Arte em Movimento
Em cartaz, peça de Maiakóvski com Academia de Palhaços
Comediantes enfrentam dilúvio e comentam sobre mundo globalizado
Vladimir Maiakóvski (1893-1930) estreia com a jovem companhia Academia de Palhaços, que apresenta “O Mistério Bufo”, de 1918, reescrito/remontado em 1921.
A peça estreia no teatro João Caetano em 6 de julho.
O grupo e um pianista ensaiam há quase dois anos nos espaços Os Fofos Encenam e Condomínio Cultural, na capital paulista; este último se tornou sua sede nesta temporada.
Com direção de Fernando Neves, Laíza Dantas, Breno Tavares, Bruno Spitaletti, Rodrigo Oliveiras e Paula Hemsi preparam o espetáculo desde a formatura em teatro, na Unicamp.
Marcelo Bonvicino é o pianista. Leopoldo Pacheco e Carol Brada assinam cenografia, visagismo e figurinos.
“O Mistério Bufo” foi apresentado em algumas cidades do interior de São Paulo antes da estreia na cidade, no primeiro semestre de 2012.
Laíza, Breno, Bruno, Rodrigo e Paula representam 30 personagens e imprimem neles traços do palhaço e das peças de circo teatro apresentadas nos picadeiros brasileiros até a década de 1960.
A peça, do poeta dramaturgo, também artista plástico de vanguarda, nascido na Geórgia, interlocutor de Meierhold, Burliuk e Klhliébnikov, tem como assunto o final do mundo após dilúvio, em que há sobreviventes famintos, que antes eram trabalhadores braçais sem pátria. A missão é construir uma embarcação para que todos se salvem.
Nas cenas, aparecem anjos e demônios no inferno – alusão a Dante Alighieri (1265-1321).
A direção tipifica os personagens e o elenco interpreta burgueses de vários países, sete pares de personagens chamados de “puros” e sete pares de “impuros” em esquetes de teatro de revista e números de cortina. Em geral, esses últimos números são apresentados entre troca de atrações no picadeiro tradicional.
O ator Rodrigo Oliveiras disse que o encontro com o diretor Fernando Neves serviu para unir trajetórias artísticas sobre a teatralidade circense e popular, pesquisadas pelo grupo.
O texto da montagem tem tradução da atriz Laíza Dantas. Maiakóvski criou “O Mistério Bufo” para comemorar o primeiro aniversário da Revolução Comunista na Rússia. Critica as classes sociais e comunidades internacionais na primeira metade do século 20.
Há oito canções compostas para o espetáculo, coreografias, esquetes e conversas dos palhaços. Deduzindo dos ensaios, a peça não se preocupa com a verossimilhança, mas salienta referências históricas reais.
“Puros e impuros se unem para salvar a própria pele e, assim, revivem a história da humanidade: conchavos, reis tronados e destronados, senados constituídos e dissolvidos e exploradores versus explorados. Os conflitos se desenvolvem até a chegada de um homem do futuro, que indica qual é o caminho para uma terra onde a felicidade é possível”, sintetiza o press-release do espetáculo.
O diretor Fernando Neves disse que procurou privilegiar o escracho e o deboche para satirizar e propor reflexões sobre o Brasil.
Qual é gênero dessa peça? Da perspectiva de Peter Szondi no livro “Teoria do Drama Moderno” (Cosac Naify, 2011), ela dialoga com o drama de estações e tem viés épico, comenta a história e sobre o Brasil, a Europa, a China, em forma de alegorias. A construção das imagens é poética, tem a metáfora em primeiro plano.
O humor entra como comentário. O mundo globalizado está em cheque em modelo dramático que rompe convenções do teatro burguês.
Maiakóvski recomendava que a peça fosse atualizada pelos atores do futuro e usava técnicas circenses em seus espetáculos.
