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Engravatado, Raul Barretto estreia em “Nóis Otário[s]”
O parlapatão Raul Barretto apresenta-se em espetáculo inédito e concede entrevista ao Panis & Circus
O palhaço e ator Raul Barretto está mais uma vez em cena, dividindo o palco com Alexandre Bamba, Fabek Capreri, Rodrigo Mangal e Hélio Pottes, no espetáculo “Nóis Otário[s]”, com texto inédito e direção de Hugo Possolo.
A peça estreia em 23 de junho no Espaço Parlapatões, depois de ter sido apresentada no Festival Cena Brasil Internacional, em 16 e 17 de junho, no Teatro Sérgio Cardoso.
O enredo mostra o protagonista Luiz Carlos, presidente de uma ONG, envolvido em conflito do qual fazem parte também o senador Laudemar do Espírito Santo e seu assessor, um agente federal. Todos eles são submetidos a uma CPI.
Apresentado por atores engravatados – vestimenta típica de palhaços -, o texto faz alegoria da situação de cidadania brasileira. A população do país se cala enquanto problemas políticos de corrupção correm soltos, estampados nas manchetes dos jornais.
No site dos Parlapatões, Possolo define a peça como “uma subcomédia de autoengano que critica o individualismo”, que é resultado da forma hegemônica escolhida para a vida atual: o mundo globalizado movido pelo capitalismo tardio, mais competitivo e alienante do que formas anteriores da economia capitalista.
Em 23 de junho, após a estreia, será lançado o livro com a peça escrita, “Nóis Otário[s]”, de Hugo Possolo, publicado pela Editora Giostri.
O teatro fica à Praça Franklin Roosevelt, 158, tel. (011) 3258 4449. A peça é apresentada aos sábados, às 21h00, e aos domingos, às 20h00, com ingressos de R$ 40,00 (inteira) e R$ 20,00 (meia). “Nóis Otário[s]” fica em cartaz até 26 de agosto.
Link: http://www.parlapatoes.com.br/
Palhaço se mete na vida do ator Raul Raul Barretto e contempla o céu
Hugo Possolo e Raul Barretto, do grupo Parlapatões, Patifes & Paspalhões, são atores ou palhaços? Desse território intermediário, em que os gêneros da representação se confundem, os Parlapatões atiçam o público com piadas que ironizam a política, a violência, a publicidade, a própria arte e remetem à commedia dell’arte, ao circo e à bufonaria, com humor cáustico e de provocação à plateia.
Nesta entrevista, Raul Barretto, integrante desse grupo de dois artistas fixos e vários convidados, comenta a arte de ser palhaço, fala da infância e da história da companhia. Confira.
Panis & Circus – Ser palhaço e ser ator são a mesma coisa?
Raul Barretto – Acho o palhaço superior ao ator. Atingir o grau do palhaço é estar no patamar mais alto da arte de representar. Um bom palhaço é necessariamente um grande ator.
Você fazer rir e provocar a reflexão com o riso passa um pouco por isso. No meu caso a atuação vem a reboque do palhaço.
Circus – Os Parlapatões criaram uma escola?
Barretto – Existe uma maneira de operar que permeia o trabalho. Como a gente escolhe os parceiros que vão trabalhar com a gente? Através de uma sintonia, a pessoa necessariamente tem de ter convivido com a gente. A escola está nesse convívio.
Entrar em cena com os Parlapatões tem regras, como no futebol, mas nem sempre tão claras e já escritas, mas intuídas. O cara aprende a jogar com a gente, não sei se é uma escola propriamente dita.
De alguma forma é um aprendizado, o cara vai apurando e depurando esse jogar.
Circus – Você é um palhaço branco ou excêntrico?
Barretto – Se contraceno com Hugo, que é mais excêntrico, sou o branco, mais da autoridade ou razão, o que vai trazer a ordem. O excêntrico instala a desordem.
Circus – A relação dos Parlapatões com o gênero circo é historicamente crítica e vocês têm o Circo Roda em parceria com a Pia Fraus.
Barretto – O circo é uma atividade caríssima no Brasil e não reconhecida como atividade de arte, é relegada quase a um plano de miséria por parte dos órgãos públicos.
Quando Hugo foi coordenador nacional de circo na Funarte, de alguma forma, valorizou um pouco o status que o circo vinha tendo. Hoje, embora tímidas, há dotações de verba específicas para circo.
São tímidas porque envolvem valores muito altos. A gente ainda está preso à CCR, que nos banca há cinco, seis anos.
O teatro é uma aventura mais permanente na minha vida. Sem o patrocínio, a gente jamais teria se aventurado no circo.
Circus – O que fica do circo no trabalho dos Parlapatões?
