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Pepé leva sua arte para Abu Dabi
O Palhaço “Pepé, o Perspicaz”, personagem interpretado por Peterson Jardim, fez seu último espetáculo no domingo 5/6, no Circo Spacial. Ele vai se apresentar no Parque Ferrari – um dos maiores e mais luxuosos parques de diversão temáticos do mundo, em Abu Dabi, nos Emirados Árabes, durante um ano. A estreia está prevista para julho.
A técnica precisa do malabarismo com blocos e o criativo número do detector de metais apresentados pelo palhaço Pepé Jardim – foram os pontos altos do espetáculo do Circo Spacial – em 4/6, um sábado chuvoso.
Pepé, como é chamado pelos amigos, criou um improvisado detector de metais com um cabo de uma vassoura adaptado a uma parte de metal – que capta sons de moedas, de movimentos internos do corpo e de sentimentos. Ao convocar voluntários da plateia, o palhaço conseguiu, por exemplo, fazer soar moedas no bolso de um deles, de outro extraiu sons que sugeriam que seu estômago acabara de digerir uma bebida e ainda de outro captou uma melodia romântica – como se o detector de metais traduzisse também sentimentos.
A primeira parte do espetáculo do Circo Spacial foi feita de apresentação de números circenses como os de Pepé Jardim, da dupla no tecido/trapézio, das acrobacias de uma moça/boneca em uma caixa, do bambolê, do Palhaço Pingolé – que usa a linguagem e figurinos tradicionais e tio de Pepé – entre outros.
Depois do intervalo, foi a vez de Bob Zoom – personagem da internet. Segundo Marlene Querubim, à frente do Circo Spacial e mãe de Pepé, era comum ter peças de circo-teatro e cantores populares na segunda parte do espetáculo. Nos tempos modernos, para atrair a criançada para o circo “estamos buscando personagens da internet mais acessados: Bob Zoom é um deles”, afirma.
Em entrevista ao Panis & Circus, Pepé Jardim afirma ser avesso a personagens como palhaço “Bozo” e de filmes de Hollywood como o dos “Palhaços Assassinos”, que acabaram “por deturpar, nos anos 80 a imagem do palhaço”.
Para criar seu personagem, que usa pouca maquiagem e figurino sóbrio, ele bebeu na fonte da palhaçaria tradicional que remonta aos arlequins da Comedia dell´Arte, aos mestres tradicionais do picadeiro na arte de fazer rir e palhaços do cinema mudo como Chaplin e Keaton.
Leia a seguir, os principais pontos da entrevista de Pepé Jardim ao Panis & Circus.
Panis & Circus – Você está deixando o Circo Spacial, no Brasil, para trabalhar nos Emirados Árabes. Poderia contar um pouco sobre esse novo desafio profissional?
Pepé Jardim – A proposta é para trabalhar em Abu Dabi, no Parque Ferrari – por um ano. (O Parque Ferrari está localizado na Yas Island – uma ilha artificial distante 40 km do centro de Abu Dabi – o maior parque coberto do mundo e que tem apenas três das suas atrações ao ar livre: duas montanhas-russas e o elevador com queda livre. Esse parque chama muito a atenção por causa de sua grande cobertura vermelha com design arrojado).
Panis & Circus – Qual vai ser o formato do número que você vai apresentar no Parque Ferrari?
Pepé Jardim – Um pocket show cômico que vai se caracterizar pela interação com o público. Eles pediram que eu leve em minha bagagem muito material cômico.
Panis & Circus – São 30 minutos de um pocket show que você vai apresentar todos os dias, ou só nos finais de semana?
Pepé Jardim – São cinco dias por semana e aparentemente é uma rotina leve. As apresentações dependem do fluxo de pessoas no Parque Ferrari. Em dados momentos, pode acontecer um show de 5 minutos e, em outros, de 30 minutos. Vou ter bastante liberdade nessas apresentações. É mais ou menos como uma performance de rua só que em um ambiente controlado e coberto – que é o parque.
Panis & Circus – E como você chegou até o Parque Ferrari? Os produtores viram o seu trabalho ou enviou a eles material de seus números?