Academia de Palhaços ensaia peça em prédio em ruínas
Prédio em reforma em condições precárias abriga artistas com obras em construção. Fascina por ser antigo e pelo ar de demolição. A atmosfera compactua com a vitalidade juvenil do grupo de cinco atores Academia de Palhaços.
A reportagem do Panis & Circus entrevistou três deles nesse prédio, em dezembro de 2011, no bairro paulistano da Pompeia – antigo hospital, adquirido por casal empreendedor que edifica lentamente ali o Condomínio Cultural, deixando marcas das ruínas nas reformas que realiza.
O grupo, de 22 a 24 anos, graduado em 2010, ensaia três vezes por semana com o pianista e o diretor. Para montar a peça, a companhia ganhou fomento do PROAC, de cem mil reais, por oito meses de produção de espetáculo inédito.
O elenco é paulistano (somente Rodrigo é de Atibaia) e inicia vida profissional orientado por craques do circo e do teatro.
O músico Marcelo Bonvicino criou arranjos, ao lado do pianista Felipe Lesage, a partir de canções de Bruno.
Segundo Laíza, a montagem explora a imersão do enredo no tempo da música. “Tem que ter o tempo cômico musical junto com o ator”, diz. A tradutora do texto dramático interpreta a palhaça Maritaca na companhia.
Confira o que Bruno, Breno e Laíza contaram sobre como conceberam, junto com Fernando Neves (“Assombrações do Recife Velho”, 2011), a montagem do texto dramático de Maiakóvski para picadeiro apresentado no teatro.
Leia nesta entrevista sobre técnicas e métodos de trabalho dos jovens artistas
Panis & Circus – Vocês são palhaços ou atores?
Breno Tavares – Somos um grupo de teatro e de palhaços. Temos espetáculos de palhaços e cada um de nós representa um palhaço. Estamos sempre atrás de parceiros, diretores, músicos, orientadores para guiar nosso trabalho.
Na trajetória vários mestres já ajudaram: Ricardo Puccetti, do Lume, em Campinas; Luiz Monteiro, professor de circo da Unicamp, que começou com a gente [foi o orientador] essa pesquisa do palhaço em 2008. Nós nos formamos em 2010.
Circus – Como é possível que palhaços, típicos da cultura popular, de inteligibilidade de amplo alcance, representem “O Mistério Bufo”, do Maiakóvski, que é poético, um texto denso e difícil?
Breno – Realizamos a mistura…
Bruno Spitaletti – No teatro e no circo teatro, o jeito de atuar é semelhante e isso dá estofo para fazer qualquer coisa depois. Mesmo o teatro realista, ou o de Tchékhov, alguma coisa assim, porque a forma de atuação lhe dá coisas interessantes, por exemplo, o circo teatro trabalha o palhaço com a concretude das ações, trabalha o tempo com precisão.
Outro exemplo: não há ator de circo que fica com crise, o cara faz chorar copiosamente uma plateia de 400 pessoas e ele não está sentindo nada, tem domínio da voz, da pausa, da posição [no espaço] e sabe quem ele vai atingir.
Você não tem de sentir nada, quem tem de sentir é quem assiste. Você tem de ter controle da atuação de modo concreto. Uma vez comentaram com o Anthony Hopkins que ele tinha dado um olhar especial em determinado filme: “Nossa, foi o olhar mais profundo que você já deu, no que estava pensando?”. Hopkins respondeu: “Eu pensava no meu almoço”. [risos]
Circus – Quando e como começaram?
Bruno – A gente divide funções burocráticas do dia a dia. Cada hora inventa um jeito para conseguir se sustentar. A gente é relativamente novo, faz cinco anos que começou, na faculdade, e queria pesquisar a linguagem do palhaço. Breno tinha feito um curso muitos anos atrás…
Breno – Eu estava no 1º colegial, em 2005, 2006. No princípio, cada um tinha uma experiência com palhaço, com teatro, com jogo e palhaço. A gente foi se reunindo e surgiu a primeira peça.