Barretto – O circo ficou impregnado na gente mais no âmbito do palhaço, do bufão. O circo namora mais com o entretenimento.
Circus – O circo é absorvido como estilo de atuar?
Barreto – A gente vendeu a lona do Circo Roda e construiu um centro de treinamento que, por ser espaço físico permanente, pode ser um espaço transformador para a cidade. Nesse aspecto, ter tido uma lona aponta um futuro mais permanente para nosso convívio com a arte circense.
Circus – Você sugeriu para a coluna Bom Bocado o Barrettão. Onde o consumiu?
Barretto – Quando eu montava circo e ficávamos em quatro ou cinco armando a lona, às vezes, até a estrutura, era um Barrettão para cada um, não tinha almoço. Trata-se de uma barra de cereal bem reforçada.
Início da carreira
Raul Barretto disse começou a usar a linguagem do circo com o grupo Manhas e Manias e que a experiência com Antônio Nóbrega o amadureceu como artista. “Minha cultura se modificou. Acompanhei as pesquisas do Nóbrega durante sete anos.”
Circus – O começo?
Barretto – Eu fazia teatro com Paulo Autran. Minha primeira peça foi com o grupo carioca Manhas e Manias, em que tinha muito circo.
A semente circense vem do Manhas e é reforçada quando Nóbrega resolve me levar pro circo, com a atriz e dançarina Rosane Almeida.
A paixão pela riqueza cultural brasileira, sobretudo popular, vem muito do convívio com Nóbrega.
Em 1985 fomos para Chalon, na França, estudar umas coisas de palhaços. O Circo Escola Picadeiro foi paralelo, lá era a arte circense mesmo.
Circus – Formação?
Barretto – Não fiz curso de teatro, sou o rei das oficinas. Onde tinha oficina eu fazia. Minha formação é autodidata e lacunar, não tive a formação tradicional, de cinco anos estudando teatro, que é tendência do ensino hoje, que não quer mais ser cumulativo ou hierárquico, você se aprofunda em alguns assuntos, de acordo com seu interesse e pesquisa.
Circus – Como foi sua convivência com Antônio Nóbrega?
Barretto – Íamos anualmente para Recife, a Paraíba, o Ceará. Pernambuco tinha uma rixa com a Bahia, então, a Bahia nunca foi alvo de pesquisa aprofundada, o poderia ser porque tem rico manancial.
O pernambucano me levou mais para Pernambuco, que sintetiza a cultura ibérica, a cultura indígena, em parte, a cultura holandesa, a cultura negra. Tem lá o maracatu, o caboclinho, esses folguedos todos, que enriqueceram minha visão do Brasil.
Circus – O que fica?
Barretto – Cada um tem sua história. O que mais fica em mim é a relação com o espectador. Pra mim isso é o mais importante, a gente continua fazendo humor no sentido de transformação da sociedade, na direção de um mundo melhor ainda que na prática a gente viva numa cidade que continua se degradando ano a ano.
Quanto ao palhaço, ele enxerga numa ponta outra coisa, então a perspectiva é que nos próximos anos a gente continue com essa mesma virgindade em relação ao olhar, em relação à trajetória, em relação à linguagem, de buscar não se repetir.
Infância entre o interior paulista e a capital e o futuro
Raul disse que cresceu entre a fazenda e a cidade de São Paulo. Como todo menino de sua época, que viveu a infância na década de 1960, caçava passarinhos, pescava e pedia à mãe índia, da colônia, para preparar os pratos.
Sua família tinha uma fazenda em Tirapina, entre Rio Claro e São Carlos, e o paulistano experimentou a vida rural.
Barretto é um sonhador e gosta do azul. Recitou para o site Panis & Circus poema que você lê abaixo, sobre essa cor, de Carlos Pena Filho.
O que vem por aí, nos próximos anos? Raul crê-se ao lado de ambientalistas, especialmente porque recentemente se tornou pai de Aurora.
Os planos incluem olhar para o planeta e a arte do mesmo ângulo e esperar para uma grande virada de jogo da humanidade.
“A perspectiva de nosso mundo de palhaço passa por isso. Palhaço é aquele que vê o mundo com olhar infantil, que tenta preservar o olhar infantil.”
Circus – Onde você nasceu?
Barretto – Em São Paulo mesmo. Minha infância foi rica de experiências, o inverno na fazenda e o verão na praia. Para mim o paraíso no Brasil é Florianópolis, onde se conciliam campo e praia numa ilha só.
Em São Paulo tive o privilégio de conhecer o campo, tirar leite da vaca às cinco da manhã, caçar passarinho.
Eu era assassino, matava todos os passarinhos no pio, e tinha o litoral pra pescar.
