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Solas de Vento: 10 anos de voos

 

 

Fernanda Araújo especial para o Panis & Circus

Um dançarino careca europeu e um ator cabeludo latino descobriram, entre um voo e outro no trapézio, que tinham o mesmo sonho de contar histórias a partir de bons personagens – de preferência viajantes ou durante uma viagem. Juntos, Bruno Rudolf e Ricardo Rodrigues reuniram suas habilidades e fundaram a Companhia Solas de Vento,  trupe que celebra 10 anos com mostra de repertório, no Sesc Pompeia. O programa reúne espetáculos, oficinas e um cabaré, até o dia 17 de dezembro.  

 

Ricardo Rodrigues em casa, na Vila Ipojuca / Fernanda Araújo

 

Para saber os detalhes dessa trajetória, a repórter do Panis & Circos foi tomar chá com Ricardo Rodrigues assim que descobriu que eram vizinhos (quatro casas entre uma moradia e outra, na Vila Ipojuca, em São Paulo/SP). Na cozinha da casa dele, o ator e diretor lembrou o início da carreira, o encontro com Rudolf, espetáculos e parcerias.

Rodrigo Rodrigues, 42 anos, cursava artes cênicas quando a professora Selma Pelizon disse que o teatro estava ali de várias formas, não só com texto – ele demonstrava uma desenvoltura física propícia à prática circense. “Em 1994 assisti umas oito vezes à peça “Filme B”, com a Alexandra Golik, e eu queria muito fazer aquilo”. Depois de formado, o rapaz especializou-se em técnica circense e realizou parcerias com grupos como LaMínima, Circo Mínimo, Linhas Aéreas, Circo Zanni, Circo Vox, Núcleo Artérias e Acrobático Fratelli. Trabalhou com diretores como Carla Candiotto, Cristiane Paoli Quito, Antônio Abujamra, Hugo Possolo, Rodrigo Matheus, Sandro Borelli, Mark Bromilow e Naum Alves de Souza.

 

Bruno Rudolf / Fernanda Araújo

 

Bruno Rudolf, 41 anos, nasceu em uma região da França próxima à Alemanha e, na infância, praticava ginástica olímpica junto com outros colegas da cidade. Na época, a mãe já percebia que os passos executados de brincadeira no corredor da casa demonstravam uma coordenação mais rítmica. Mas a inscrição no balé só foi feita após a apresentação de fim de ano da turma de ginástica, quando uma professora elogiou a aptidão do menino para a dança. Assim, o francês estudou ginástica olímpica e balé clássico dos 5 aos 12 anos, e dança contemporânea dos 12 aos 18 anos. Em Estrasburgo formou-se em biologia e pedagogia. Foi professor de educação infantil, trabalhou com animação de bonecos e se envolveu com o mundo circense. Aos 23 anos, para cumprir o serviço militar obrigatório (por conta da faculdade o período pode ser prorrogado), Rudolf veio para o Brasil trabalhar no Consulado Francês e logo depois deu aulas para crianças no Liceu Pasteur. Trabalhou com diretoras como Cristiane Paoli Quito e Miriam Druwe, até que resolveu fazer um curso na Central do Circo.

 

Ginástica de Rodrigues e Rudolf em cena / Divulgação

 

Em 2004, Rodrigues era um dos administradores da Central do Circo, em São Paulo, onde dava aulas à noite, quando Bruno Rudolf chegou para o curso. “Como era raro meninos fazerem tecido, começamos a trabalhar juntos para atender à demanda dos números que apareciam na Central”, explicou Rodrigues. Os rapazes fizeram vários cursos de especialização na área circense e, em 2005, começaram a planejar o que seria o espetáculo de estreia da companhia. “A montagem surgiu da nossa realidade, como dois caras de diferentes lugares do mundo, um latino e um europeu, que desejam falar de identidade de maneira mais universal. A dinâmica de todos os nossos espetáculos vêm sempre do material que nós temos, como o corpo, a dança e os tecidos”, explicou Rodrigues.   

Foi o momento de sentar e colocar tudo no papel. Para a conversa, Rodrigues chamou uma amiga que hoje mora na Venezuela. Rudolf convidou Delfine Herault, professora de literatura francesa. Depois de ouvir as ideias dos artistas, Delfine lembrou-se de um poema de Verlaine que tratava de um tipo de homem com solas de vento, um nômade, um viajante sem pátria. “Perfeito! Além dos números aéreos, em todos os espetáculos nós somos viajantes ou estamos em uma situação de viagem”, conta Rodrigues, sobre a feliz coincidência.  Nascia ali, a inspiração para o nome da companhia e o título do primeiro espetáculo (descrito em português e francês no edital de abertura da trupe). 