Bruno – A gente pesquisa várias linhas de palhaço e tenta entender o que são, e, atualmente, o que ficou mais forte foi o palhaço de circo, sobretudo, o brasileiro. A primeira pessoa que explorou isso foi o Luiz Monteiro, que era nosso professor de circo na Unicamp, somos a turma sete a se formar. A Paula é da turma cinco. Era esquisito no início porque a gente não tinha contato com esse mundo, mas achou legal e aprofundou a pesquisa.
Breno – Até então conhecia o clown teatral.
Circus – Quantos espetáculos já fizeram?
Bruno – Na faculdade, uns três números de palhaços, que a gente mesmo inventou, no espetáculo “A Academia de Palhaços se Apresenta”. São entradas de palhaços, clássicos.
Laíza Dantas – Um número partia da acrobacia e outro do malabarismo. O do malabarismo virou uma disputa amorosa entre dois palhaços por uma palhaça. O outro era disputa de acrobacias. A gente criou jogos. Esses números foram a primeira aproximação com [a linguagem do] o palhaço.
Bruno – A gente chegou à conclusão de que queria inventar a roda, e não tem muito o que inventar. A tradução [de “O Mistério Bufo”] é boa nesse sentido. Então começou a criar outro número. Você pega o pouco que tem de registro escrito, lê e vê onde está a graça, qual é a onda daquilo.
Breno – Tristan Rémy descreve várias entradas, são um aprendizado. Aquelas entradas… Foi aí que a gente montou mais três números: o da pulga acrobática, o das mulheres amigas e o do espelho quebrado, que são meio brincadeiras de mímica.
Circus – Como é o número do espelho?
Bruno – O clown fala pro [palhaço] tony buscar o espelho porque ele precisa se arrumar, por qualquer motivo, assim, uma festa. “Traz o espelho pra gente se arrumar.” Aí o tony quebra o espelho e, pro clown não perceber, finge que é o reflexo do clown. Vai ficando tudo errado. Ao final, o clown percebe, dá um monte de porrada e acaba, é muito bom.
Mas é difícil de entender que é outra história, você sendo ator com cabeça stanislavskiana. Enquanto conhecíamos essa linguagem, encontramos Fernando Neves.
Na época ele dava um curso de circo teatro, a gente achou legal e, no último ano, trouxe Fernando para orientar nosso trabalho. No final da faculdade houve o espetáculo de formatura. Aí ele começou a trabalhar mais forte essa coisa do palhaço do circo e dos tipos de ator, máscaras do circo teatro.
Circus – Quais são as máscaras?
Bruno – Tem o cômico, o galã, o baixo cômico, a dama galã. Cada uma representa um tipo. O galã tem uma coisa meio malvada, faz papel de cínico nos dramas, por exemplo.
Laíza – Isso foi um marco pra gente porque há, na dupla de palhaços, o clown, que seria o baixo cômico, e o tony, que seria o cômico. Por exemplo, o Bruno é o cômico e o Breno, o baixo cômico, eles formam uma dupla de palhaços perfeita.
Antes o Breno fazia papel de tony e, quando a gente descobriu que ele era baixo cômico, ele percebeu que fazia um trabalho que não era o trabalho dele. Era bom o que fazia, mas não era natural. Então ele começou a fazer outro trabalho.
Breno – Essas divisões, essas máscaras, têm a ver com o jeito da pessoa de atuar. Quando a pessoa se apresenta, quando é ator cômico, há certas características em cena. Quando é baixo cômico, existem outras. O galã já revela o que é um ator que é o galã.
Circus – Como são as peças da Academia de Palhaços?
Bruno – Nossos números têm a ver com os números cômicos de palhaços tradicionais.
Circus – No andamento do trabalho na faculdade vocês entraram em contato com as comédias do circo teatro.
Breno – No espetáculo de formatura que a gente está montando agora, “O Mistério Bufo”.
