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20 anos dos Parlapatões
O grupo Parlapatões completou 20 anos em 2011, com 46 espetáculos realizados, entre eles, “Aqui Ninguém é Patão, Não” (1991), “Bem Debaixo de Seu Nariz” (1992), “De Cá pra Lá, de Lá pra Cá” (1998), “Prego na Testa” (2005), “Parlapatões – Clássicos do Circo” (2007), e “Ridículos Ainda e Sempre” (2011).
Nestas entrevistas, Raul Barretto e Hugo Possolo refletem sobre a trajetória dos “Parlapas”, conforme os fãs chamam hoje o grupo, e sobre a arte de representar no teatro e no circo.
Hugo disse brincando que daqui a pouco adotará o nome “Parlapas”. No início, o grupo era Parlapatões, Patifes & Paspalhões, depois o apelido “Parlapatões” pegou.
Raul Barretto explicou que um parlapatão nasce a partir do convívio de grupo. Ele disse que a arte de ser palhaço é superior à do ator.
Hugo Possolo rememora a formação dos Parlapatões, ao lado de Jairo Mattos e Alexandre Roit, entre outros artistas, e explica a função do riso.
Os Parlapatões exploram, sobretudo, a linguagem do palhaço. Quem faz o papel desse personagem, em geral, é o artista circense quando está mais velho. Isso quer dizer que o grupo já nasceu velho?
Leia a resposta de Hugo e descubra por que ele acha que xingar político corrupto de palhaço é uma ofensa ao circo.
Está na pauta ainda a conversa que existe entre arte, sociedade e política. A seguir.
“Ridículos…” é o PPP@WllmShkspr.Br dos Parlapatões
Hugo Possolo considera que os 20 anos do grupo só reforçam a ideia de manutenção do trabalho, já contida no símbolo da companhia: o chapéu, o tijolo e a flor.
Pensando desse modo, mesmo olhando para duas décadas de estrada, o espetáculo “Ridículos Ainda e Sempre”, de 2011, que marcou a data, procurou renovar.
Para Raul Barretto, buscou não se repetir: “É atual, é legal porque revisita todos os outros espetáculos nossos. Quem acompanha a trajetória do grupo se emociona muito porque vê nesse espetáculo a síntese; ao mesmo tempo, vê esse apontar para o futuro, é legal isso”.
Entrevista com Hugo Possolo – Nariz vermelho e roupa de palhaço
Panis & Circus – Vocês usam nariz vermelho?
Hugo Possolo – A gente usa de vez em quando nariz vermelho, conforme o espetáculo. Se o espetáculo se aproxima mais da estética tradicional, a gente usa o nariz vermelho porque a gente reconhece a tradição circense e não a renega.
A gente não acha que tem uma ruptura com a tradição, ao mesmo tempo a gente relê a tradição e põe a nossa visão contemporânea.
Muitos dos nossos espetáculos que poderiam ter nariz de palhaço não têm, como “As Nuvens…” (2003), em que a gente está de terno e gravata. Por quê? Porque a roupa do palhaço é o terno e gravata.
O palhaço atual é o que veste a roupa larga e o sapato largo porque representa o pobre, o fracassado, o oprimido, que precisa herdar a roupa do outro.
Os verdadeiros palhaços contemporâneos são aqueles que exibem o seu ridículo ao extremo e que a gente ri deles. As grandes autoridades se vestem de terno e gravata.
A gente fez “As Nuvens…” explorando esse sentido, por isso, não cabe o nariz vermelho. Seria um desrespeito ao palhaço colocar o nariz vermelho para representar essas figuras corruptas. [risos]
Circus – vocês já nasceram velhos, porque já nasceram palhaços. O que você acha?
Possolo – [risos] Quando eu estava na escola de circo, fui trapezista. Os meninos que se dedicavam muito ao trapézio falavam: “Não vou me apurar tecnicamente nisso porque não vai durar, não… Quero ser palhaço porque vou durar bastante”. E como os palhaços já têm esse pacto…
Raul Barretto falou que Ariano Suassuna tem um pacto… Os grandes palhaços morrem pelo menos depois dos 90 anos. Achei legal ser palhaço porque tem uma perspectiva de vida bem maior… [rsrs]
Mas, quando você é palhaço de circo, como é o nosso caso, formado em circo, você sabe que todos aqueles recursos do circo, da acrobacia, do equilíbrio, do malabarismo, são fundamentais para ter entendimento da mecânica corporal.
O palhaço é corporal. Depois do advento da TV e do cinema, o palhaço fica muito moralista porque deixa de ser corporal e fica conservador e não um palhaço transformador.
