Clip Click
“Palhaços têm de ser respeitados, pois, com frequência, são portadores da verdade”, diz Dario Fo
Palhaços são portadores da verdade
“Os palhaços têm de ser respeitados, pois, com frequência, são os portadores da verdade. E isso vale para o comediante Beppe Grilo, cujo Movimento 5 Estrelas foi o mais votado nas eleições parlamentares de fevereiro, o que chocou muita gente na Itália, assustou os parceiros europeus e mexeu com os mercados internacionais. É o que diz o escritor e ator italiano Dario Fo, Nobel de Literatura em 1997 e que se considera um clown, um palhaço”, em entrevista a Humberto Saccomandi, do “Valor Econômico” (12/03).
“Com quase 87 anos, Fo abandonou a esquerda, por quem diz ter sempre votado, e apoiou Grillo, que afirma não ser nem de esquerda nem de direita. Isso lhe custou um amigável confronto familiar, já que seu filho Jacopo manteve o apoio público ao Partido Democrático (PD), herdeiro do antigo Partido Comunista Italiano.
Fo não só apoiou verbalmente, mas participou de comícios com Grillo, o defendeu de fortes ataques de quase toda a mídia e a intelectualidade italiana, esteve em reuniões, foi um dos ativistas mais importantes da campanha eleitoral do comediante.
Segundo ele, a acusação pejorativa de palhaço feita a Grillo pela revista britânica “The Economist” e por um político alemão é injusta e reflete a ignorância da história e o momento atual da Itália. Os italianos estão “desesperados”, diz Fo, com a crise e a falta de perspectiva do país, e Grillo conseguiu falar a essa gente. “Eu me considero um clown”, disse Fo, usando o termo em inglês, comum na Itália. “Sou alguém a ser descartado ou a ser levado em conta na cultura atual?”
O autor de “Mistero Buffo” e “Morte Acidental de um Anarquista” é um indignado, como Grillo e como milhões de europeus que sofrem as consequências da recessão e das políticas de austeridade na região. Para Fo, o sucesso eleitoral do M5E, que criou um impasse ainda não resolvido na formação do próximo governo italiano, é um alerta para a Europa e para o mundo. “É o início de uma revolução”, disse ele num vídeo postado no blog de Grillo.
Valor: Os estrangeiros custam a entender o que está acontecendo com a Itália. O que aconteceu?
Dario Fo: Aconteceu o fim do mundo… (risos). É a primeira vez que um partido, um grupo que se apresenta novo, sem um progressão, sem recursos, autônomo, contra todos e esnobado por todos, consegue chegar à frente nas eleições. “
Valor: E o que se deve esperar agora?
Fo: Agora espera-se que se abra uma estrada percorrível para realizar aquilo que é o programa de quem venceu. Se no plano da geometria venceu Bersani [Pier Luigi Bersani, líder do PD, cuja coligação teve mais votos] , seguido da direita, de fato Bersani não consegue governar sem Grillo. Grillo é a chave de toda a situação. Sem passar por ele, será preciso voltar às urnas e votar novamente. Isso deixa claro que aconteceu o que ninguém esperava, o que os outros não esperavam.” (…)
Valor: No exterior chamaram Grillo de ‘clown’
Fo: É preciso ver o que é o ‘clown’. Vejamos um pouco a história da Itália. São Francisco dizia ser um ‘giullare’ que é um tipo de palhaço. O que é o ‘clown’? É normalmente aquele que diz as coisas na forma de sátira, do grotesco, mas que permite entender a verdade da situação. Na Grécia antiga, onde se começaram a fazer comédias satíricas e grotescas, era mais fácil para os gregos entender o que estava por trás de um movimento político, de uma decisão ou de uma guerra ouvindo o ‘clown’ do que ouvindo historiadores. Com o ‘clown’ eles conseguiam entender as coisas. Com os historiadores, não, pois a história era truncada e só pessoas de um certo círculo cultural é de se jogar fora? O ‘clown´tem uma cultura ou é apenas um bufão, na linguagem comum? Eu me considero um ‘clown’, e faço espetáculo político há muitos anos. Fiz mais de 80 comédias com temas assim, que são apresentadas ainda hoje. Eu sou alguém a ser descartada ou alguém a ser levado em conta?” (…)
Valor: O sr. acha então que esses estrangeiros que chamaram Grillo de ‘clown’ têm dificuldades de entender as dificuldades pelas quais passa a Itália?
Fo: É uma ignorância. Ignorância em relação ao que é a Itália. Da Itália conhecem apenas o espaguete, a fissura pelo sexo e pelas mulheres, a esperteza, a astúcia, a máfia. Não sabem, não se lembram, que houve o humanismo, o renascimento, de todos os grandes cientistas, pensadores italianos. Há Ruzante [descrito por Fo como o maior autor teatral da Europa no renascimento], que ensinou comédia a todos, inclusive a Shakespeare, para não falar de Molière, mas não conhecem Ruzante. É preciso começar a dizer essas coisas. Assim, há o ‘clown’ obsceno, inútil, brincalhão, de um lado, e aquele culto, ligado aos interesses do povo. Não podem esquecer quantos deles acabaram queimados na fogueira, e não porque faziam rir, mas porque no riso havia um discurso político.”
Veja abaixo a íntegra da entrevista de Dario Fo ao Valor Econômico.
Tags: Beppe Grilo, dario fo, Palhaços