Bruno – Perguntamos a Fernando o que ele ia propor. Achamos que proporia uma comédia do circo teatro, mas ele falou: “O Mistério Bufo”, do Maiakóvski – peça que sempre quis montar, mas não sabia como. Ele falou: “Usando a linguagem do circo teatro e um pouco do teatro de revista, vou conseguir montar”. Fernando Neves não queria fazer um trabalho de museu, uma peça tal qual era feita em 1900 e bolinha.
É uma peça comemorativa que Maiakóvski escreveu em homenagem à revolução bolchevique. Há uma versão de 1918 e outra de 1921.
Circus – Cômica?
Laíza – Comédia.
Breno – É uma epopeia, tem muitos momentos de epopeia.
Bruno – Ele [Maiakóvski] fez a primeira versão, foi uma catástrofe. A segunda fez sucesso. É basicamente a história da revolução.
Breno – Resumindo, acaba o mundo, sobram os ricos e os pobres num polo, que está alagando, é o dilúvio, quem conseguiu sobreviver morreu no polo. Eles querem sair de algum jeito de lá, então, decidem que vão fazer uma arca pra continuar vivos por mais um tempo.
Bruno – Nela tem de ter algumas regras… Na montagem, o ator de circo representa os puros.
Breno – Há o rei da Abssínia e os povos do outro lado: os camponeses, trabalhadores, mineradores.
Bruno – O alemão, o papa, o rei, o judeu são figuras do poder.
Laíza – Nessas eles têm de descobrir as relações que uns têm com os outros. Eles tiveram a ideia de montar uma arca, os ricos querem ir pra arca sozinhos, mas não têm como trabalhar pra construir essa arca.
Eles chamam os impuros para construir a arca e aí surgem as disputas, por exemplo, por comida, porque eles estão passando fome, então, vão dar um jeito.
Bruno – Eles têm que definir se vão ter governo… os próprios puros elegem o rei e veem que aquele rei abusa do poder, então, eles matam o rei. Falam: “Agora a gente vai fazer um regime parlamentar”. Eles fazem o regime parlamentar. Só que os impuros saem prejudicados, veem que o Parlamento abusa do poder e matam todos os puros. Ficam na arca no meio do oceano, perdidos, não sabem o que fazer, então, vem a figura dum profeta e fala que, para eles chegarem à terra prometida deles, que, no caso, é o ideal comunista, têm de atravessar o céu e o inferno. Então, eles passam com a barca pelo céu, pelo inferno, até que, no final da peça, chegam à terra prometida.
O texto é esse e é bem forte, acabou sendo um desafio montar porque também tem coisas um pouco datadas. Até certo ponto é pertinente, mas chega uma hora em que começa a ficar datado, a situação do paraíso e da terra prometida é bem o paraíso comunista deles.
Circus – Como o palhaço trabalha essas situações e as faz engraçadas?
Bruno – É um texto que tem muitos personagens.
Breno – Dezesseis puros, oito impuros, o capeta, o Matusalém, tem muitas figuras, a foice e o martelo, a locomotiva, as ferramentas, e são cinco atores…
Laíza – Cada um faz uma figura. É tipificado. Por exemplo, os puros, o francês, o alemão. Aí surgem os impuros. A gente trabalha o coro com os impuros. A comédia não está só na gente, mas também na música. Que é pontual. O Fernando sempre fala que ela está ali como mais um personagem. São cinco atores mais a música.
Bruno – É como era feito no circo teatro. O ator triangulava, o piano marcava, por exemplo, isso caiu no chão e correu, tem uma marca do piano então.
Breno – Momento feliz, música feliz; momento triste…
Bruno – Tudo ajuda a dar conta de fazer um texto desses. A ideia do Fernando de trabalhar aproveitando as técnicas de palhaço no texto não fica panfletária e chata, tira um pouco o peso, a gente acha até esquisito montar esse texto com seriedade.
Breno – A gente tira sarro de tudo. Primeiro, tira um sarro porque Maiakóvski tira sarro dos puros. No texto ele devora mesmo. A gente também ironiza os revolucionários, os impuros, virou um jogo.