Pepé Jardim – Durante minhas temporadas em países como o México (5 a 6 meses) e os Estados Unidos (4 anos) sempre estabeleci contatos com produtores, artistas e agências de talentos. No caso do Parque Ferrari, foi uma agência de talentos da Ucrânia que entrou em contato comigo. Eu havia mandado material para eles há um bom tempo e agora me chamaram. Eu cheguei a chamar outros palhaços aqui do Brasil para ir comigo, só que foi tudo muito rápido, eles fecharam os contratos em uma semana por causa da temporada de verão e não deu tempo.
Panis & Circus – Nessa temporada de verão você vai ser o único palhaço brasileiro no Parque Ferrari em Abu Dabi ?
Pepé Jardim – Nesse ano sim, só eu, mas, talvez, ao chegar lá possa conversar com eles e convencê-los a trazer mais um. (Risos).
Panis & Circus – A língua falada em Abu Dabi é o árabe. Você não vai ter dificuldades para se comunicar por que o seu personagem fala muito pouco?
Pepé Jardim – O Parque da Ferrari, em Abu Dabi, atrai um grande número de turistas de todas as partes do mundo. E, aparentemente, lá todo mundo fala inglês – apesar de o árabe ser a língua oficial. O fato é que os Emirados Árabes Unidos (EAU) são uma grande atração turística – um lugar internacionalizado – e por isso deve ter uma mistureba de nacionalidades e línguas. E pode ser um clichê mas não deixa de ser verdadeiro: a linguagem da arte é universal. E, é verdade, eu falo muito pouco – o pocket show está ancorado na comicidade gestual – física.
Panis & Circus? Vi o seu palhaço musical no Dia do Palhaço comemorado no Theatro Municipal em São Paulo e que foi muito aplaudido. Você vai incluí-lo no pocket show?
Pepé Jardim: Ainda estou estudando a formatação do pocket show que vai estar concentrado na comicidade e pode ser que esse número também seja incluído.
Panis & Circus – Como você aprendeu a arte da palhaçaria?
Pepé Jardim – Acho que tudo começou aqui no circo, no Circo Spacial com influência dos meus tios e de outros palhaços que se apresentavam aqui. Desde pequeno, eu assistia suas apresentações e, em dado momento da minha adolescência surgiu a oportunidade, e eu a abracei.
O meu tio, o palhaço Pingolé, ainda hoje está na ativa aqui no Circo Spacial. Firme e forte. Tinha também o meu tio Zezinho – que já não trabalha mais no circo. E outros, que apesar de não ter parentesco, eu os considerava como tios: o Catatau, o Bossa Nova, os Los Bassani, toda essa galera que já passou aqui pelo Circo Spacial.
Panis & Circus – Foi por esse convívio com a palhaçaria no dia a dia que você se identificou com a arte e quis seguir esse caminho?
Pepé Jardim – Eu assistia sempre os palhaços, todos os dias, praticamente, era muito natural vê-los e assistia porque gostava. Não pensava ainda na profissão. De repente, num dia qualquer, eu constatei: isso é bom de ser feito, eu gosto, e está tudo na minha mão – tenho todas as ferramentas possíveis, conheço as pessoas, tenho o circo disponível para trabalhar. Foi aí que falei: porque não?! Então resolvi investir fundo na palhaçaria.
Panis & Circus – Quem mais serviu de inspiração para compor o seu personagem?
Pepé Jardim – É inevitável citar a galera do cinema mudo, não é? Um dia desses, uma repórter do G1 perguntou se Chaplin inspirou a minha carreira. Daí eu perguntei para a ela se Gutenberg influenciou a dela (risos). São os grandes mestres. O fato é que não tem como falar de palhaçaria sem citar influências do cinema mudo – de Charles Chaplin e Buster Keaton. Incluo também nas minhas influências “Os Trapalhões”, os palhaços que passaram aqui no Circo Spacial e, depois, tive uma influência grande da palhaçaria russa, quando comecei a trabalhar com Max Annaev.