Dentro da ideia de que o humor transforma, regenera, revigora uma sociedade. Você destrói ícones para que eles tenham vitalidade para se transformar e não destrói por destruir, o que seria uma coisa muito chata.
A estética dos Parlapatões
Circus – Ocupar espaços é um dos legados dos 20 anos dos Parlapatões?
Possolo – A tentativa de ocupar espaços e territórios é característica dos Parlapatões. A gente não deixou de fazer rua, tanto é que “O Pior de São Paulo” (2007) foi um marco desses últimos cinco anos.
“Hércules” (2005), do mesmo ano da estreia do Circo Roda, era um grande espetáculo de rua. Fizemos uma oficina que envolveu cem pessoas e pusemos 40 pessoas em cena.
Circus – Outro aspecto é a postura crítica?
Possolo – É a visão política que a gente tem, que não é caga-regra, não é panfletária. No documentário que o grupo GB (Grande Bosta) prepara sobre os Parlapatões, aparece uma frase que eu disse e me surpreendi por ter dito num ensaio aqui [no Espaço Parlapatões]: “Nosso teatro é político porque é artístico”.
Circus – Sempre foi assim?
Possolo – A gente agiu assim desde o começo, isso ficou bem claro em espetáculos como “Sardanapalo” [1993 e 2001; há duas montagens], que versa sobre o poder e a dificuldade de o homem lidar com seu próprio poder.
A gente volta a isso mais tarde em “Não Escrevi Isto” (1998), em “ppp@WllmShkspr.br” (1998), que desconstrói o ícone acadêmico do Shakespeare e o traz para onde ele realmente deve estar, que é no teatro popular.
A gente refaz isso em “As Nuvens e/ou Um Deus Chamado Dinheiro” porque usa o Aristófanes para discutir uma situação que é o prenúncio de um poder que está estabelecido neste país.
Circus – E a repercussão da atitude política?
Possolo – A gente foi rejeitado em vários festivais e teve problemas com alguns governos petistas porque se antecipou até ao caso do mensalão, porque falava de corrupção em governos de esquerda.
“Pantagruel” (2001) também discutia o poder, de modo contundente. De uma maneira ou de outra, nossa visão de humor – houve até quem tentasse criticar, falando que parecia panfletário, mas não é, tanto que a gente nunca cedeu, nunca comprou uma visão partidária de nada – tem sido extremamente anárquica até na maneira de construir os espetáculos.
A apropriação parlapatônica
Circus – Como se dá a apropriação em seus espetáculos?
Possolo – Diz respeito à formulação de uma dramaturgia própria, porque a gente se apropriou de números circenses e de pequenos esquetes cômicos, no começo, como em “Nada de Novo”. A gente se apropriou de Karl Valentin (1882-1948), de Groucho Marx (1890-1977) e do Monty Python… A gente faz um numero que é de Python, mas que já tem a nossa cara – quem vê pergunta: “O que tem a ver com Monty Python?” Tem a ver, porque a gente viu o número, pegou a estrutura e foi refazendo à nossa maneira. Começou imitando e depois ganhou cara própria.
A ideia é antropofágica no sentido que Oswald de Andrade propõe, que é comer no sentido de deglutir e traduzir aquilo à sua maneira.
Circus – Por que “Parlapatões”?
Possolo – No prólogo de “Ridículos…” a gente já faz uma piada. Escrevi o texto “Parlapatões, Patifes e Paspalhões” baseado nas farsas medievais “Mestre Pastelão” e “O Pastelão e a Torta”, num curso de dramaturgia, e procurei o título no dicionário, primeiro o que era mentiroso até chegar a parlapatão. Jairo Mattos insistiu para que esse fosse o nome do grupo, e a gente não queria até o dia em que topei. Aí uma semana depois ele saiu, esse foi o legado do Jairo. [rsrs]
Circus – O que você nos sugere sobre o pão?
Possolo – Indico a feijoada. Mas não é porque prefiro a feijoada que deixo de comer lasanha. [rsrs]
Encontro de Raul Barretto e Hugo Possolo
Circus – Quando você Hugo conheceu esse patife aqui do nosso lado (Raul)? [rsrs]
Possolo – Raul trabalhava com Antônio Nóbrega, é o “irresponsável” por Nóbrega ter saído de Pernambuco e ter vindo para São Paulo. Raul é o engenheiro que virou palhaço.
Fazíamos a Escola de Circo Picadeiro, em 1985, que é o ano da estreia do “Ubu”, do grupo Ornitorrinco [de Cacá Rosset], e houve aquela febre em torno do circo.