Laíza – Muito do que Fernando fala é que as cenas são várias entradas, como se fossem entradas de palhaço. Por exemplo, tem cenas em que o Breno e eu precisamos estar lá fora para nos trocarmos. E agora? Faz um número de cortina, bota alguém na frente pra dar uma distraída pra gente ter tempo de se trocar e aí entra pra fazer a cena. O palhaço também está na condução da história.
Circus – Nesse número de cortina a temática é de “O Mistério Bufo”?
Laíza – Tem o número de cortina do alemão que tem a ver com cerveja, não tem muito a ver com a história da peça, mas, sim, com aquela figura que está ali.
Bruno – É fazer corda, inventar história, brincar com a plateia pra dar tempo de funcionar a engrenagem da peça, então, faz alguma coisa aí, qualquer coisa, dança, canta, faz uma música.
Circus – Vocês fazem números como de malabarismo ou trapézio?
Bruno – Só de palhaços. Não é uma peça que a gente monta de nariz. Do palhaço, a gente usa os recursos, afinal, como a gente é palhaço, não tem muito como tirar isso, mas segue essa lógica do circo teatro para a construção de personagem.
O texto é enorme, tem horas em que é escrito com muitos versos, fica difícil, são muitos personagens, é um jogo de lógica [conciliar tudo].
Tem uma hora em que estão todos os puros e impuros juntos conversando. Como faz isso em cinco? Resolver isso gasta tempo.
Breno – A gente ensaia três vezes por semana e ainda tem coisa.
Laíza – Trabalhamos como palhaços com as coisas que a gente arranja. Surgiu uma parceria com o teatro de Santana do Parnaíba em 2011, o Bruno levou peças, a gente se apresentou. Gostaram do trabalho e chamaram a gente para outra apresentação e foi indo, foram sete apresentações.
Bruno – Primeiro foi “A Academia de Palhaços se Apresenta”, que é o nome do espetáculo, com duplas de palhaços. Só que eles queriam mais, e a gente, então, fez “A Academia de Palhaços Vai ao Casamento”.
A gente fez uma cerimônia de casamento só que botou números de palhaços, paródias, “A Academia de Palhaços e os Cavaleiros da Távola Redonda”. Aproveitava que tinha conseguido um castelo de que alguém estava se desfazendo, então, tinha torres de castelo, roupas medievais.
Breno – Tem “A Academia de Palhaços Vai à Praia, “…Tira Férias”. A gente pega números que sabe fazer e introduz outros que não sabe ainda fazer e trabalha. A gente trabalhou números de sonâmbula, abelha abelhinha, a caça…
Bruno – É interessante fugir da estrutura de ter de lona, biombo e números de palhaço.
Breno – Começou assim: a lona no chão, um biombo atrás, a gente ia para trás, daí apresentava.
Cada um tem nome de palhaço. Breno é Cauleto; Bruno, Lino, Rodrigo é o Chocrute e a Paulinha é a Maria Eugênia.
Circus – Nesses números de palhaços há música ao vivo?
Bruno – Quando não tem, tem trilha gravada, às vezes de circo tradicional, outras vezes, não.
Laíza – No “Vai Atrás’’ tem Mamonas Assassinas, Ultraje a Rigor.
Bruno – “O Acampamento” tem uma balada, tipo conversa em torno da fogueira; “O Casamento” tem marcha nupcial, é uma salada.
Breno – Tem as músicas das bandas militares, que o circo usa bastante.
Circus – Como foi o trabalho de tradução?
Laíza – Traduzi a segunda versão do inglês, que a gente tinha, e consultamos a primeira versão de “O Mistério Bufo”.
Circus – Você também é músico?
Bruno – Não sou músico, mas arranho. Criei partes da música de “O Mistério Bufo”, a peça é toda acompanhada por piano. Há partes do piano que fazem as marcações, de “triangulou”, “olhou”, “marcou”, e as canções da peça.
