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Dupla italiana destaca o Menu do Dia
Fernanda Araújo, especial para o site Panis & Circus
Sabe aquele prato de macarrão que tem sabor delicado na primeira garfada e revela uma pimenta apetitosa no final? Menu do Dia (Menu Del Giorno), espetáculo da Companhia Bellavita, foi mais ou menos assim: fez alguns homens suarem, causou palpitação nas mulheres e não poupou as crianças. “É prudente manter os pequenos sentados, de modo seguro”, advertiu Andrea Farnetani, parceiro de Antonio Tremani, após saudar o público em uma das oito sessões em que se apresentou, dentro do Circos – Festival Internacional SESC de Circo, programa realizado de 9 a 18 de junho, em São Paulo.
A sessão mencionada ocorreu no feriado de 15 de junho, na praça do Sesc Belenzinho (ocasião em que a equipe do Panis & Circus esteve presente). A princípio, havia uma música italiana pouco conhecida, uma armação de ferro com uma cortina ao fundo, uma mesa com tolha xadrez e um cavalete ao lado que anunciava Menu do Dia. Aos poucos, o clima se cantina se misturou aos números de malabarismo, equilibrismo, ilusionismo e palhaçaria. A montagem dos artistas italianos começou morna, ganhou intensidade e reuniu cerca de 400 pessoas.
No começo de cada cena, Andrea apresentava o “prato”, isto é, o número, por meio de placas fixadas no cavalete do menu. Em seguida, o artista batia uma ou muitas vezes na campainha anunciar o novo quadro. Antonio fez a abertura, com bastões de malabares decorados como garrafas de champanhe. Em referência ao prato de espaguete, Andrea emendou e ‘desemendou’ cordas com técnicas de ilusionismo. Um voluntário da plateia virou cliente da cantina e recebeu a missão de equilibrar os garfos, entre outros serviços.
No quadro do malabarismo com bolas, Andrea usou uma peruca de franja para imitar o cabeludo galã Antonio. Na sequência, o tal galã surge com uma camiseta regata, de peito peludo à mostra, com um tabuleiro pendurado no pescoço escrito “Tranquera”. Com uma série de badulaques à venda, o ambulante tenta empurrar, por exemplo, rosas a preços promocionais: “uma flor por um real; duas por dois reais; e três por apenas cinco reais”.
Andrea estimula a plateia que conta junto, vibra e sofre com os números de equilíbrio. A essa altura, Antonio precisa fazer uma série de coisas, como manter todos os pratos em movimento e colocar os ovos sobre os copos em sequência correta. Antonio, o Tremani, parece ter três mãos realmente. E o serviço de Antonio só pode ser revolvido por ele mesmo, por mais a plateia sinta vontade de sair correndo para ajudá-lo. No final, a quebradeira de pratos e ovos é inevitável. “Parece a minha vida”, declara uma mãe sentada no chão da praça com os dois filhos no colo. De fato, a cena é quase uma metáfora da vida, na qual temos que fazer tudo ao mesmo tempo.
Por falar em vida, no último ato, Andrea para em frente ao microfone, respira fundo e diz: “Você não está contente com a vida? Não se preocupe, ela vai acabar! (pausa) Mas, enquanto isso, viva. Viva intensamente, pois a vida é bela”.
“Eles têm muita prática de rua, fazem um espetáculo universal e tudo que eles usam cabe no meio carro”, disse Márcia Nunes, produtora da Companhia Bellavita no Brasil. Márcia, que também trabalha para o Circo Zanni, faz todo o planejamento e monta a estratégia de abordagem para ingressar nos festivais desde que conheceu Andrea, em 2014. “Os dois respeitam os horários, são cordiais e sempre atendem o público que gosta de conversar e tirar fotos no fim da cada montagem”.
Veja a entrevista que Andrea Farnetani e Antonio Tremani (três mãos em italiano concederam ao Panis & Circus.
Panis & Circus: Como vocês entraram no mundo do circo?
Andrea: Eu estudei três anos de arquitetura, em Roma. Não fiz a especialização pois, na época, eu conheci o mundo do malabarismo e me apaixonei muito. A verdade é que eu não gostava de trabalhar muito (risos). O malabarismo pagava bem e tinha que trabalhar pouco. Depois eu entendi a profissão, como arte e como linguagem, comecei a pesquisar e me apaixonei mais ainda.