Eu comia tudo que pescava e caçava. Comia rolinha, seriema, sabiá. A cozinheira da sede da fazenda não preparava porque dizia: “Você vai comer essas porcarias?”.
Eu levava a caça para a casa da Nika, na colônia, que era a minha mãe índia. Quando tinha de preparar uma seriema, era a Nika, que ela fazia direitinho, adorava, achava que aquela comida era boa. Só a codorna podia ser cozinhada na casa grande.
Circus – O que na infância o fez se tornar o que é?
Barretto – Difícil de responder. Não consegui, por exemplo, identificar um mestre só. O que me fez o que sou foi olhar para o céu. Fui um moleque que olhava muito para o céu, até hoje, onde estou, gosto de olhar pro céu, detesto cidade que não tem horizonte.
Em São Paulo, faço caminhos por lugares que me dão horizonte ou árvores. Primeiro, meu sonho de infância era ser astronauta.
O céu na minha vida esteve muito presente, sempre olhei para cima e continuo essa criança que olha pro céu, e esse meu palhaço está sempre olhando pro céu em busca, talvez, do planeta novo, ou talvez intuindo que a Terra não está absorvendo nosso tamanho aqui. Continuo sonhando com o mundo perfeito, a Terra perfeita.
Futuro com Aurora
Circus – Aurora é o início do futuro.
Barretto – Sempre resisti a constituir família ou ao fato de ter um filho. Sou cético e pessimista em relação ao futuro da humanidade, acho que nossa geração vai testemunhar inescapavelmente, nos próximos 30 anos, que são definitivos na história da humanidade… ou a Terra racha ou vai se encontrar uma solução através de uma consciência ética da humanidade para chegar a um ponto de equilíbrio.
Isso para dizer que eu não queria ter filhos, preferiria adotar um filho, tem muita criança carente de amor. É uma atitude egoísta você ter um filho da mesma sanguinidade, não ligo para a continuidade dos Pereira Barretto.
Mas acabou nascendo a Aurora na minha vida. Tive uma filha, ela está com um ano agora, e isso de alguma forma transforma minhas perspectivas de futuro.
Toda a minha anarquia, minha despreocupação com o futuro, esse ser cigano do palhaço, de viver do presente, acaba, de alguma forma.
A perspectiva dos próximos 30 anos – para ela são os próximos 90… Aurora é minha cara, tem olhos azuis…
Então, a lógica agora de quem são os Parlapatões nos próximos 30 anos está impregnada dessa cria.
Não quero criá-la ela como sendo a filha do Raul, a filha do palhaço, ela é uma cria do mundo para efetivamente participar dessa transformação ou sucumbir nos caminhos que a humanidade trouxe até a Terra.
Circus – Como você imagina o futuro?
Barretto – Acelerado. Eu me formei em engenharia em 1982 e aprendi em 1977, 78, quando entrei na faculdade, a fazer conta com a régua de cálculo. No meu ano básico, a máquina de calcular não era bem aceita, era vista meio como esquisitice. Fui ter uma HP para usar em engenharia no terceiro ano da faculdade.
Fui testemunha que a Olivetti botou a margarida na Práxis. Foi uma revolução na máquina de escrever, não era mais cada ferrinho com uma letra, era uma bola com todas as letras. Se hoje é peça de museu, essa revolução tecnológica deu-se em 20 anos, imagine daqui a mais 20…
Poema preferido
Raul Barreto afirma que o grande poeta Carlos Pena Filho (1929-1960) tinha fixação pela cor azul e morreu sem saber que a Terra era azul. “Um dos poemas que mais gosto dele é o ‘Soneto do Desmantelo Azul’, que está em ‘O Livro de Carlos’, que tem capa azul.”
Ele morreu antes de Yuri Gagárin (1934-1968) subir ao espaço e dizer: “A Terra é azul”. É assim:
Soneto do Desmantelo Azul
Então pintei de azul os meus sapatos
Por não poder de azul pintar as ruas,
Depois, vesti meus gestos insensatos
E colori as minhas mãos e as tuas.
Para extinguir em nós o azul ausente
E aprisionar no azul as coisas gratas,
Enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.
E afogados em nós, nem nos lembramos
Que no excesso que havia em nosso espaço
Pudesse haver de azul também cansaço.
E perdidos de azul nos contemplamos
E vimos que entre nós nascia um sul
Vertiginosamente azul. Azul.
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Anote
Cachimônia, espetáculo de circo contemporâneo, inovador e irônico, vai estar nesse sábado, 27/9, no Teatro Flávio Império, às 16h, av. Professor Alves Pedroso, 600, Cangaiba.
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