A gente canta bastante no espetáculo e precisava de música desde a formatura. O Fernando sugeriu beber no teatro de revista. Tem uma cena que você não sabe muito como resolver? Bota uma canção, alguém cantando, uma música divertida, como o teatro de revista gostava de fazer, uma música que prende a atenção das pessoas.
Fiz todas as canções de “O Mistério Bufo”, elas têm a ver com o estilo do palhaço, charanga, musiquinhas simples, mas que passam diretamente a mensagem, você sai cantando, é popular.
Breno – A ideia é a identificação, reconhecer…
Bruno – Em “O Mistério Bufo” a gente trabalha em cima disso, se você não pode ter dúvida quando entrou, já sabe se o personagem é mau, se é bom, no caso, como são as pessoas de vários países. Quando entra, por exemplo, o judeu, você já entendeu que ele entrou. Você bateu o olho no chinês, não tem dúvida de que aquele é o chinês. Isso cria identificação de bate pronto.
Breno – Hoje parece que tudo pode, mas as regras da gente são ter identificação, ser fácil e ágil.
Bruno – Regras do circo teatro o Fernando passa pra gente.
Laíza – Tem de ter precisão. Se há uma coisa que foge do assunto, mesmo que você não tenha conhecimento da linguagem, percebe algo errado. No mínimo, perdeu a graça.
Circus – 2012 e o futuro?
Bruno – Continuar esse trabalho, nessa linguagem. É complicado conseguir financiamento para a arte de palhaço porque falta, às vezes, currículo. Mas isso está sendo bom porque a gente tem liberdade de, por exemplo, enfiar um castelo na cena e fazer uma paródia.
Em uma semana a gente monta uma peça. É o que o circo traz de bom. Não é que monta [rápido] porque é picareta, você usa regras, que são claras e não pode fugir delas. Tem a entrada, que é assim ou assado, a estrutura; cada vez mais a gente se apropria dessa linguagem.
Bruno – Neste ano, a gente quer fazer o número do carro que desmonta.
Circus – O que sugerem para a receita da seção Bom Bocado, do Panis & Circus?
Breno – Batatinha chips do Circo Tubinho, daquelas que vêm num saquinho de papel.
O comediante Fernando Neves
Fernando Neves viveu até os 10 anos de idade no picadeiro de sua família, a Neves, até os anos 50. Trouxe para o teatro popular paulista a linguagem do circo e do circo teatro. Foi assim com “O Médico e Os Monstros”, que dirigiu para o grupo La Mínima, com Domingos Montagner e Fernando Sampaio.
Neves disse que considera o palhaço um transgressor, porque sempre responde a uma pergunta de forma que não se espera. O diretor e ator quer resgatar o estilo dos comediantes históricos, como Oscarito, Dercy Gonçalves e Grande Otelo ao realizar a comédia “O Mistério Bufo”.
Currículo
Formado em Letras pela Universidade de São Paulo, iniciou carreira no teatro e dança na década de 70. Atuou nos espetáculos “A Guerra Santa” (Gabriel Villela); “O Estranho Casal” (Celso Nunes); “Maria do Caritó” (João Fonseca); e “Hécuba” (Villela). Com o seu grupo, a cia. Os Fofos Encenam, atuou em “Deus Sabia de Tudo e Não Fez Nada” e “Assombrações do Recife Velho”, ambos com direção de Newton Moreno.
Dirigiu “Mulher do Trem” e “Ferro em Brasa”, de circo teatro, e “Auto de Natal Caipira” (C. A. Soffredini). Recebeu o Prêmio Governador do Estado de São Paulo, de Melhor Ator, por “Lampião e Maria Bonitinha no Reino do Divino”, no Festival de Teatro do Vale (São José dos Campos), e o Prêmio Qualidade Brasil, de Melhor Ator, por “Assombrações do Recife Velho”.
