e cinco minutos, sempre em cena, o que não é pouco”.

 

Pablo Picasso, famoso pintor, era tão fã do personagem "Arlequim" que pintou seu filho com a fantasia

 

 

Trabalho com Giorgio Strehler

Soleri foi muito ligado ao diretor de teatro Giorgio Strehler. Foi ele quem deu a oportunidade de Soleri entrar em cena, pela primeira vez, na peça de Goldoni, fazendo uma ponta, à época em que o “Arlequim” era interpretado pelo ator Marcello Moretti e Soleri tinha conseguido seu diploma na Academia de Arte Dramática.

 

"Arlecchino Seduto", mais uma obra de Picasso de 1923

 

Do Teatro Piccolo de Milão, “Arlequim” partiu para uma turnê nos Estados Unidos e o diretor Strehler levou também no elenco o jovem ator Ferruccio Soleri, que interpretava um camareiro.

Nos bastidores Soleri estudava e observava o “Arlequim” interpretado por Moretti. Durante um espetáculo, em Nova Iorque, Moretti estava indisposto e Strehler mandou que Soleri o substituísse.

“Foi em 28 de fevereiro de 1960. Durante a turnê americana me roubaram máscara de Arlequim e precisei arranjar outra.” Infelizmente, o ator Marcello Moretti adoeceu e morreu depois de uma cirurgia, no ano seguinte, em 1961, com apenas 51 anos.

Dois anos após a morte de Moretti, o Piccolo Teatro de Milão resolveu montar outra vez o “Arlequim” e Strehler chamou Soleri para interpretar o papel. “Com ele na direção, fiz o papel de Arlequim durante muitos anos. Devo muito a Strehler. Ele foi determinante para minha carreira e meu percurso artístico. Era um homem difícil, complicado, enérgico, mas um grande diretor. Como sou toscano, tive, no início, um pouco de dificuldade de interpretar um personagem veneziano da commedia del’ arte.

“Strehler me fazia ensaiar horas e horas até que a cena ficasse natural, espontânea, ou seja, como ele queria. Quando Strehler faleceu, em 1997, foi um período muito triste e decidimos continuar com o ‘seu Arlequim’, como ele tinha montado”, afirma Soleri.

Strehler via o “Arlequim” como uma aventura teatral única, feita de brincadeira, melancolia, emoção, brigas e discussões que acabam sempre bem e encantam o público.

A peça relata com pinceladas de malícia e o eterno sorriso da máscara mais famosa do mundo as aventuras e desventuras de dois casais de namorados, com o auxilio de uma alegre brigada de cômicos e músicos. A peça de Goldoni é uma das obras mais representadas do teatro.

 

Peça mais conhecida de Goldoni

Escrita em 1745, quando Goldoni pensava em deixar de escrever comédias, o seu “Arlequim, Servidor de Dois Patrões”, tornou-se sua obra de maior sucesso.

O enredo é simples e trata das relações entre os casais Silvio e Clarice e Beatrice e Florindo na atmosfera da clássica commedia del’ arte. Eles usam máscaras e fantasias coloridas, exageradas, que se aproximam do gosto popular, mas sem cair no vulgar. Goldoni faz o retrato da sua época com ironia e divertimento.

Carlo Goldoni escreveu “Arlequim, Servidor de Dois Patrões” a pedido de um amigo, o grande ator Antonio Sacchi, que fazia um bom tempo havia lhe pedido para escrever uma comédia onde pudesse demonstrar sua habilidade como ator.

Nessa época, em 1745, Goldoni, que vinha de uma família da alta burguesia veneziana, tinha 38 anos e era um conceituado advogado. A tal ponto que Goldoni pensava em deixar de lado a velha paixão pela comédia. Ele já tinha escrito quatro comédias. Começou a escrever “Arlequim” de noite, no tempo que sobrava de seu trabalho como advogado. Só dois anos depois do pedido, em 1747, a comédia ficou pronta e foi apresentada no palco.

Além de autor de teatro, Goldoni vivia literalmente dentro dos teatros: montava e dirigia os espetáculos, idealizava os cenários, acompanhava as músicas, escrevia a apresentação das peças.

 

Ferruccio Soleri está no Guinness

Ferruccio Soleri com “Arlecchino Servitore di Due Padroni”, di Carlo Goldoni, conquistou o Guinness World Record, prêmio dado ao ator, em 2010, pela mais longa representação do personagem: 50 anos. De fato, a estreia dele aconteceu em 28 de fevereiro de 1960, em um teatro de Nova Iorque.

 

Um ator completo

Soleri dedicou toda a vida ao teatro. Muito jovem, abandonou os estudos na Faculdade de Matemática e Física, em Florença, para se inscrever na Academia de Arte Dramática Salvo D’Aquisto, em Roma. Depois, o encontro em o célebre diretor Giorgio Strelher, em Milão, e o início da extraordinária carreira teatral foi uma questão de tempo.

 

Pai de três filhos

Soleri é divorciado, pai de três filhos, um rapaz e duas moças. Nenhum deles seguiu a carreira artística, como o pai. O filho mora nos Estados Unidos, em San Francisco, e é um famoso chefe de cozinha. Uma das filhas é jornalista, mas deixou a profissão quando se casou, e a mais nova é estudante universitária. Ambas moram em Milão.

 

Artista premiado

No decorrer da longa aventura artística, Soleri ganhou vários prêmios, o do Guinness é apenas o último. Em 2006, ganhou o Leão de Ouro por sua carreira, prêmio concedido pela Bienal Internacional de Veneza. Em 2007, foi nomeado embaixador do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) pela ONU .

 

O ator participou de vários seminários sobre a commedia del’ arte e ensinou em diversas escolas de teatro.

O diretor Strelher escreveu um bilhete para o ator Soleri, em 1987, que resume sua trajetória artística: “Soleri, eu não consigo entender por que você envelhece e o seu Arlequim é sempre mais jovem. Um mistério. Qual é o seu segredo?”.

One Response to "“Arlequim” dá a volta ao mundo"

  1. Alice disse:

    sensacional!
    belíssima matéria!

    adoro vcs!

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