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O poeta-observador da língua e da linguagem

 

Cacaso, em foto do site da editora Cosac Naify

 

“Lero-lero”: tom coloquial de poeta-filósofo que teve vida fulminante

Mineiro de Uberaba (1944-1987), Cacaso (Antônio Carlos de Brito) tem a poesia reunida no livro “Lero-Lero”. Representa um retrato lírico e político de suas pesquisas como professor e filósofo. Em um dos poemas, aparece a escultura de Auguste Rodin (1840-1917) que marca o ponto de observação poética de Cacaso:

Álbum

A família descansa as frontes sobre os punhos

e em cada face se veem as transparências do sonho.

Mas, observem, os punhos estão cerrados.”

Nesse poema o sujeito – o mesmo da escultura de Rodin “O Pensador” (1880) – é tomado por sua coletividade, já que a palavra “família” denota mais de uma pessoa. Trata-se de inédita combinação morfo-sintática com a significação do homem ético. No poema, coletividade envolta de sombria e tensa atmosfera.

Erudito, Cacaso faz poesia popular, coloquial, com vocabulário acessível, no estilo de letras de música e o tom conversacional. Humorada, piadística ou/e paródica. Ele cita abertamente ou alude a vários outros poetas da literatura mundial. Deixou como legado uma poesia singular, só Cacaso mesmo escreveu os versos do livro “Lero-lero”.

Os poemas falam do dia a dia, descrevem ruas, a louca da rua, “Januária”, o mar do outro lado da calçada e os espetáculos dos circos itinerantes. No livro “Na Corda Bamba”, cujo título alude à arte circense, Cacaso equilibra-se entre a fazenda e a cidade, Minas Gerais e o Rio de Janeiro. Faz cartões postais no tema e no conjunto de versos que montam o cenário para cartão postal, como “Postal”, “Berço Esplêndido”, “Natal”, “Via Láctea”, “Encontro Desmarcado”.

Seguem “Circo” e “Venus Brazil”.

Circo

 Ontem fui ver o circo

dos leões que rugem nos fundos

da infância cercada”

 

Venus Brazil

A cidade acampou na beira do circo.

O circo está de passagem.”

 

 

 “Lero-lero” (Cosac Naify, 2012, 286 páginas) reúne os livros, além de “Na Corda Bamba” (1978), “Mar de Mineiro” (1982); “Segunda Classe”, em parceria com Luis Olavo Fontes (1975); “Beijo na Boca” (1975); “Grupo Escolar” (1974); “A Palavra Cerzida” (1967); e “Inéditos e Outros”. A foto acima é do Gran Circo, título de um terceiro poema do autor sobre circo, e foi selecionada do Google.

Cacaso faz poemas-minuto ao estilo conciso de Oswald de Andrade (1890-1954), modernista e cultor da blague, como “Substantivo”, composto de apenas dois versos: “João Gilberto:/ um quilo certo”. O título “Grupo Escolar” soa como ironia a “O Primeiro Caderno do Aluno de Poesia”, título de OA.

Conhecedor da literatura brasileira, Cacaso cria novo paradigma poético para a famosa “Canção do Exílio”, do romântico Gonçalves Dias (1823-1864), que é pura alusão. O título é “Lar Doce Lar”: “Minha pátria é minha infância:/ Por isso vivo no exílio”.

 Ler a obra de Cacaso é como estar diante de um palimpsesto, como decifrar elipses folclóricas e lendárias, identificar raivas contemporâneas, sociais e da própria vida dele, os protestos políticos contra o estado de coisas nacional, motivo de deboche do poeta em “Obra Aberta”: “Quando eu era criancinha/ O anjo bom me protegia/ Contra os golpes de ar./ Como conviver agora com/ Os golpes? Militar?”

Nesse poema, Cacaso ironiza a semiologia de Umberto Eco, usando o título de um livro do semioticista italiano, de 1962, como título do poema, e nele aparece o anjo de comentado ensaio filosófico de Walter Benjamin (1892-1949), de poemas de Drummond (1902-1987) e do tropicalista Torquato Neto (1944-1972).

Cacaso foi parceiro de músicos como Tom Jobim, Edu Lobo e Francis Hime. Sua arte é feita com a revelação das instabilidades e epifanias (descobertas da percepção).

Define “Na Corda Bamba”: “Poesia/ Eu não te escrevo/ Eu te/ Vivo// E viva nós!//// PASSOU UM VERSINHO voando? Ou foi uma gaivota?”.

Cacaso é Carlos Drummond de Andrade, o irônico Murilo Mendes, explicitamente Manuel Bandeira (1886-1968) e também João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Reconhecer tais poetas em seus versos é completar peças do quebra-cabeça da poesia.

É da geração mimeógrafo, conhecida como Poesia Marginal, em que foram contemporâneos Ana Cristina César, Armando Freitas Filho, Francisco Alvim, entre outros escritores. Sua literatura deixa entrever a vida urbana de sua época, os passeios à fazenda, os amores perdidos, grandes e pequenas felicidades.

Poesia feita com as têmperas da história, que atravessa eras em rimas, refrões de cantigas e modos de pensar, que Cacaso faz voltar à superfície com aforismos, reflexões sobre o ser, sobre a língua e a linguagem, fazendo duplos sentidos, como “A doida vagava na rua mas não ia a/ lugar nenhum./ Já tinha chegado” (“Januária”). É como se a gramática lhe fosse ontológica. Como se fosse necessário tanto conhecê-la para depois se perder na ausência de pontuações, nos enjambements inesperados, na ausência das fórmulas sintáticas ou literárias e brincando com elas.

Sem rimas regulares, o poeta explora a prosódia e versos brancos, modulados pela semelhança fônica, ambivalência, paradoxos, sinestesias, antíteses.

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(Mônica Rodrigues da Costa)

 

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