Lista de trabalhos da Academia de Palhaços
“A Academia de Palhaços se Apresenta” – Estreia em 2008, com orientação de Luiz Monteiro.
“Vespas” – Estreia em 2009, com direção de Isa Kopelman; adaptação de “As Vespas”, de Aristófanes.
“Balão, Balão; Beijo, Beijo” – Em 2009, espetáculo foi criado com o prêmio do edital Fundo de Incentivo à Cultura, de Campinas, com orientação de Verônica Fabrini e inspirado no livro “Fragmentos de um Discurso Amoroso”, de Roland Barthes.
“Reciclonices” – Em 2010, foi montado com o prêmio do edital de Chamamento SESI, com direção de Charles Giraldi. Realizou 32 apresentações em 16 cidades do interior de São Paulo. Em 2011 “Reciclonices” integrou a Virada Cultural de São José dos Campos e foi premiado pelo 1º Circuito SESI–RJ de Teatro Infantil, viajando pelas cidades de Duque de Caxias, Macaé, Itaperuna, Campos de Goitacazes e Rio de Janeiro.
Assista à peça “O Mistério Bufo”
Ficha técnica
“O Mistério Bufo” – Texto: Vladimir Maiakóvski. Tradução: Laíza Dantas. Direção: Fernando Neves. Elenco: Academia de Palhaços, com Breno Tavares, Bruno Spitaletti, Laíza Dantas, Paula Hemsi e Rodrigo Oliveiras. Músico: Marcelo Bonvicino (piano). Assistente de direção: Kátia Daher. Cenografia, visagismo e figurinos – Leopoldo Pacheco e Carol Badra. Direção das vozes: Vânia Pajares. Direção musical: Fernando Esteves. Inserções de vídeo e coordenação visual: Carlos Roncoleta. Produção: Carolina Vidotti.
Serviço
Estreia – 6 de julho, às 21h00, no Teatro João Caetano. Duração: 90 minutos. Espetáculo recomendável para maiores de 14 anos. Temporada: sextas e sábados, às 21h00, e domingos, às 19h00. Ingressos: R$ 10,00 e R$ 5,00 (meia-entrada). Até 29 de julho.
Teatro João Caetano – Rua Borges Lagoa, 650, Vila Clementino (próximo à estação Santa Cruz do metrô). Tel.: (11) 5573-3774. Bilheteria abre uma hora antes do início de cada apresentação. Ingressos também pelo telefone (11) 4003-2050 ou site www.ingressorapido.com.br. Capacidade do teatro: 438 lugares.
A montagem de Maiakóvski
A peça “O Mistério Bufo” foi encenada por Meierhold, uma das grandes personalidades do teatro russo. Segundo Silvana Garcia, no livro “As Trombetas de Jericó” (Hucitec, 1997), e textos de Schnaiderman e Edilene Dias Matos no “Dossiê Maiakóvski” (PUC/SP), Maiakóvski foi leitor voraz de Marx e Engels e de literatura e integrou o grupo dos cubofuturistas russos. Escrevia cartazes em favor da revolução de 1917.
Valendo-se da típica ironia de Maiakóvski, engajado na implantação da revolução comunista em seu país, e criticando os sistemas sociais, a peça compartilha o tema da política com poemas como “Cidadão Fiscal de Rendas” e “A Plenos Pulmões”, traduzidos por Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Boris Schnaiderman (“Poesia Russa Moderna”).
“O Mistério Bufo” foi montado em 25 de outubro de 1918, em Petrogrado, com direção de V. Meierhold e cenários de Casimir Maliévitch, pintor suprematista – pintura moderna russa. O espetáculo foi suspenso depois de três sessões. Em 1921, o dramaturgo e poeta apresenta nova versão de “O Mistério Bufo”, também com direção de Meierhold, e realiza cerca de cem apresentações.
