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Morre o trapezista Dover Tangará

 

Dover Tangará criou o número voador “doublé com saída de janela”

O meu primeiro contato com Tangará ocorreu em uma segunda-feira, 16 de abril de 2012, quando ele chegou e se apresentou:  “Muito prazer! Eu sou Dover Tangará”. E me deu de presente o romance “O Filósofo Voador”, escrito por Eduardo Rascov, baseado em fatos reais de sua vida. Era o dia do lançamento do site Panis & Circus, no Centro de Memória do Circo. 

Ex-trapezista, morador de rua, mais tarde em um trailer, frequentador assíduo do local, Dover Tangará estava lá nessa segunda durante a comemoração do site.

Respondi que o prazer era nosso, que iríamos ler “O Filósofo Voador” e ele certamente seria um dos entrevistados do Panis & Circus. Não deu tempo.

Em 6 de julho, Dover Tangará deu entrada no hospital público do Estado de São Paulo, o Mandaqui, em Santana, na zona norte de São Paulo, com três fraturas na coluna. Tangará fora agredido não se sabe por quem e qual o motivo, disse Eduardo Rascov, autor do livro, em entrevista por telefone ao Panis & Circus. Trinta e dois depois, em 8 de agosto, ele morreu de septicemia – infecção generalizada.

Eduardo Rascov contou que conheceu Dover Tangará quando morava perto da rua João Moura, em Pinheiros, na zona oeste da cidade de São Paulo, em 2001. “Lá, havia uma casa que dava apoio aos sem-tetos. Dover Tangará costumava ficar sentado ao lado da entrada principal do estacionamento Paraki e, um dia, apresentou-se: ‘Sou Dover Tangará’. E, assim, começamos a conversar”, afirma Eduardo Rascov.

Rascov acrescenta: “Ele sempre tinha tiradas filosóficas. Descobri mais tarde que havia sido trapezista e, junto com seus irmãos Durbes e Carlos, treinava trapézio de manhã, de tarde e de noite, obsessivamente. Os três criaram um número, ‘doublé com saída de janela’, que se trata de um salto duplo mortal com saída pela frente. O número ganhou fama. Depois deles ninguém mais apresentou esse número no Brasil”.

Tangará aprendeu a arte do trapézio desde pequeno, com os irmãos.  Quando a Trupe Tangará [os três irmãos] estava no auge, no início da década de 70, um incidente afetou a vida de Dover. Aos 20 anos, ele foi preso pela polícia política, em Curitiba. A acusação? Ter assinado em cartório um documento afirmando que Mirabel, o contorcionista do circo “Águias de Ouro”, era brasileiro e não argentino.

“Esse falso testemunho fez com que Dover fosse preso durante 48 horas e submetido a interrogatório”, afirma Eduardo Rascov. Retaliação à militância de sua irmã, Dirce Tangará Militello, que, à época, era diretora do Sindicato dos Artistas de São Paulo? Pode ser.  

Depois da prisão, Dover Tangará foi acometido de períodos de depressão, mas ainda trabalhou no Circo Spacial e no Circo Orlando Orfei. 

Após a morte da irmã, Dirce Tangará Militello, no início dos anos 90, que sempre o socorria, a vida de Dover Tangará decaiu.

Em 2008, o Inamps negou a ele aposentadoria por invalidez em processo conduzido pelo Sindicato dos Artistas.

Dover Tangará passou a ser considerado quando se tornou tema do livro da editora “O Filósofo Voador”. Em 24/07/2009, O livro foi lançado no Circo Roda, que tinha a lona armada no Memorial da América Latina.

Dover Tangará foi também assunto do filme “Entre a Lona e o Meio-Fio: O Voo que Não Acabou”, criado por um grupo de alunos de jornalismo da Escola de Comunicação da Universidade de São Paulo (ECA-USP).

Há ainda um curta-metragem, de dez minutos, com o trapezista, feito pela equipe de Lucas Soares Gonçalvez, estudante de cinema da Universidade Anhembi Morumbi, intitulado “Disk Homem do Saco”.   

Wilson Vasconcelos, que atua no Circo Paratodos como o palhaço Gelatina, disse que conheceu Dover Tangará neste ano. “Ficamos muito próximos dele porque ele vinha todos os dias ao circo e conversávamos muito. Eu, particularmente, conversei com o Dover sobre nossas vidas dentro e fora do circo. O jornalista Eduardo Rascov, do departamento de comunicação do Memorial da América Latina, é a pessoa certa para lhes falar sobre o Dover. A amizade deles de 15 anos rendeu o livro ‘O Filósofo Voador’, sobre a vida do Dover. Rascov lhes dará dados mais pontuais sobre nosso querido amigo”, Vasconcelos (Cia. Capadócia) enviou ao site por e-mail.

Há alguns materiais em vídeo também sobre o Dover. Tem um “média-metragem” documentário sobre ele, e outro curta de ficção, chamado “Disk Homem do Saco”.

Vasconcelos sugeriu ao site Panis & Circus: “Falem com o Rascov. Não sei se vocês o conhecem, mas lhes adianto que o Rascov é um anjo. Além de sua infinita generosidade, é acessível, inteligente e vai lhes atender bem. Falem em meu nome se preferirem, somos amigos”.

O poeta Reynaldo Damazio resenhou o livro no texto “O Filósofo Voador – Eduardo Rascov” no site “dobra” (link abaixo). Escreveu Damazio, com palavras fortes:

“Os caminhos da ficção e da realidade se cruzam nas páginas deste livro, como se cruzaram os passos do jornalista Eduardo Rascov e os do trapezista Dover Tangará. O primeiro em busca de uma boa história, com traços de certa humanidade perdida na brutalidade do cotidiano; o segundo, membro de uma tradicional família de circo e grande artista do passado, deambulando pelas ruas de São Paulo como um filósofo maltrapilho à cata da memória estilhaçada.”

“O relato pungente sobre a trajetória de um artista voador, criado no ventre mágico de lona do circomundo, coloca o leitor imediatamente diante dos mitos trágicos do anjo caído e do mergulho de Ícaro no abismo do sonho – esta poderosa máquina do espírito humano. Executando números audaciosos e espetaculares no ar com os irmãos, sob olhares hipnotizados do público, Dover experimentou o gosto sedutor da glória e foi considerado o melhor trapezista do país.”

(Bell Bacs; colaborou Mônica Rodrigues da Costa)

http://www.portaleditora.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=14:o-filosofo-voador-eduardo-rascov&catid=1:catalogo&Itemid=4

 

 

One Response to "Morre o trapezista Dover Tangará"

  1. Quero agradecer as palavras gentis de vocês e especialmente do Gelatina, grande palhaço, grande empreendedor, mas, acima de tudo, um artista humano e com rara consciência social, do seu papel, do papel do artista.

    Conheci o Dover Tangará em 2000 e essa amizade inspirou minha vida. Aprendi muito com ele e só tenho a agradecer. A sua ausência se faz mais presente a cada dia.

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