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“Até Amanhã”, palhaço Picolino!
Essa canção e outras estão no CD “A Música do Circo Nerino”, lançado em Circos – 1º Festival Internacional do Sesc de Circo em 3/5.
Bell Bacampos
“O espetáculo ainda continua dentro do circo com grande animação”, canta Verônica Tamaoki, coordenadora do Centro de Memória do Circo, ao lado de Roger Avanzi, o palhaço Picolino, no palco do Sesc Belenzinho, em 03/05. Os dois estavam bem acompanhados pela Banda Paralela e pelas cantoras Letícia Coura e Karina Buhr na interpretação da canção “Vida de Circo”, que tem arranjo do músico Otávio Ortega. E mais o coro formado por dez palhaços e pelos circenses Bruno Edson, família Sbano e a trupe da Escola Picolino de Artes do Circo, de Salvador (BA).
Às vezes, a “Vida de Circo” sai do tom. Mas não perde o compasso da emoção. Verônica, de vestido preto longo e chapéu-coco, faz uma referência no palco para o Palhaço Picolino e afirma: “Roger Avanzi, o palhaço Picolino, do Circo Nerino, “é o fio que liga o circo brasileiro de ontem, de hoje e de amanhã”. É a deixa para os artistas cantarem em coro: “Até amanhã!”. Picadeiro em festa.
Ao som dessa canção, de Noel Rosa (1910-1937), os artistas do Circo Nerino se despediram do público no final dos espetáculos. “Os acordes de ‘Até Amanhã’ seguiram até a última pessoa deixar a lona”, relata o músico Otávio Ortega ao site Panis & Circus.
Ortega, Tamaoki e Avanzi reuniram canções clássicas do repertório do Circo Nerino durante cinco décadas, e o resultado é o CD “A Música do Circo Nerino”, gravado com a Banda Paralela. O CD foi lançado em 03/05, no evento Circos – 1º Festival Internacional do Sesc de Circo, que comemora também os 90 anos de Roger Avanzi, o palhaço Picolino, e os cem anos do Circo Nerino.
No show ao vivo no lançamento do CD, em homenagem a Roger Avanzi, vários grupos de palhaços foram convidados e formaram um exército de “Picolinos”. “Nós estamos maquiados da mesma forma que Roger Avanzi, seu Roger, fazia a maquiagem antes de entrar em cena”, afirma Monique Franco, a palhaça Nina Rosa. Todos os “Picolinos” estavam com o chapéu-coco preto, outra característica do palhaço Picolino, acrescenta a artista.
O espetáculo mesclou música, projeção de cenas de espetáculos do Circo Nerino e de números circenses. Roger Avanzi entrou no palco maquiado como o palhaço Picolino 2, ao som de “Lá vem, lá vem, Picolino, com a calça caindo e o colarinho subindo”…
Esquete com H2O
Roger Avanzi e Verônica Tamaoki brincam no palco em esquete cômica típica do Circo Nerino. Em dado momento, Verônica diz a ele: “Picolino, eu estava te procurando, mas não tinha meio de te encontrar”. Ele responde: “Eu estava te encontrando e não havia meio de te procurar”.
Ela retruca que Picolino troca tudo, parece que não sabe nada, e pergunta: “Picolino, você estudou?” Ele diz que sim. Ela questiona: “Você estudou química?” Ele confirma que sim. Ela pergunta: “Então, o que quer dizer H2O?” Picolino não sabe. Verônica responde: “É água, Picolino”. Ele dá o troco: “E o que quer dizer H2O24?” Ela não sabe. Ele responde: “Água fresca”.
Depois das esquetes cômicas, Picolino sai de cena
Acrobacias e equilíbrio de pratos
É a hora de a trupe de artistas da Escola Picolino, de Salvador, mostrar seu valor e suas acrobacias em um palco paralelo, montado próximo ao principal. Em um dos números, o figurino do elenco é igual ao de Gaetan Ribolá, tio de Picolino – um dos principais nomes do Circo Nerino. “Meu tio Gaetan era um artista versátil, fazia vários números: percha, pirâmides, cama elástica, acrobacias, trapézio, báscula, números de laços e chicotes, tiro ao alvo, inclusive espetáculos aéreos, em que se exibia sobre as asas de um avião”, relata Roger Avanzi no livro “Circo Nerino”, de autoria dele e de Verônica Tamaoki.