Segundo Matos, Maiakóvski foi introduzido no mundo circense pelo palhaço Lazarenko, escreveu pantomimas e peças cômicas para o palhaço e escreveu e dirigiu o espetáculo circense “Moscou Incendiado”, em 1927. “O Mistério Bufo” (1918) foi marco de um novo teatro.
Escreveu Matos: “Nessa peça, Maiakóvski insere o mundo no espaço de um circo. Intercalando números circenses e de musical-hall, escancara o choque de classes e o conflito ideológico ao relatar a viagem alegre de um grupo de operários que, depois do dilúvio revolucionário, se liberta de seus opressores parasitas e chega à terra prometida, após ter passado pelo inferno e pelo paraíso”.
Link sobre Maiakóvski: http://www.apropucsp.org.br/revista/rcc01_r10.htm
Condomínio Cultural
Palhaços entre paredes que sobraram de um hospital. Andando pelos corredores do Condomínio Cultural, é possível ver salas de atendimento, exames e cirurgia. Bruno disse que os organizadores do espaço têm a intenção de transformá-lo em associação cultural, uma OSCIP, tipo de organização não governamental.
“A ideia é que grupos de teatro e artes plásticas ocupem aqui e, a longo prazo, troquem experiências, tudo para melhorar o espaço e fazer rolar o centro cultural. Já está em funcionamento com atividades e público”, disse Bruno Spitaletti.
A troca com o bairro é importante para o Condomínio Cultural, e em todos os meses, acontece uma feijoada a que vêm banda e um grupo de samba tocar. “A gente mesmo faz a feijoada, arruma o espaço faz uma decoração. O dinheiro arrecadado investe aqui.”
Segundo Géssica Arjona, uma das organizadoras do espaço, em 2011 e 2012, o Condomínio Cultural organizou o bloco de Carnaval Xaranga da Pompéia e desfilou pelo bairro.
Em março deste ano promoveu o 2.º Bingão do Condomínio Cultural e a 8.º Feijoada, com a intenção “de arrecadar verba para a construção de um novo quadro elétrico e também como forma de encontro entre comunidade e artistas que trabalham no Condomínio”.
O espaço realiza com frequência intervenções no prédio, com artistas do Condomínio e convidados: “Exposição, grafitagem para fazermos a fachada e muros internos, performances e videoinstalações”, disse Géssica.
Géssica contou que o espaço foi adquirido pelo Kako, empresário da área de eventos, no final de 2009.
“Ele partiu de uma necessidade pessoal de criar algo que pudesse dar maior significado à vida. Em meados de 2010, ele me convidou para fazer parte do projeto e começamos a pensar juntos no que gostaríamos de realizar. Convidamos o artista Alexandre Roit para contribuir com essa criação e outros artistas com afinidades e iniciamos os trabalhos. Hoje contamos com um quadro de 40 associados que contribuem para que o espaço funcione. Somos um instituto e estamos em processo para conseguirmos a qualificação como OSCIP para termos possibilidade de firmar acordos de parceria com o poder público e conseguir doações de empresas que possam deduzir a doação de seus impostos.”
O Condomínio Cultural submete projetos a editais de fomento para reformar o espaço.
Há projeto aprovado na Lei Rouanet desde 2011, que não conseguiu captação, e projetos inscritos no PROAC/ ICMS.
Sobre a comunidade do entorno, disse Géssica: “Trabalhamos para que se aproxime e se aproprie do espaço de alguma forma. Encontramos um pouco de resistência, dúvidas em relação ao que acontece nesse espaço, mas aos poucos a visão sobre o prédio e o trabalho se modifica. Muitas pessoas ainda têm um pouco de medo do prédio e de seus ‘fantasmas’”.
Aos sábados há o Coletivo Jovem, projeto em parceria com a Rede Interferência, com sete anos de existência e para jovens de 13 a 17 anos. A atividade trata de meios de comunicação e jornalismo.
O espaço ainda não foi oficialmente inaugurado.
Link do Condomínio Cultural: www.condominiocultural.org.br