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Palhaço Picolino vai desfilar na Unidos de Vila Maria
Seu Rogê comemora, na quadra da escola, 60 anos de palhaçaria
Bell Bacampos, da Redação
Roger Avanzi, o seu Rogê, 91 anos, conhecido como Palhaço Picolino, vai desfilar pela Escola de Samba Unidos de Vila Maria, na segunda 2 de março, às 2 horas da madrugada, no Sambódromo do Anhembi, em São Paulo. Caprichando no figurino, ele vai estar em um carro alegórico, que é a sua cara: a do Palhaço Picolino. Os bombeiros vão ajudar seu Rogê a alcançar o banco que ficava lá no alto do carro. Mais de 80 palhaços – entre eles, Marcelo Lujan, do Circo Zanni e Amarillo, Lu Lopes, a Palhaça Rubra e o terapeuta do riso, o Palhaço Varetta, vão acompanhar Picolino na avenida.
“No meu delírio carnavalesco imagino a chegada de uma aglomeração de palhaços”, afirma o carnavalesco e artista plástico Lucas Pinto, responsável pelo desenvolvimento do samba-enredo com a criação de fantasias e alegorias da agremiação. E a imaginação se fez presente na avenida.
“Plaisant” é francês
“Que tal ser um dos destaques da escola, com direito a carro alegórico?”, pergunto a seu Rogê, durante ensaio da Unidos de Vila Maria, na sexta-feira 21 de fevereiro. Ele responde: “Plaisant!”. Não entendo. E ele repete: “‘Plaisant’, que quer dizer agradável em francês. É que minha mãe era francesa e meu pai italiano.
Juliana Avanzi Garcia, 35 anos, está feliz porque seu avô, Roger Avanzi participa do desfile da Unidos de Vila Maria. “É mágico, lindo demais”, diz. Apesar de ser do circo, pergunto se não vai dar um frio na barriga saber que ele vai estar no alto de um carro alegórico. “Fico um tantinho temerosa. Mas ele estar com a Verônica”.
Verônica Tamaoki, diretora do Centro de Memória do Circo e autora do livro “Circo Nerino”, com a narrativa de Roger Avanzi, como mestre-de-cerimônias, da trajetória do circo mais popular também o acompanha no ensaio da Unidos da Vila Maria.
Beijo da madrinha da bateria
Seu Rogê brinca com os sons da língua francesa como “bisu” (que digo que é besouro; ele ri e explica que significa “beijo”) em meio ao batuque da bateria no ensaio da Unidos de Vila Maria, que comemorou seus 60 anos de palhaçaria.
Ele comenta também a beleza das integrantes da escola, como Dani Bolina, modelo, ex-panicats (do programa Pânico na TV) e madrinha da bateria. Ela, vestida de verde, veio dar o beijo de boas-vindas ao seu Rogê durante o ensaio da agremiação.
“Nós vamos vencer”
Cartazes luminosos na quadra cumprimentam o Palhaço Picolino por seus 60 anos de carreira. E quando ele sobe ao palco, o público, de mais de 3 mil pessoas, bate palmas e canta parabéns a você em uma só voz.
Emocionado, seu Rogê, de bengala, abre os braços e assegura: “Nós vamos vencer”. Ninguém duvida. A Unidos de Vila Maria foi rebaixada do Grupo Especial e passou para o Grupo de Acesso no Carnaval de 2013.
Esse ano vai levar para a avenida 2.100 integrantes, em 29 alas, que cantaram em samba-enredo* os 60 anos da agremiação (10/1/1954) e a volta ao túnel do tempo com brincadeiras de crianças, em que o palhaço tem espaço garantido. Sobretudo um deles: Picolino, com seus 60 anos de graça. (Roger Avanzi estreou como Palhaço Picolino, em 16 de outubro de 1954, na Bahia, durante apresentação do Circo Nerino).
Carro com a cara de Picolino
“Tudo foi preparado com muito cuidado”, afirma Marcos Cebola (Cebola é apelido), diretor da Unidos de Vila Maria. Advogado por profissão, Marcos defende a escola e seus projetos sociais.
Contou à reportagem que ele e seu Rogê fazem parte da mesma loja maçônica, que conversam sobre os projetos sociais e discutiram a participação de Picolino no desfile.