Depois dos acrobatas, a hora e a vez são do circense Bruno Edson. Ele equilibra seus pratos com maestria. Foi o ganhador neste ano do Prêmio Governador do Estado na categoria Circo. Leia mais sobre Bruno Edson aqui.
“Consuelo” e “Dorme Nu”
Ainda durante o show de lançamento, Roger Avanzi retorna ao palco pouco tempo depois, sem maquiagem de palhaço e acompanhado das cantoras Letícia Coura e Karina Buhr. Ele e Letícia fazem duo de ternura ao cantar a música “Consuelo” – a canção fala da necessidade de ser consolado em espanhol. “Yo tengo un amorcito/Que non me da desvelo/Yo tengo un amorcito/que se llama Consuelo”.
Letícia sai de cena e entra Karina. Ela e Roger Avanzi criam uma brincadeira maliciosa com o calor e a canção “Dorme Nu”. Diz ela: “Que calor, que calor, que calor, Picolino, que calor”. Ele responde: “Dorme nu, dorme nu, dorme nu, como faz o Lulu”. Letícia responde: “Isso não, não, não/ Eu não sei qual é a sua intenção”. Ao que Picolino responde: “Refrescar, refrescar”.
No final dos versos carregados de segundas intenções, Letícia volta ao palco e briga com Karina pela preferência de seu Rogê. Verônica Tamaoki pega o microfone e coloca ordem na casa ao afirmar: “Calma, calma. Vocês não leram no jornal hoje (31 de março de 1948). Vocês não sabem que o Roger Avanzi se casou com Anita Garcia, do Circo Garcia?”.
Ânimos serenados são a deixa para o ator Pascoal Conceição, mestre de cerimônias ao lado de Verônica, preparar o lançamento do CD “A Música do Circo Nerino”. Para isso, chamam ao palco crianças que assistem ao show. Uma delas lança o CD à plateia.
“Oh, Suzana” e os cowboys da família Sbano
Roger Avanzi conta que nos espetáculos do Circo Nerino ele fazia acrobacias no cavalo. “Naquele tempo eu pulava em cima do cavalo, descia em pé, tornava a subir e dava cambalhotas. Agora, às vezes, eu não consigo me levantar direito. Deve ser a idade. Quando eu ficar velho vai ser pior”. Ele ironiza seus 90 anos ao som de “Oh, Suzana, não chore por mim” e emenda com o “Cowboy do amor” – “Eu sou vaqueiro, capataz de uma fazenda, nas horas vagas também toco violão, o meu cavalo é ensinado, leva bilhete para a filha do patrão”.
Por falar em cavalos, no palco paralelo, aparece a família Sbano, vestida de cowboy, com o número dos chicotes. Rasgam jornais e cigarros acesos com uma chicotada bem dada.
Fecham-se as cortinas
Verônika Tamaoki conta que, “durante quase 52 anos, num vaivém contínuo, o Circo Nerino circulou por todo o país. De trem, navio, barcaça e, por fim, de caminhão, por estradas de terra. Numa época em que o circo era o maior, quando não o único, espetáculo das terras do Brasil. Hoje, domingo, 13 de setembro de 1964, na cidade de Cruzeiro, interior de São Paulo, o Circo Nerino faz seu último espetáculo”. Era o fim de quase cinco décadas de estrada e diversão para o respeitável púbico.
Enquanto Verônica relata o fato, os artistas da Escola Picolino, de Salvador, no palco ao lado, recolhem a lona do circo.
A cantora Letícia entra no palco, depois da lona desarmada, e canta “Sempre no Meu Coração”, com Ortega ao piano. Em dado momento, faz duo com Roger Avanzi no verso “Sempre no meu coração,/ O teu nome guardarei/ E na minha solidão/ Sei que jamais te esquecerei”. Há quem na plateia não resista e uma lágrima é enxuta num guardanapo.
Mas a tristeza vai embora no batuque de Karina Buhr em “Cadê você, cadê você, Roger/ Cadê Roger, cadê Roger?”, e na música “Macô”, de Chico Science, Jorge DuPeixe e Eduardo Bilovski.
O Roger ao qual os autores se referem no “Macô” “é o Roger de Renor que, no início dos anos 90, foi proprietário do bar chamado Soparia, em Recife, importante ponto de referência do movimento mangue beat. O nome Roger foi dado em homenagem ao moço bonito e educado do Circo Nerino, de quem sua mãe foi admiradora e que sabia equilibrar-se tão bem num cavalo”, segundo descrição interna impressa no CD. Aliás, Verônica chama ao palco Roger de Renor para dar um abraço em Roger Avanzi, o Picolino.