 

A dupla em cena / Divulgação

 

 

Companhia estreia com “Homens de Solas de Vento”

A Companhia Solas de Vento estreou, em 2007, “Homens de Solas de Vento”, o mais circense de todos os espetáculos do grupo. A montagem teve supervisão de amigos da Central do Circo, como Rodrigo Matheus (direção) e Marcelo Lujan (trilha sonora). Na trama, dois viajantes ficam retidos na imigração e passam o tempo interagindo com os objetos que possuem na mala, uma espécie de inventário particular de criação. As malas e os apetrechos foram produzidos pelos próprios atores: Rudolf construiu a dele na França, com a ajuda do pai; e Rodrigues, no Brasil, com os conhecimentos adquiridos com o pai metalúrgico. A habilidade manual também é um dom da dupla que desenvolve a maioria dos materiais cênicos – planeja peças, produz e testa os elementos utilizados nos espetáculos. “Homens de Solas de Vento” apresenta-se nos dias 7 e 8/12, às 21h.

 

Homens de Sola de Vento, estreia da companhia / Divulgação

 

O primeiro evento fora do Brasil ocorreu em 2009, no “Festival Plus Brasil”, na Alemanha. A companhia apresentou “Homens de Solas de Vento” em vários lugares, inclusive em um castelo, no casamento do irmão de Rudolf.

Em 2010, nasce o espetáculo de rua “Os Perdidos”, a partir de um número de circo no qual a trupe utiliza a escada como opção cênica representativa dos números aéreos. A criação é assinada pelo parceiro André Schulle e traz à tona a ideia de que para se encontrar é preciso de perder.  

 

Os Perdidos, criado em 2010, tem a escada como opção cênica / Divulgação

 

 

“A Volta ao Mundo em 80 dias”, de Júlio Verne: primeiro infantil  

O primeiro infantil chega em 2011, “A Volta ao Mundo em 80 Dias”, com direção de Carla Candiotto. Clássico do francês Júlio Verne que narra a aventura de Mr. Fog e seu criado Passepartout ao redor do mundo. Criativo e engraçado, o espetáculo ganhou os prêmios  APCA (Associação Paulista dos Críticos de Arte) e FEMSA (chamado agora de Prêmio Teatro Infantil e Jovem) – ambos para Bruno Rudolf, na categoria de Melhor Ator de produções infanto-juvenis. Em cartaz até 16 de dezembro, sábados, às 12h.

 

Cena de A Volta ao Mundo em 80 Dias / Divulgação

 

“Bruno é mais tecnológico, mesmo assim precisamos testar uma série de materiais para estudar o funcionamento em cena. Na estreia de “A Volta ao Mundo”, por exemplo, tivemos um problema e precisamos correr na rua Santa Ifigênia. Ali encontramos uma mesa de corte (para captação de imagem) e adaptamos atrás da televisão. Deu certo”, disse Rodrigues que hoje é lembrado com referência na utilização do vídeo em cena ao vivo.  

 

Memória Roubada em parceria com Linha Aéreas

Em 2013 fizeram Memória Roubada, em parceria com as companhias Linhas Aéreas, do Polvo e Les Deux Mondes (Canadá), sob direção do australiano Mark Bromilow. O projeto foi contemplado pelo Governo do Queensland (Austrália) e pelo ProAC ICMS. No palco, animações em terceira dimensão interagem com atores e retratam cenários e períodos históricos da narrativa. É um texto de fé, sobre uma senhora que revisita seu passado e uma moça que encontra forças para viajar até Bali em busca da mãe.

 

Cena de Memória Roubada

 

 

Viagem ao Centro da Terra

De volta à aventura de Júlio Verne, “Viagem ao Centro da Terra” estreia em 2015. Com direção de Eric Nowinski, o espetáculo conta as aventuras de um geólogo e o sobrinho, que encaram o mundo subterrâneo conduzidos um por guia de língua amalucada. O recurso do vídeo serve, com maestria, para projetar/simular números aéreos e dar profundidade às cenas, como o momento de imersão no vulcão. Até 17 de dezembro, domingos, às 12h.

 

Cena de Viagem ao Centro da Terra, de Julio Verne / Divulgação

 

“Um dos nossos desafios é desconstruir um repertório técnico para que venha somente o número necessário à história, sem pausa para fazer um número específico”, disse Rodrigues sobre a forma orgânica com que o circo integra o espetáculo.  Carla Candiotto, Fernando Sampaio, Alexandra Golik, Cristiane Paoli Quito e Miriam Druwe são alguns dos inspiradores da Cia. Solas de Vento.  

