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Mazzaropi e a crítica ao intelectual furado

 

O comediante não respeitava intelectual que desprezava a cultura popular

Oscar Pilagallo

 

Este mês Mazzaropi teria completado 101 anos – e a data passou batida! Ok, não é um número redondo como o do centenário, mas, reparando bem, tem mais a cara de Mazzaropi: parece um algarismo banguela como alguns de seus personagens.

Uma maneira de comemorar os 101 anos de Mazzaropi é ler, ou reler, “Sai da Frente!”, que a jornalista Marcela Matos lançou três anos atrás.

A biógrafa vai de fio a pavio, uma expressão tão popular que não ficaria deslocada na boca do Mazza, como ele era conhecido. Amácio Mazzaropi nasceu em São Paulo, mas com dois anos a família se mudou para Taubaté. Foi nessa região do Vale do Paraíba que a criança conviveu com o avô materno, um português tocador de viola e dançarino que gostava de animar festas.

Mazza puxou ao avô e, na escola, gostava de ser o centro das atenções, declamando poesias. Do palco improvisado da escola ao interesse pelo circo foi um pulo, ou, talvez fosse mais apropriado dizer, um salto. O pai bem que tentava, mas fracassou na tentativa de afastá-lo do circo, então seu maior fascínio. Marcela conta que Mazza frequentava o largo Santa Cruz, onde se instalavam os circos de passagem pela cidade. Preocupado, o pai “se viu obrigado a tomar uma medida mais radical: enviou o filho a Curitiba, para viver e trabalhar com o avô paterno, dono de uma loja de tecidos”.

Aos 14 anos, no entanto, Mazza voltou à casa dos pais, que é apenas outra maneira de dizer “voltou ao circo”. Na época estava em Taubaté o Circo La Paz e o moleque se juntou à trupe, contando causos nos intervalos, em troca de modesta remuneração.

O circo, entendido como o espaço físico sob a lona, foi uma experiência fugaz na vida de Mazzaropi. Com vinte anos ele já tinha se bandeado para o teatro, e mais tarde para o rádio, que foi um trampolim para a TV, até chegar ao cinema, onde, para o seu público fiel, ele se consagrou.

Se por circo, porém, entendermos um estado de espírito, uma maneira própria de produzir arte popular, então podemos dizer que Mazzaropi não abandonou o circo. Ao contrário, com suas palhaçadas tão ingênuas quanto eficientes, levou-o para as telas.

 

Ao lado de seu macaco-motorista, Mazzaropi presta homenagem ao circo no filme "Betão Ronca Ferro"

 

O livro repassa toda a carreira de Mazzaropi. Foram mais de trinta filmes realizados entre o início dos anos 50 e o começo dos anos 80 – Mazzaropi morreu em 1981, aos 69 anos. Entre os títulos mais conhecidos estão, por ordem cronológica: “Sai da Frente!”, o primeiro deles; “Jeca Tatu”, talvez o de maior sucesso; além de “As Aventuras de Pedro Malazartes” e “Tristeza do Jeca”, duas grandes bilheterias.

A consagração popular, no entanto, não veio acompanhada pelo reconhecimento da crítica. Marcela cita a opinião de Inácio Araújo, para quem “o cineasta representava uma espécie de retrato do Brasil que todos tentavam ignorar”.

Mazza não ouvia as críticas calado. Certa vez, comentou numa entrevista: os críticos “falam, às vezes, das fitas. Eu não sei o que eles querem realmente. Ou talvez eu saiba o que eles querem, mas não posso contentar a crítica e o povo, porque a crítica pensa de um jeito e o povo de outro”. Em outra ocasião, Mazza insistiu no mesmo diapasão: “O intelectual que não gosta de cultura popular é um intelectual furado”. E arrematou: “O verdadeiro intelectual nunca me pichou. Pelo contrário, eles me admiram muito”.

Talvez não seja possível generalizar essa admiração, como Mazza dá a entender, mas o fato é que, perto do fim da vida, ele estava “contentando” alguns intelectuais de peso. Marcela lembra que, para o crítico Jean-Claude Bernadet, “a postura da crítica diante de Mazza mudou muito após a sua morte, quando seu trabalho passou a ser mais valorizado pelos especialistas em cinema. Um movimento semelhante ocorreu em relação à chanchada: duramente criticada enquanto ainda vigorava, passou a ser elogiada quando chegou ao fim”.

 

 

De qualquer maneira, Mazzaropi viveu o suficiente para ser elogiado pelo mais fino crítico de cinema da segunda metade do século passado. Escreve Marcela: “Nos últimos anos da carreira de Mazzaropi, já havia sinais por parte da crítica de que era preciso rever sua posição. Opondo-se à tendência hegemônica de atacar a produção do ator, ganhou vida uma espécie de contracorrente, encabeçada por Paulo Emílio Salles Gomes”.

Se não se pode contentar a todos, Mazza chegou perto: contentou a maioria.

 

Sai da Frente! – A Vida e a Obra de Mazzaropi
Autora: Marcela Matos
Editora: Desiderata
288 páginas.

 

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