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Cafi Otta disputa maratona com monociclo
A vida de artista e maratonista em cima de uma roda só
Cafi Otta, especial para o Panis & Circus
O monociclo sempre foi considerado um equipamento de circo, usado por equilibristas ou palhaços em espetáculos artísticos. Há pouco mais de 30 anos essa realidade vem mudando, e o monociclo passou a ser usado também como um equipamento esportivo. Federações, regras, competições, marcas, patrocínios, ídolos, fãs… enfim, o pacote completo que vemos em várias modalidades esportivas agora se aplica também ao mundo dos monociclos.
Em 2000, me deparei com essa nova realidade durante uma Convenção de Malabaristas na Alemanha. Fiquei impressionado e até mesmo assustado, porque usavam monociclos com pneus enormes para pular, descer ladeiras, fazer coisas que me pareciam impossíveis de ser feitas naquela época – e muitas das quais ainda parecem!
Passados 10 anos da Convenção, continuei acompanhando a evolução do monociclo esportivo ao vivo, por vídeos, pela internet. Até comprei um monociclo para fazer trial, aquelas trilhas com obstáculos de diversos tamanhos, e consegui o terceiro lugar no único campeonato da modalidade já realizado no Brasil – detalhe, com apenas três competidores.
Antonio Marcos Pires Gil, um amigo aqui de São Paulo, palhaço e organizador do Circo no Beco, começou a me convidar para correr maratonas com um monociclo. Seus argumentos estavam sempre relacionados a uma sensação de prazer ao final das corridas, um contentamento sem tamanho por ter completado uma tarefa quase hercúlea.
Depois de ele muito insistir, resolvi tentar.
Meu primeiro passo foi pesquisar o assunto e descobri que para correr grandes distâncias com um monociclo, quanto maior o diâmetro da roda, melhor o desempenho. E mais, que existem apenas duas provas oficiais dessa modalidade no mundo: uma que acontece anualmente na Alemanha com cerca de 100 atletas, a maioria europeus, e outra, a cada dois anos, em lugares diferentes do globo, no Campeonato Mundial de Monociclos, com quase 200 atletas de diversos países.
Nas duas, nenhum brasileiro havia participado.
No final de 2011, verifiquei que a prova mais próxima era a Maratona de Monociclos de Dusseldorf, na Alemanha, e para participar precisava ter um equipamento adequado. Mas, como vivo no Brasil, não era fácil ter acesso a esse equipamento.
Algumas horas depois de uma pesquisa virtual descobri uma loja na Costa Rica que poderia me enviar o que eu tanto precisava, obviamente por um preço bem alto, somando frete, impostos e o próprio monociclo, com aro 29”, lindo!!! Comprei o monociclo, que só chegou depois de 20 longos dias.
Marcos, do Circo no Beco: “Esforço físico intenso”
Antonio Marcos, o Marquinhos, aquele meu amigo paulista sempre me dizia que o esforço físico para completar uma maratona é intenso mas não impossível de ser feito. Aliás, a maratona tem esse nome graças ao guerreiro que correu da cidade de Maratona até Atenas, na Grécia, para dar uma importante notícia durante uma terrível batalha, percorrendo uma distância de 42 quilômetros, e que morreu devido ao esforço. Até hoje, a distância oficial de todas as provas chamadas de maratona é de 42,195 quilômetros.
Por saber que exige um esforço imenso, decidi treinar muito para a primeira prova, a Maratona de Monociclos de Dusserdolf, mas de uma forma caseira, sem ajuda profissional. Corri cerca de 5 km na primeira semana, depois 10 km, e fui aumentando gradativamente até o dia em que corri 30 km, sem parar, e fiquei exausto. Foi quando me disseram que quem corre 30 km, corre, com certeza, 42km. Lá fui eu pra Alemanha descobrir que essa máxima é verdade.