Em 2014, a trupe percorreu o Brasil com o “Festival Palco Giratório”. A rede de contatos fez com que a dupla mostrasse o trabalho no Japão e Coreia do Sul, em 2016, e também na China, em 2017. No repertório do grupo também estão as oficinas “Dramaturgia Corporal” e “Ator e Vídeo ao Vivo em Cena”, ambas para maiores de 16 anos com alguma noção de circo, dança ou teatro.

Destaque da temporada, Cabaré dos Ventos, que acontece dias 9 e 10 de dezembro, reúne parceiros como o Núcleo Desastre, Cia. La Mala e André Schulle. “É mais espécie de show com convidados que participaram da nossa história”, disse Ricardo. Apresentação no sábado (9/12), às 21h; e domingo (10/12), às 18h.

E o chá com Rudolf? Foi no Sesc Pompeia mesmo.  Atualmente, o francês mora na zona rural de Extrema, cidade de Minas Gerais. Entre bichos e uma boa horta, o biólogo/diretor mantém um ateliê de objetos. “Ali tem o vazio necessário à criação. Mas tem acesso à internet, essencial para pesquisa e reuniões via skype”, explica o artista. 

Para o próximo ano, a trupe deve investir na sequência da trilogia de Júlio Verne. “20.000 Léguas Submarinas”, mas a estreia só deve acontecer em 2019”, avisa Rudolf. Até lá, o público deve conferir outros cabarés.  

 

 

Serviço: Mostra de Repertório – Cia. Solas de Vento – 10 anos
Espetáculos:

 Volta ao Mundo em 80 Dias
Local: Teatro
Data: 18/11 a 16/12. Sáb., às 12h. Duração: 70 minutos 
Preço: R$ 5 a R$ 17 (grátis para crianças até 12 anos)

Ficha técnica
criação: Solas de Vento e Carla Candiotto
texto e direção: Carla Candiotto
elenco: Bruno Rudolf e Ricardo Rodrigues
coreografia: Bruno Rudolf e Ricardo Rodrigues
direção de arte: Lu Bueno
figurino: Olintho Malaquias
adereços: Michele Rolandi
ferragens cenográficas: Solas de Vento
ilustrações: Iara Jamra
trilha sonora: Exentricmusic (Marcelo Lujan)
iluminação: Wagner Freire
fotografia: Mariana Chama

Viagem ao Centro da Terra
Local: Teatro
Data: 19/11 a 17/12. Dom., às 12h. Duração: 70 minutos 
Preço: R$ 5 a R$ 17 (grátis para crianças até 12 anos)

Ficha técnica
idealização: Cia. Solas de Vento
criação: André Schulle, Bobby Baq, Bruno Rudolf, Eric Nowinski e Ricardo Rodrigues
dramaturgia: Bobby Baq em colaboração com a direção e o elenco
direção: Eric Nowinski
elenco: André Schulle, Bruno Rudolf e Ricardo Rodrigues
direção de arte: Isabela Teles
trilha sonora original: André Vac
cenografia: Cia Solas De Vento e Luana Alves
criação de figurinos: Isabela Teles
objetos de cena e traquitanas: Nonon Creaturas
eletrônica e iluminação de adereços: Marcel Alani Gilber
desenho de luz: Roseli Marttinely e Eric Nowinski
fotos: Mariana Chama
realização: Cia. Solas de Vento

 

Homens de Solas de Vento
Local: Teatro

Data: 7 e 8/12, às 21h. Duração: 70 minutos
Preço: R$ 6 a R$ 20

Ficha técnica
criação e atuação: Bruno Rudolf e Ricardo Rodrigues
direção: Rodrigo Matheus
trilha sonora: Marcelo Lujan
iluminação: Douglas Valiense e Maria Druck
orientação de arte: Luciana Bueno
orientação circense: Erica Stoppel
orientação coreográfica: Adriana Grecchi
orientação técnica: Alex Marinho
fotografia: Mariana Chama 

Oficinas:
Dramaturgia Corporal
Local: Conjunto esportivo – 8º andar

Data: 28 e 29/11, às 17h30 às 21h30. Duração: 4 horas
Preço: grátis (mediante inscrição prévia)
Ator e Vídeo ao Vivo em Cena
Local: Conjunto esportivo – 8º andar
Data: 30/11 e 1/12
Preço: grátis (mediante inscrição prévia)

Cabaré dos Ventos
Local: Teatro
Data: 9 e 10/12. Duração: 70 minutos
Preços: R$ 6 a R$ 20
Sesc Pompeia. R. Clélia, 93, Pompeia – São Paulo/SP
Tel.: 3871-7700

 

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