A gente pertence à primeira geração da escola de José Wilson, na Cidade Jardim. Mais tarde, quando eu queria fazer “Sardanapalo”, que era para ser um espetáculo solo, fiz uma leitura com Arthur Leopoldo e Silva, Marcos Loureiro e Alexandre Roit na minha casa.
A gente riu muito e viu que podia ser uma peça para vários atores. Sem eu saber, Loureiro a inscreveu na jornada Sesc e mostrou a ficha de inscrição.
A gente já tinha convidado Raul para participar do “Nada de Novo” porque sempre levava um convidado para a peça. Raul já tinha feito na peça o número dele de malabares de contato, que ele faz até hoje e é encantador.
A sintonia foi imediata. Aos poucos, conversávamos sobre a ideia de grupo e nossa visão do teatro. Nos espetáculos seguintes, “Zerói” e “U Fabuliô”, ambos de 1995, Raul já era um parlapatão de carteirinha e tudo.
Formação atual dos Parlapatões
Raul Barretto e Hugo Possolo representam os Parlapatões. “Durante muito tempo ficou a formação: eu, Hugo, Claudinei Brandão e Henrique Stroeter. Hoje varia”, disse Barretto.
“O Napão (Stroeter) foi ganhar dinheiro fazendo teatro, “Os 39 Degraus”, do Hitchcock, que virou um fenômeno, com o Dan Stulbach e o Danton Mello, e ele ganhou em seis meses fazendo esse espetáculo no teatro o que nunca tinha conseguido antes.”
Raul continua: “Gravitam alguns parlapatões em torno do grupo. O Fabek Capreri ficou muito tempo com a gente, o Alexandre Bamba está permanentemente com a gente. Hoje, se você fizer uma foto, um instantâneo com a gente, tem o Fabek, o Bamba, o Anão – Hélio Pottes, que estão há muito tempo com a gente”.
A história lida por meio de algumas obras
“Sardanapalo”
Além da ironia, o absurdo corre solto em “Sardanapalo” (1993 e 2001). Afiados nos diálogos, os atores conduzem a plateia ao ambiente da comédia, produzida com chistes e duplos sentidos – é o próprio fazer do teatro em jogo. Donos do improviso, controlam as reações do público, mas partem de um roteiro fixo, brincando com obras clássicas de teatro. No enredo, o imperador grego Alexandre, O Grande, consciente da morte, decide conquistar o mundo.
“O Bricabraque”
Em 2004, na peça “O Bricabraque” (foto abaixo), Raul Barretto demonstra mestria na arte da representação. O espetáculo introduz referências do Surrealismo no monólogo de um palhaço e contador de histórias. Barretto faz o papel do vendedor em um mercado de pulgas.
Solicita que as crianças da plateia comprem objetos com o dinheiro cabraquês, que ele entrega no início do espetáculo. O palhaço conta uma história sobre a amizade entre a pulga Gala e o leiloeiro – referência a Salvador Dalí.
“Nada de Novo”
Com roteiro e direção dos Parlapatões e no elenco o trio Hugo Possolo, Alexandre Roit e Raul Barretto, “Nada de Novo” (1991) mostra palhaços que em um circo revisitado. Os atores brincam com gêneros, fazem malabarismos no escuro, como as cenas de Roit e Barreto, brilhantes, com bolas, garrafas e facas.
“Bem Debaixo de Seu Nariz”
Em uma das montagens de “Bem Debaixo de Seu Nariz”, em 1995, dois palhaços brincam de exibir atrações clássicas do circo e fazem improvisos. Hugo Possolo e Alexandre Roit parodiam números tradicionais de palhaços e de malabarismos Magrila (Possolo) enfrenta Mike Traça (Roit, um cabeludo de calção preto com listras vermelhas) numa luta de boxe recitando o nonsense: “Sushi/ sashimi/ …sarapatel”.
“De Cá pra Lá, de Lá pra Cá”
Em montagem de 1998, “De Cá pra Lá, de Lá pra Cá” descreve um dia na vida de três coladores de cartazes. Só que eles são palhaços e malabaristas. Alexandre Roit, Hugo Possolo e Raul Barretto manipulam vassouras, broxas e baldes, que sobem pelos ares, compondo a confusão da colagem de um cartaz. No final bolas acesas de malabares brilham no escuro.
Tags: circo roda, estetica, hugo possolo, jairo mattos, parlapatoes, raul barretto
Anote
Cachimônia, espetáculo de circo contemporâneo, inovador e irônico, vai estar nesse sábado, 27/9, no Teatro Flávio Império, às 16h, av. Professor Alves Pedroso, 600, Cangaiba.
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