“No começo, ele estava relutante. Mas são 60 anos da Unidos de Vila Maria e 60 anos de carreira do palhaço. Resolvemos unir os dois aniversários”, afirma Cebola. “Quando o seu Rogê viu a alegoria do carro que presta homenagem a seu personagem, o Palhaço Picolino, ele chorou”, afirma o diretor.
“Substitui meu pai como Picolino”
Seu Rogê conta sua estreia, em 16 de outubro de 1954, como Palhaço Picolino, no livro Circo Nerino.
“Meu pai [Nerino Avanzi] continuava a fazer o Picolino, mas com dificuldades. Ele estava com 70 anos, e tinha um eczema na perna que nunca cicatrizava e que o maltratou durante anos. Mas o povo não percebia que o palhaço principal do circo estava velho e doente porque ele tinha uma comicidade incrível. Ele conseguia tirar graça até da sua desgraça.
Quando seu chapéu caía, eu, que fazia o clown, tinha que pegar porque ele não conseguia mais se abaixar. E o povo achava uma graça tremenda nisso. Mas eu, que estava ali, junto dele comecei a perceber que ele não estava aguentando mais.” (…)
Antes de decidir substituir o pai, “como era meu costume, fui falar com minha mãe. [Armandine Ribola, francesa, ginasta, contorcionista e trapezista]. Ela ficou apavorada:
– Não meu filho, eu não quero que você faça o palhaço.
– Mas, meu pai não está aguentando mais, eu tenho que fazer!
– Eu não quero que você faça o palhaço! Porque o palhaço, meu filho, é o prisioneiro do circo. Se você fizer um número, quando estiver indisposto dá para tirar o número do programa e você entrar na peça só para quebrar um galho. Mas se você fizer o palhaço, nunca mais vai poder sair do picadeiro.
Eu relutava, relutava… Até que decidimos, isto é, ela decidiu. Achou que precisava mesmo. E assim mesmo. E assim eu substuí meu pai. E o substitui com o mesmo figurino, a mesma maquiagem, o mesmo nome: Picolino.
“Depois do Picolino passei a ser outra pessoa”
Estreei no dia 16 de outubro de 1954, em Coaraci, na Bahia. Antes de entrar, tremia feito vara verde. Pesava-me nos ombros a responsabilidade de fazer o Picolino.” (…)
“Quando sai de cena, a roupa do Picolino pingava, parecia que eu tinha entrado debaixo de um chuveiro.
Nunca mais fui o mesmo. O meu ego transformou-se completamente. Eu era uma coisa e depois do Picolino passei a ser outra. Mudei o pensamento, o modo de agir, a concepção do mundo. Parece que o palhaço se entranhou na minha pessoa. Virei palhaço entranhado. Eu não sei explicar como isso aconteceu. Talvez uma pessoa muito instruída, bastante sabida, consiga explicar essa transformação.”
* Letra do samba Unidos de Vila Maria – Carnaval de 2014
Nos meus 60 anos de alegria,
Sou Vila Maria e faço a festa, resgatando
Do passado brinquedos e brincadeiras de criança
Faço a festa com meu povo, na passarela
Mais famosa vai passar, traz o bolo, acende a vela
Na roda da vida, vou dar a volta por cima
Tem que ter paixão, para ser da Vila
No meu Pavilhão, o aperto de mão
É a força que conduz nossa família
É preciso abrir seu coração
Pra viver um mundo de emoção
No tempo voltar, brincar e ser feliz, o sete pintar.
Gargalhar ao ver o Palhaço, a encantar
No sopro do vento, a pipa voar
Meu Deus, como era bom
Se falar por uma lata e rodar pião na mão.
Tirei 2 ou 1 para a gente brincar, vem ver
Vai rolar o pique tá, tá com você
No pique esconde quero te encontrar
Jogo o ioiô, bamboleia iaiaiá.
Que felicidade, não importa sua idade
Vem para roda que vai ter ciranda
Pra chegar ao céu, eu vou pular amarelinha.
Cantem parabéns, a festa é minha
60 anos hoje vou comemorar.
Ao som das cantigas, cheguei para buscar
A peça que falta para me completar, estátua,
Desperte essa criança adormecida
Viva o melhor da vida,
Deixe a alegria te levar
Tags: Picolino, roger avanzi, Unidos de Vila Maria, veronica tamaoki
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Parabéns pela reportagem. Homenagem indubitavelmente mais do que merecida. Palhaço Picolino o Mestre da Alegria.