Impossível não balançar na cadência do batuque de “Macô”, a não ser que se “seja doente do pé”. Uma chuva de papel picado brilhante cobre Roger e Karina.
No palco, todos cantam em homenagem ao Palhaço Picolino. Entre eles, Luana Serrat, filha de Verônica Tamaoki, que faz parte da trupe de acrobatas da Escola Picolino, e seu filho Otto nos braços. Por sua vez, Roger Avanzi fala da filha Ronita e pede que ela suba ao palco. Ronita tocava sanfona no circo e interpreta no CD “Se Alguém Telefonar”. Essa música ficou famosa na voz de Milton Nascimento.
Emocionado, Avanzi puxa um papel enorme do bolso e diz que quer falar algumas poucas palavras de agradecimento por essa noite maravilhosa.
Era só mais uma brincadeira. O papel grande que parecia ter um discurso longo traz apenas uma palavra: “Obrigado”.
“Musivozoteca” do Circo Nerino
O CD “A Música do Circo Nerino” reúne canções do repertório do circo durante cinco décadas, de 1913 a 1964. “É a melhor forma encontrada para celebrar o centenário do Circo Nerino, o circo das multidões, e o aniversário de Roger Avanzi, herdeiro da arte e da memória do picadeiro Nerino. O CD dá continuidade também à pesquisa do Circo Nerino, de Verônica Tamaoki, a partir das memórias de Roger Avanzi,” que rendeu o livro “Circo Nerino”. “Desta vez, a pesquisa foi feita também em parceria com o músico Otávio Ortega”, segundo a descrição contida na parte interna do CD.
A descrição ainda informa que “os ingredientes utilizados na fabricação do CD vieram dos baús do circo, especialmente do Circo Nerino, da música popular e da memória viva de Roger Avanzi. Do baú de partituras saíram músicas do espetáculo do Circo Nerino compostas ou adaptadas para banda de sopro, e aqui executadas com arranjo original do circo pela Banda Paralela”.
A Banda Paralela gravou dobrados, valsas, marchinhas, rumbas, executando fielmente as partituras manuscritas por Roger Avanzi nos anos 40 e 50.
“Do baú das fitas de rolo saiu a trilha que pode ser chamada de ‘musivozoteca’ do Circo Nerino”.
O CD custa R$ 20,00 e vai estar à venda no site Tratore.
O livro “Circo Nerino”, de Roger Avanzi e Verônica Tamaoki, editado por Pindorama Circus, conta a história desse picadeiro e está também à venda no Centro de Memória do Circo.
Leia aqui sobre o livro.
Fotos e filmes – Asa Campos
Edição dos filmes – Agatha Tibiriça
Postagem – Alyne Albuquerque
Tags: CD, Nerino, palhaço, Pascoal da Conceição, roger avanzi, Sesc Belenzinho, veronica tamaoki
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Tá linda a reportagem. Como o Panis et Circus é talentoso e competente! Muito agradecida pelo relato, pela reportagem brilhante. Toda minha admiração e carinho para o Panis et Circus
Gostaria muito de ter ido mais não foi possível não estava podendo pegar friagem, mais estou me deliciando com tudo isso que está postado aqui. Verônica O Circo Nerino é ou foi uma das minhas paixões. Parabens por esse resgate tão significativo ”PARA NOIS E OS POVO DO CIRCO”
Um ajuste: o CD Circo Nerino não está à venda no Centro de Memória do Circo, quem está fazendo a distribuição é a Trattore. Vou pegar o link correto e envio
Parabenizo voce e seu Roger pelo lançamento do CD. Parabenizo também sua equipe pela maravilhosa festa de lançamento. Um grande abraço da família
Lessa
Parabéns Verônica por esse maravilhosa manifestação de amor pelo circo, especialmente o CIRCO NERINO, que tanto encheu minha infância de fantásticas fantasias. Lamento não poder ter ido. mais estou devorando tudo isso que está postado aqui. obrigado Roger, lembro de voce com 35 anos, quando voce estreou Picolino II em Coaraci-BA.
Que coisa linda tudo isso. Parabéns a todos!!!
Parabéns à todos que participaram da realização desse projeto, principalmente a minha querida prima Verônica Tamaoki. Fiquei emocionada!