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“Circo Místico” vai ser filmado em Portugal.
“Calma, que o leão é manso”
As filmagens de “O Grande Circo Místico” vão ser feitas no “Circo Victor Cardinali, em Portugal. O filme, que tem o diretor Cacá Diegues e a produtora Renata Magalhães (foto acima) a frente do projeto, é “inspirado no poema ‘A Túnica Inconsútil’, de Jorge Lima, que há havia chegado ao teatro na adaptação de Chico Buarque, Edu Lobo e Naum Alves de Souza. É que, no Brasil, a lei proíbe animais em circo. Terça agora (3/12), a Guarda Nacional de Portugal apreendeu nove leões do circo Cardinali, por não estarem ‘registrados ao abrigo da convenção sobre o comércio internacional de animais selvagens’. Ontem (4/12), a direção do tal circo contestou a apreensão e disse que o registro foi feito na Espanha”, afirma o colunista Ancelmo Góis, de O Globo em 5/12.
O poema “A Túnica Inconsútil”, de Jorge Lima, foi publicado, em anexo, às letras das músicas no LP da peça “O Grande Circo Místico”, de Edu Lobo e Chico Buarque (1986).
Seguem abaixo as letras do poema, e as letras das músicas “Circo Místico”, “ A Valsa dos Clowns” e “Ciranda da Bailarina” do LP
A Túnica Inconsútil” (de Jorge Lima, 1938)
O médico de câmara da imperatriz Teresa – Frederico Knieps –
Resolveu que seu filho também fosse médico,
Mas o rapaz fazendo relações com a equilibrista Agnes,
Com ela se casou, fundando a dinastia do circo Knieps
De que tanto se tem ocupado a imprensa.
Charlote, filha de Frederico, se casou com o clown,
De que nasceram Marie e Oto.
E Oto se casou com Lily Braun a grande deslocadora
Que tinha no ventre um santo tatuado.
A filha de Lily Braun – a tatuada no ventre,
Quis entrar para um convento,
Mas Oto Frederico Knieps não atendeu,
E Margarete continuou a dinastia do circo
De que tanto tem se ocupado a imprensa.
Então, Margarete tatuou o corpo,
Sofrendo muito por amor de Deus,
Pois gravou em sua pele rósea
A Via-Sacra do Senhor dos Passos.
E nenhum tigre a ofendeu jamais;
E o leão Nero que já havia comido dois ventríloquos,
Quando ela entrava nua pela jaula adentro,
Chorava como um recém-nascido.
Seu esposo – o trapezista Ludwig nunca mais a pode amar
Pois as gravuras sagradas afastavam
A pele dela e o desejo.
Então, o boxeur Rudolf que era ateu
E era homem-fera derrubou Margarete e a violou.
Quando acabou, o ateu se converteu, morreu.
Margarete pariu duas meninas que são o prodígio do
Grande Circo Knieps.
Mas o maior milagre são as suas virgindades.
Em que os banqueiros e os homens de monóculo têm esbarrado;
São as suas levitações que a platéia pensa ser truque;
É a sua pureza em que ninguém acredita;
São as suas mágicas que os simples dizem que há o diabo;
Mas as crianças crêem nelas, são seus fiéis, seus amigos, seus devotos.
Marie e Helene se apresentam nuas,
Dançam no arame e deslocam de tal forma os membros
Que parece que os membros não são delas.
A platéia bisa coxas, bisa seios, bisa sovacos.
Marie e Helene se repartem todas,
Se distribuem pelos homens cínicos,
Mas ninguém vê almas que elas conservam puras.
E quando atiram membros para a visão dos homens,
Atiram as almas para a visão de Deus.
Com a verdadeira história do Grande Circo Knieps
Muito pouco se tem ocupado a imprensa. *
O Circo Místico
(de Chico Buarque e Edu Lobo)
“Não
Não sei se é um truque banal
Se um invisível cordão
Sustenta a vida real
Cordas de uma orquestra
Sombras de um artista
Palcos de um planeta
E as dançarinas no grande final
Chove tanta flor
Que, sem refletir
Um ardoroso espectador
Vira colibri
Qual
Não sei se é nova ilusão
Se após o salto mortal
Existe outra encarnação
Membro de um elenco
Malas de um destino
Partes de uma orquestra
Duas meninas no imenso vagão
Negro refletor
Flores de organdi
E o grito do homem voador
Ao cair em si
Não sei se é vida real
Um invisível cordão
Após o salto mortal
Valsa dos clowns
Em toda canção
O palhaço é um charlatão
Esparrama tanta gargalhada
Da boca para fora
Dizem que seu coração pintado
Toda tarde de domingo chora
Abra o coração
Do palhaço da canção
Eis que salta outro farrapo humano
E morre na coxia
Dentro do seu coração de pano
Um palhaço alegre se anuncia
A nova atração
Tem um jovem coração
Que apertado por estreito laço
Amanhece partido
Dentro dele sai mais um palhaço
Que é um palhaço com um olhar caído
E esse charlatão
Vai cantar sua canção
Que comove toda a arquibancada
Com tanta agonia
Dentro dele um coração folgado
Cantarola uma outra melodia
Em toda canção
O palhaço é um charlatão
E esse charlatão
Vai cantar uma canção
Ciranda da Bailarina
Procurando bem
Todo mundo tem pereba
Marca de bexiga ou vacina
E tem piriri, tem lombriga, tem ameba
Só a bailarina que não tem
E não tem coceira
Verruga nem frieira
Nem falta de maneira
Ela não tem
Futucando bem
Todo mundo tem piolho
Ou tem cheiro de creolina
Todo mundo tem um irmão meio zarolho
Só a bailarina que não tem
Nem unha encardida
Nem dente com comida
Nem casca de ferida
Ela não tem
Não livra ninguém
Todo mundo tem remela
Quando acorda às seis da matina
Teve escarlatina
Ou tem febre amarela
Só a bailarina que não tem
Medo de subir, gente
Medo de cair, gente
Medo de vertigem
Quem não tem
Confessando bem
Todo mundo faz pecado
Logo assim que a missa termina
Todo mundo tem um primeiro namorado
Só a bailarina que não tem
Sujo atrás da orelha
Bigode de groselha
Calcinha um pouco velha
Ela não tem
O padre também
Pode até ficar vermelho
Se o vento levanta a batina
Reparando bem, todo mundo tem pentelho*
Só a bailarina que não tem
Sala sem mobília
Goteira na vasilha
Problema na família
Quem não tem
Procurando bem
Todo mundo tem…
Tags: Cacá Diegues, Chico Buarque, Circo Victor Cardinali, O Grande Circo Místico, Portugal, Renata Magalhãe
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