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Diversidade entra no picadeiro, diz Possolo
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Fernanda Araujo, especial para Panis & Circus
O FIC – Festival Internacional de Circo – reuniu cerca de cem atrações na cidade de São Paulo. Com ingressos gratuitos para a população, mostrou a conexão entre a arte tradicional e diferentes movimentos e demonstrou respeito à diversidade e olhar contemporâneo às novas e ótimas produções.
Assim como durante o evento de estreia, em 2018, no gramado do parque ou embaixo das lonas, a impressão era de que o circo havia retornado às origens de programa familiar (no sentido mais amplo da concepção de família). Em 2019, porém, se colocou a pauta da diversidade no picadeiro, conquistou a empatia da plateia que se sentiu representada em várias situações.
“O circo é eclético e abrigo de tudo, por isso me causava um pouco de surpresa de que isso (a diversidade) não fosse uma discussão na qual o circo estivesse a frente. O teatro, por exemplo, contempla essa discussão contemporânea, mas o circo estava deixando escapar. Foi um pouco como uma provocação, um olhar para o que está acontecendo no momento”, afirma Hugo Possolo, diretor-geral do FIC e um dos criadores do grupo Parlapatões.
Ele faz um balanço abaixo sobre o evento, que ocorreu de 3 a 7 de abril, em entrevista exclusiva ao Panis & Circus, no Centro Esportivo Tietê.
Mais tempo para a mostra competitiva
A Mostra Competitiva aumentou para três dias, gerando maior envolvimento do público, que torceu pelos números, e maior integração entre os artistas participantes. A ideia é fomentar, permitir que o artista aprimore seu número. É estimular essa questão, não só do ponto de vista técnico, mas de maneira com que ele se comunique com o público. E o resultado foi bastante equilibrado.
Tivemos dois júris. Um composto por representantes de festivais nacionais e internacionais e outro popular. Apesar de o júri popular apresentar um resultado diferente dos três primeiros colocados, houve um equilíbrio, pois tivemos a investigação de dramaturgia na cena, além de um aprimoramento técnico de padrão internacional. Dá um alívio perceber que estabelecemos um caminho bacana.
Seis produções exclusivas para o evento
Primeiro, nós elegemos os temas mais relevantes e que o circo ainda não estava tão atento. O circo é eclético e abrigo de tudo, mas me causava um pouco de surpresa de que isso não fosse uma discussão na qual o circo estivesse a frente. O teatro, por exemplo, contempla essa discussão contemporânea, mas o circo estava deixando escapar. Foi um pouco como uma provocação, um olhar para o que está acontecendo no momento.
Após a escolha dos temas, pensamos em quais artistas poderiam representá-los, no sentido da representatividade mesmo. Para As Destemidas, espetáculo de abertura do festival, convidamos Lu Denegá, profissional que está muito envolvida com o movimento das mulheres artistas. E, de todos, talvez esse seja o movimento mais organizado, pois existe o ‘Encontro Internacional das Mulheres Palhaças’, ‘Festival Palhaças do Mundo’… (E três palhaças Andrea Macera, Palhaça Macera, Beth Dorgam,Palhaça Elizabeth The Queen, e Lu Lopes, Palhaça Rubra, foram as mestres de cerimônia de As Destemidas).
Nessa mesma linha, chamamos Ricardo Rodrigues, que é negro, para fazer um espetáculo com artistas negros, em Prot(agô)nitas – O Movimento Negro do Brasil (produção escolhida para fechar o evento).
Para os internacionais, não queríamos a glamorização, para que não tivéssemos esse sentimento vira-lata de terceiro mundo diante das produções internacionais. A ideia foi, sim, estimular a reflexão sobre grande questão internacional do mundo, ou seja, a situação dos refugiados. Para tanto, chamamos o Mark Bromilow, que não é um refugiado, está no Brasil por opção, (é australiano e foi diretor artístico do espetáculo ‘Varekai’, do Cirque du Soleil), mas tem essa visão estrangeira, abrigando os convidados internacionais. Assim foi Caravaçará – O Lar dos Viajantes.
Também contemplamos a inclusão dos deficientes. Eu fiz o espetáculo do Nando Bolognesi (‘A Cabeça de Yorick’ e ‘O Rei da Vela’) e estava muito atento a essa questão. Ano passado nós até incluímos a questão, mas ficou meio no meio de outras coisas e as pessoas não viram muito. Então, dessa vez, chamei o Caco Mattos que criou Obstáculos e fez um trabalho com artistas deficientes e não deficientes.
Para a questão GLBT, que tem várias siglas, essa foi a que eu me acostumei a falar, peguei a Luz Maza, uma diretora de teatro trans, uma mulher trans, que fez Queerbaret. A Luh foi muito aberta a questão que circo abriga, mas talvez não saiba lidar. Então ela trouxe, por exemplo, a Kassandra Taylor, que é uma mágica trans incrível. Cassandra trabalha com isso faz um tempo, mas esse trabalho ainda não estava muito aparente ao público em geral. A menina do bambolê (Vulcanica Pokaropa) arrasou com um número típico do universo feminino, com mobilidade e sensualidade, foi muito significativo. Luh criou um espetáculo para que o circo se reveja, pois, às vezes, o preconceito é estrutural. Você acha que o preconceito não existe, mas ele é estrutural e está aí. Foi muito legal.
Também teve uma questão antiga, desde que surgiu a escola de circo, que é o diálogo entre o contemporâneo e o tradicional. O Jairo Mattos, que é um cara da mesma geração que eu, tem extrema irreverência, tradição e sabe da importância da inovação. Em Tributo à Tradição, Jairo conseguiu juntar jovens homenageando os mestres.
Festival mais aberto ao diálogo
Ano passado era muito pulverizado, parecia um festival que eu era fazia há muitos anos que se preocupava só com a pulverização da produção. Já passamos o momento de pensar “Ah, o contemporâneo está representado? A rua está representada?” Acho que nossa função é ir além, e provocar as pessoas. Essa coisa dos temas foi uma provocação à reflexão.
O espaço do Tapete Mágico, por exemplo, foi outra provocação, pois o Marquinhos e o pessoal do Centro de Memória do Circo questionaram a inclusão do circo de rua e a importância de fazê-lo como ele é, ou seja, em espaço aberto. Claro, sofremos com a chuva de ontem (sábado, 6/4), mas hoje voltou a acontecer.
Outro ponto foi o Palhaço sem Fronteiras, por exemplo, que esteve em cinco lugares diferentes. É a ideia de entrar em uma favela de Kombi e oferecer a oportunidade de interação com o público. Não é um espetáculo, é a ligação com o público que não viria até aqui. E essas são as tônicas, para além de atender a população, obvio.