Picadeiro
“Traces”: fantasia e poesia acrobáticas
Ivy Fernandes, de Roma
A companhia canadense Les 7 Doigts de la main, uma das mais importantes no cenário do circo contemporâneo mundial, levou “Traces” para a Itália. O espetáculo – apresentado em 25 países e 200 cidades do mundo – teve sua lotação esgotada na curta temporada, de 27 a 30 de outubro, apresentada em Roma, no Auditório do Vaticano, em Via della Conciliazone.
Ao som de música high tech, seis jovens artistas, cinco homens e uma mulher, misturam dança, acrobacias e malabarismo. Números de grande efeito cênico, como a partida de beisebol, a sequência com skateboarding e a Roda Cir, conduzem a plateia ao encantamento.
Panis & Circus foi conferir o desempenho de uma companhia que renovou a linguagem circense tradicional – voltando-se para a contemporânea com sutileza e emoção.
Em entrevista exclusiva ao site, a fundadora, coreógrafa e diretora do grupo, Shana Carroll, define o espetáculo visto pelos romanos. “Traces é uma fuga imaginária das angústias cotidianas, das ânsias e tensões de nossa época. A mensagem é a de que é preciso arriscar-se e viver intensamente cada momento, mesmo quando a esperança parece ter desaparecido do dia a dia.”
O cenário de “Traces” apresentado ao público é o de um galpão sombrio. A imagem remete a uma área atingida por uma catástrofe. A luz é baixa. Cortinas viraram trapos. Janelas retêm a liberdade com suas grades. Objetos, como cadeiras, poltronas, cabos de aço, faixas de tecidos e até mesmo um piano feito de papelão, estão abandonados no espaço.
O vestuário também é simples: camisetas brancas e calças pretas para todos. Apenas a artista Cris Thomas veste um vestido vermelho no número com tecido em que dança fazendo piruetas.
Quando os artistas entram, eles são transformados em objetos de cena.
“Queremos que a plateia se identifique. Trata-se de pessoas normais fazendo um espetáculo para outras pessoas normais e que transportam energia e nuvens de fragilidade. A proposta é que os espectadores participem intensamente e que sintam o perigo que correm os atores em cena e se preocupem com o risco a cada número acrobático”, explica Shana.
“A emoção deve atravessar a ribalta, deve ganhar reciprocidade entre artistas e público.”
Simplesmente extraordinário
Cinco rapazes – Lucas Boutin (francês de origem chinesa), Mikael Bruyère-l´Abbé (francês), Isis Clegg e Nathan Price (ambos ingleses), Song Emnmeng (origem chinesa) – e a jovem acrobata inglesa Cris Thomas dominam o palco. Dois dos artistas são altos e fortes, lembram jogadores de rugby. Os outros dois são mais baixos e menos encorpados, mais leves no gestual. Já Boutin, que compõe o quinteto, e é o mais leve de todos, põe suas acrobacias no limite do impossível. A jovem inglesa é extraordinária na técnica, perfeição e na harmonia dos movimentos.
Circo tradicional sai de cena
A companhia Les 7 Doigts de la main (em português Os sete dedos da mão) nasceu em 2002 em Quebec, Montreal. Foi criado por sete artistas circenses – Isabelle Chassé, Shana Carroll, Patrick Léonard, Faon Shane, Gypsy Snider, Sébastien Soldevila e Samuel Tétreault -, alguns deles provenientes do Cirque du Soleil.
Os espetáculos do Les 7 Doigts não deixam a plateia se distrair por frações de segundos – é um contínuo circuito de emoções e doses de energia contagiantes.
A companhia canadense abriu novos caminhos para a linguagem circense contemporânea ao misturar com equilíbrio a dança, a música, o teatro e as habilidades técnicas.
“Quando iniciamos a nossa aventura, éramos jovens e inexperientes”, conta Shana. “O tipo de circo com o qual crescemos era o tradicional, grandioso, impressionante, com animais ferozes fechados em jaulas. Mas todo aquele espetáculo não deixava transparecer o artista, o ser humano. Para nós, circo significa risco, esforço físico enorme, treinamento disciplina, empenho cotidiano. Queríamos mostrar, exibir, compartilhar com a plateia o grande esforço físico diário dos artistas.”
Sete circenses que formaram uma mão
O primeiro espetáculo do grupo se chamava “Loft” e tudo o que fazia parte do circo tradicional foi magicamente retirado de cena. Nada de fantasias, de grandiosidade, de animais presos nas jaulas ou amestrados. O campo estava livre para o desenvolvimento de todas as capacidades físicas de cada artista.
Segundo Shana, o nome escolhido para o grupo remetia ao fato de que eram sete circenses que agiam e atuavam como se fossem uma única pessoa, uma única mão. Desde o longínquo 2002, a companhia montou 12 espetáculos que rodaram o mundo. O espetáculo Traces prova que o objetivo foi alcançado.
Clique aqui para ler sobre “Cuisine & Confessions” – espetáculo do Les 7 Doigts de la Main – em reportagem do Panis & Circus