Panis & Circus – Quanto tempo você fez dupla com o palhaço russo, Max Annaev?
Pepé Jardim: Nós começamos a dupla aqui no Brasil, em 2006, e depois fomos para os Estados Unidos, e trabalhamos juntos durante os quatro anos que permaneci no país.
Panis & Circus – A palharia russa é das mais conceituadas no mundo?
Pepe Jardim – Sim, a palhaçaria russa tem uma escolha fortíssima, uma vertente bem poética, vai fundo na alma humana. Se você pesquisar os clássicos palhaços russos você vai encontrar exemplos como o Slava Polunin e Yuri Nikulin. É uma palhaçaria de movimentos secos – sem ser colorida e chamativa. Uma das mais qualificadas do mundo.
Panis & Circus – O que quer dizer reprises na linguagem da palhaçaria e como é o seu processo de criação?
Pepé Jardim – Reprise é um número de um palhaço – de 4 a 10 minutos – com começo, meio e fim. Eu, e vários outros palhaços, pensamos o tempo todo em criar números cômicos – procurando ‘bobagens’. Eu ia na Leroy Merlin e outras lojas de departamento, e ficava olhando um escovão, um varal e ficava matutando: aí tem um esquete, aí tem dinheiro. Eu compro objetos aleatoriamente e levo para minha casa. Uma hora vem a imaginação e utilizo esse objetos em ‘reprises’.
Panis & Circus – Você pode dar exemplos de objetos, como o esfregão, que você vê lojas de departamento e passam a ser usados em esquetes cômicas?
Pepé Jardim – São vários exemplos. Um dia vi um suporte de toalha de banheiro – parecia uma varinha, peguei um balão e o coloquei nessa varinha, assoprei e virou uma zarabatana para você atirar e o balão estourar. Outro exemplo é o caso de um chinelo e seu barulho que parece um pombo prestes a levantar voo. É a associação de objetos que não estão associados e fazer graça com elas.
Panis & Circus – Sua linguagem da palhaçaria é contemporânea ao estilo do La Mínima, Hugo Possolo e companhia? Parece distante do palhaço tradicional com sua maquiagem e roupas coloridas.
Pepé Jardim – A imagem que se construiu do palhaço tradicional no século 20 é muito caricata. Eu estava lendo uma reportagem em um site americano chamado “All Fall Down The craft & art of physical comedy” – physicalcomedy.blogspot.com.br de comédia física que mostrava que uma de suas referências mais antigas é a do cinema mudo. Mais: tem o registro no século 18 da Arlequinada – que eram os arlequins – que são totalmente contemporâneos. Não temos imagens da Arlequinada mas dos escritos deixados por poetas que escreveram sobre eles – descreveram o entra e sai de cena – suas quedas – e acrobacias. Na realidade, tudo passa a ser um detalhe semântico – que rotula, às vezes. Se você pegar vídeos dos anos 50 e 60, os traços dos palhaços são que nem os do La Mínima – uma maquiagem bem leve. Daí veio os anos 80 e 90, surgiu o Bozo com maquiagem e figurinos bem fortes e marcantes, e apareceram também os “Palhaços Assassinos”, em filmes de Hollywood, e eles acabaram complicando tudo. A imagem do palhaço acabou ficando atrelada a essas imagens, sendo que os outros que usavam traços mais finos, em contraponto, continuaram também a ser palhaços e fazer seu trabalho. Eu tenho muitos amigos que tomam cuidado com a palavra palhaço, por causa dessa ideia deturpada que ficou na cabeça das pessoas. Por isso, acabam usando definições como comediantes físicos e atores visuais. Acrobacias gramaticais e linguísticas para redefinir o palhaço – que prefiro recuperar e afirmar que ele é sempre contemporâneo em sua arte tradicional.
Clique aqui para ler reportagem de Panis & Circus sobre o Dia do Palhaço no Theatro Municipal em São Paulo, que traz Pepé Jardim.
Clique aqui para ler reportagem do Panis & Circus sobre Slava Polunin.
Veja onde ficam os Emirados Árabes e Abu Dabi
Postagem – Alyne Albuquerque