Arte em Movimento
Vai dizer que você nunca desmiolou?
Lógica do absurdo aguça sensibilidade em “Desmiolações”
Mônica Rodrigues da Costa*
A lógica do absurdo prevalece em “Desmiolações” e ela produz as famosas epifanias que tornaram célebres escritos desde James Joyce até Clarice Lispector, insights que reinventam as meras ações cotidianas.
O espetáculo consiste na narrativa por três palhaços líricos, de histórias que exageram sentimentos insignificantes em sua aparência, mas ou engraçados ou angustiantes em vários momentos.
A palhaça Rubra (Lu Lopes) parece vestida da indumentária cerimonial da Primeira Comunhão, de branco, como os outros dois atores em cena, Paulo Federal (palhaço Adão) e Fernando Bolognesi (Comendador), todos da escola clownesca da diretora Cristiane Paoli-Quito.
O elenco encena short cuts, pequenas histórias em que crianças se encontram em situações de impasses existenciais, adaptadas do livro de Lu Lopes e Edith Derdyk (ilustrações) publicado pelo Sesi-São Paulo em 2013. Enquanto um deles fala, os outros fazem uma espécie de mímica para interpretar as ações propostas.
São narrativas poéticas que questionam o medo que o garoto João tem de monstros e corre para se esconder embaixo da mesa na casa da madrinha. Eis que vê que o nó da madeira do móvel assume a feição de um rosto e muda sua perspectiva.
Outra história descreve uma menina de cabeça de vento que prefere ficar parada ao observar ruas ou avenidas conduzirem sempre para o mesmo lugar. Ela poderia ser árvore, já que tem os pés fincados no chão.
A peça alterna projeções de videoarte e cenas ao vivo e interações entre filme e atuação ao vivo.
Chama a atenção no espetáculo o ritmo calmo dos palhaços, que fazem rir de paradoxos cotidianos com singeleza.
Atrás das cortinas
“Desmiolar” é quase uma palavra-valise no estilo de Lewis Carroll, cuja forma é receptáculo de variados sentidos figurados. No dicionário do erudito Houaiss, significa, entre outros, perder a razão. Para Marcelo Romagnoli, codiretor do espetáculo “Desmiolações”, ao lado de Lu Lopes, “é refazer um pensamento lógico, enxergar de outro jeito. A criança é craque em fazer isso: olhar o mundo de um jeito perspicaz”.
O diretor e dramaturgo da Banda Mirim, que comemora dez anos de existência em 2014, considera que a peça atrai adulto e crianças com o humor do palhaço. “Tem uma ironia, uma inteligência que pega esses dois públicos. Se você tem seis anos e gosta de espetáculos inteligentes, vai gostar dessa peça.” Você vai rir do quê? “De si mesmo, e acaba se vendo lá, é uma desmiolação de cabeça de criança e tem muito espaço para a criança se identificar”, fala Marcelo.
Romagnoli contou como foi o trabalho de dividir a direção de “Desmiolações” com Lu Lopes, destacando que o protagonista da montagem é o livro homônimo da atriz e palhaça.
Como identificar o trabalho de direção conjunta? Marcelo responde: “Meu papel foi fazer uma costura interna entre as histórias, criar as ações de cena para não ficarem só narrativas. Ainda que a narração tenha uma função forte no espetáculo, há uma linha de pensamento para os atores. Também [impus] um olhar estético de fora, porque a Lu, além de ser autora, de ter feito a concepção do espetáculo, e diretora, produtora, cenógrafa, além de trabalhar na trilha sonora, ela está em cena”.
Atualmente ocupando espaços de visibilidade e revendo a trajetória de sua companhia, Romagnoli lidera shows da Banda Mirim na capital paulista, apresenta 32 espetáculos do grupo em 16 CEUs em 2014, realiza oficinas, organiza exposição com maquetes das montagens do grupo e lança um livro com as sete peças até o momento produzidas, dois CDs (coletânea das músicas das peças, “Cartilha 1” e “Cartilha 2”) e uma revista também histórica com abordagem analítica. Tem patrocínio da lei municipal de fomento a grupos de teatro em 2014. Em outubro o novo show será “Festa”, com músicas que estão nos CDs, o que inclui composições inéditas.
Além do trabalho com Lu Lopes o diretor da Banda Mirim fez a adaptação para os palcos do livro “Felpo Filva” (editora Moderna), de Eva Furnari. A estreia ocorre no 2º semestre, com direção de Cláudia Missura, e no elenco, Gisele Calazans, Marat Descartes e outros atores.
*Mônica Rodrigues da Costa é jornalista, poeta e editora do selo Publifolhinha, da Publifolha.
Postagem: Alyne Albuquerque
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