Em abril de 2012, completei minha primeira maratona sobre uma roda sem grandes dificuldades, com um tempo de 2:36:00, e experimentei aquela sensação deliciosa do dever cumprido, da meta alcançada. Mas ai surgiu também uma outra sensação, não tão boa, de esvaziamento. Me perguntei: acabou? Era só isso? Atravessei o Oceano Atlântico, gastei uma boa grana, só pra isso? As dores musculares subsequentes são suficientemente fortes para tirar esses pensamentos da cabeça, e depois que as dores vão embora volta a sensação prazeirosa e o desejo de quero mais.
Maratona e “Jucazecaju”
Pouco tempo depois, no final de maio de 2012, corri a Maratona Internacional de São Paulo, junto com o Marquinhos, e sofri muito com as subidas e descidas dos túneis da capital, e completei o percurso em 3:00:00.
Peguei minha medalha – que todos os competidores ganham –, almocei e fui para o teatro realizar mais uma sessão do espetáculo “Jucazecaju”, onde eu interpretava o próprio Juca, passando mais da metade da peça em cima de um monociclo.
Duas provas nas costas, ou melhor, nas pernas
Com a experiência de duas provas nas costas, ou melhor, nas pernas, decidi que era hora de dar um passo adiante, e comprei um monociclo aro 36”, passando as mesmas dificuldades de trazer uma peça enorme da Costa Rica.
Em abril de 2013, inscrito novamente para a corrida da Alemanha, peguei mais um vôo de 12 horas sobre o Atlântico, e completei mais uma Maratona, dessa vez sob um frio congelante de 3oC. Corri os 42.195 metros em 2:19:00, um tempo nada bom para o equipamento que eu estava usando, mas incrível para as condições meteorológicas.
Em junho de 2013, fui para a Noruega participar da Maratona do Sol da Meia Noite, uma das provas mais exóticas do mundo, com a honra de ser o único monociclista participante. A prova é disputada durante a noite, mas o sol nunca se põe durante o verão ártico. Um lugar lindo, uma prova linda, tudo de bom. Larguei em último e cheguei em terceiro, ultrapassei mais de 350 corredores “normais” e terminei com um tempo de 2:43:00.
Nesse ponto da minha vida de atleta já tinha tentado um patrocínio para bancar essas aventuras pelo mundo afora, e depois de receber várias respostas negativas achei melhor seguir meu planejamento, fazendo uma poupança que pagasse os custos logísticos envolvidos na prática desse esporte, e juntando o maior número possível de milhas aéreas.
Meus pés quase congelaram na Alemanha
Depois da prova na Noruega comecei a planejar o ano de 2014, sabendo que haveria duas provas importantes, a da Alemanha e o Campeonato Mundial no Canadá, e eu queria muito correr bem as duas. Iniciei uma preparação física específica com a Márcia Francine, especialista em treinamento físico para artistas circenses, e agora vanguardista na preparação de maratonistas de monociclo.
Como é um esporte relativamente novo, não existem no mundo parâmetros ou estudos específicos nessa área. Tem sido prazeroso e instigante descobrir caminhos e maneiras para melhorar meu desempenho.
Quanto a parte financeira, resolvi testar um crowdfunding sem muita expectativa, e consegui arrecadar mais de R$ 1.500,00 que ajudaram muito a pagar os custos da viagem pra Alemanha em 2014. A campanha serviu também para agregar muita gente nesse sonho meio maluco, pessoas que passaram a acompanhar de perto a rotina, os prazeres e as dores de quem corre maratonas de monociclo.
Depois de muito suor e com muito foco e determinação, consegui meu melhor tempo em Dusseldorf, em abril de 2014, numa manhã fria e chuvosa, com meus pés quase congelados. Completei a prova em 2:11:00, ainda acima do meu objetivo de correr abaixo das 2 horas, mas 8 minutos abaixo do meu melhor tempo até então.
O treinamento continua muito forte visando o Campeonato Mundial, que acontece no final de julho e começo de agosto em Montreal. Terei mais uma vez a honra de ser o único representante do Brasil na Maratona de Monociclos.
Sigo conciliando a vida de atleta com a vida de artista em cima de uma roda só.
Tags: Cafi Otta
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Que delicia Cafi, adorei,
adorei tudo, a sua história, com gosto de estória,
muito bom!!!
um beijo e muitos parabéns querido.