Antonio: Eu não estudei muito. Saí da escola jovem e comecei a trabalhar com 13 anos em tarefas diferentes: lavar carro, serviço de carpinteiro e em uma fábrica de livros na qual fiquei alguns anos. Fiz correio, como motoboy. Conheci malabaristas e quis fazer trabalhos de rua com a galera. Vim ao Brasil há muito tempo atrás, em 1999, e estudei acrobacia na Escola Piccolino de Artes do Circo. Mais tarde, passei um tempo na escola de Circo Caramba, em Madri/Espanha.
Panis & Circus: Quem inspirou o trabalho de vocês?
Andrea: Eu gostava muito do circo clássico, de malabaristas clássicos. Eu gostava do movimento “gentleman juggler”, com objetos do cotidiano apresentado em restaurantes e cabarés, enquanto as pessoas comiam. Eu vi muitos vídeos, me apaixonei pela categoria e aprendi troques. Estudei acrobacia para ter um físico e estar mais preparado para apresentações. Mas eu aprendi mesmo encontrando pessoas pelo mundo, em espaços ocupados, convenções, em festas, nas ruas.
Antonio: estava sempre entre os malabaristas, na rua. Entrar no circo foi algo que veio devagar, com muitos treinamentos, espetáculos e cursos, com especialistas muito bons como Toby Walker e Rafael de Carlos. Um número que eu faço sempre é o de bolas de futebol, um número não clássico, algo mais esportivo.
Panis & Circus: O espetáculo Menu do Dia teve alguma adaptação para a plateia brasileira?
Andrea: Menu do Dia é um espetáculo de rua, universal, com poucas palavras e bastante visual. Então é fácil fazer em qualquer lugar. Aqui, mudamos um pouco o momento em que o cliente é atendido na cantina, no caso, o voluntário da plateia. Eu faço o garçom e Antonio, o marreteiro, ou vendedor de tranqueiras. O vendedor de rua é um personagem que tem em todo lugar do mundo, mas incluímos a questão da bugiganga.
Panis & Circus: Quais foram as experiências anteriores no Brasil?
Andrea: Em 2009 vim para viagem humanitária ao Amazonas, com amigos, trazendo o espetáculo que se chama Coringa Sem Fronteiras e passamos dois meses compartilhando experiências com outras realidades, como o barco hospital Saúde e Alegria. Depois voltei para trabalhar em Recife e Brasília, onde conheci a Márcia (a produtora Márcia Nunes) e que começou a produzir meu espetáculo. Conheci muitas pessoas, muitos organizadores e foi um sucesso. O Antonio veio há 18 anos e viajou pelo Brasil inteiro por oito meses.
Panis & Circus: Como surgiu essa ideia de quebrar pratos e ovos?
Andrea: Tem uma palavra que eu gosto muito: resiliência, que é a arte de pegar o que acontece e mudar em coisas boas. A verdade é o primeiro período de criação do Menu do Dia, no México, tínhamos uma estrutura de ferro, pesada e não funcionava muito bem. Então, quebramos muitos pratos. Não era teatral, era de verdade, pois a estrutura não estava correta. Mas deu muito certo e entendemos que as pessoas gostavam mais do desastre do que do malabarismo perfeito. Então adaptamos em uma forma mais teatral. A vida ajudou muito nossa criação, pois transformamos o desastre na risada.
Em 2017, antes do Circos – Festival Internacional Sesc de Circo, a dupla participou do Sesc FestClown (em maio) e no Festival Sesc Pantanal (no começo de junho).
Andrea venceu o prêmio “Pavé d’Or”, no Festival de Artistes de Rue de Vevey, em 2014. Além de palhaço e malabarista, o artista – formado em arquitetura – trabalha com dança, teatro e mágica. Em 2014, Andrea fundou a Bellavita Company, em parceria com Antonio Colucci, também conhecido como Antonio Tremani (três mãos, em italiano) um experiente malabarista de rua e cozinheiro.
Ficha técnica: Menu do Dia – Menu Del Giornio – da Companhia Bella Vita – No Festival Internacional Sesc de Circo. Concepção e elenco: Andrea Farnetani e Antonio Tremani. Produção no Brasil: Márcia Nunes
Menu do Dia ou Menu Del Giornio foi apresentado no Sesc Parque Dom Pedro II, Sesc Itaquera, Sesc Consolação, Sesc Carmo, Sesc Belenzinho, Sesc Bom Retiro e Sesc Santana de 9/6 a 18/6