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Bom Bocado

Cafi Otta fala de “pão e circo”

 

Cafi Otta / Foto arquivo pessoal

  

Ingredientes frescos é uma boa pedida. E cuidado com  produtos com conservantes, umectantes, antiumectantes, estabilizantes e tudo aquilo que sai dos laboratórios.

Cafi Otta, especial para Panis & Circus

O circo tem uma forte relação com a comida, e tenho lembranças dos dois universos em momentos marcantes da minha vida.

Boa parte do meu aprendizado circense se deu na prática, na marra mesmo. Sou um dos integrantes da primeira formação do Grupo Fractons, com quem tive algumas das minhas primeiras experiências profissionais, e com quem descobri que era possível pagar minhas contas com a minha arte. No início dos anos 2000 fomos convidados pra participar de um festival de circo em Brasília, chamado Planeta Circo. Foi sensacional. Apresentamos o espetáculo Urbes, dirigido por Hugo Possolo e realizado com muito empenho, amor e dedicação por todos os envolvidos. Na ocasião demos uma oficina para uma turma de artistas locais, que hoje são alguns dos mais importantes representantes do circo do Distrito Federal, como os Irmãos Saúde e o Circo Rebote.

 

Uma deliciosa massa fresca com Francesco e Joana, em Rimini, na Itália / Foto Arquivo Pessoal

 

 

Participaram também do festival a Escola Picolino de Artes do Circo, de Salvador, criada na década de 80 pela Verônica Tamaoki e pelo Anselmo Serrat, e tocada incansavelmente por ele até hoje. De lá saíram grandes artistas, entre os quais estão os queridos Jaílton Carneiro – que depois de uma carreira brilhante no Soleil hoje vive com a família na Suécia – e  Lívia Mattos, monociclista como eu e sanfoneira de mão cheia. Enfim, os alunos da escola apresentaram um espetáculo belíssimo, do qual me lembro de duas partes: a primeira foi um garoto que tocava Brasileirinho no cavaquinho em cima do monociclo girafa. Foi tão marcante pra mim que voltei pra São Paulo e comecei a tocar cavaco, apesar de até hoje não ter dominado muito bem o instrumento. O outro ponto inesquecível foi o sopão servido aos artistas após a apresentação, e oferecido aos xeretas de plantão. A comida foi preparada durante a sessão, e o cheiro acabou fazendo parte do espetáculo.

 

Sopão / Foto Divulgação

 

Uma horta ou um jardim?

Em julho deste ano participei do Campeonato Mundial de Monociclos em Montreal, no Canadá. Durante um dia de folga das competições tentei fazer uma visita ao quartel general do Soleil, que fica na cidade. Digo tentei porque apenas convidados podem entrar no prédio. Mas a quase visita valeu muito a pena porque pude conhecer o jardim deles, que fica na frente do prédio. Um jardim que na verdade é uma enorme horta, cheia de legumes e hortaliças até então inéditas pra mim. Abóboras, brócolis e acelgas de cores diferentes, berinjelas de todos os tamanhos, um verdadeiro jardim comestível. Uma idéia maravilhosa que poderia ser adotada por empresas, escolas, prefeituras e condomínios, ainda mais no Brasil que tem o clima perfeito pro cultivo de comida.

 

Food truck circense

Certa vez fui com alguns amigos brasileiros para a Convenção Européia de Malares na Eslovênia. Tirando a chuva torrencial foi um evento e tanto. Eu e meu sócio Montanha esticamos um pouco a viagem, saindo da Eslovênia e passando pela Itália pra chegar na Espanha.

 

Vista geral da convenção européia de malabarismo na Eslovênia / Foto Arquivo Pessoal

 

A passagem pela Itália foi, obviamente, regada a ótimos vinhos e uma comida deliciosa. A cozinha tem sim seus segredos, e no caso dos italianos um deles é usar ingredientes frescos e da estação, comida de verdade e acessível. Muita massa, é claro, com os mais variados molhos, a grande maioria muito simples, em combinações clássicas e eficientes. De dar água na boca.

 

Massa à bolonhesa / Foto Divulgação

 

Prateleira de presuntos e embutidos num supermercado italiano / Foto Arquivo Pessoal

 

Já na Espanha o prazeres da mesa continuaram na mesma pegada, porém com mais intensidade. Fomos passar um final de semana com o Guga, irmão do Montanha, no CircRic, tradicional circo catalão comandado pelo palhaço Tortel Poltrona. O espetáculo era incrível, cheio de números fora de série, mas me chamou muito a atenção a rotina dos artistas do circo.

Saímos de Barcelona numa sexta feira pela manhã, e depois de cerca de uma hora e meia dirigindo chegamos a uma pequena cidade ao norte da Catalunha, perto da fronteira com a França. Era hora do almoço, que foi servido dentro de uma das carretas do circo. No cardápio, dois tipos de salsichas, algum tipo de verdura que eu nunca tinha visto tampouco provado, batatas e muita salada. Tudo delicioso. Depois de uma merecida e tradicional ciesta, hora do ensaio para os espetáculos do final de semana.

Todas as refeições seguintes foram também realizadas na carreta-refeitório, um parente dos badalados “food trucks” atuais. Todos comendo e desfrutando juntos de mais comida de verdade, talvez a melhor maneira de se alimentar.

 

Cozinha do Circ Ric / Foto Facebook da companhia

 

Refeição ao ar livre da trupe do Circ Ric/Foto Divulgação

 

 

De volta ao Planalto Central

Outra experiência cênico gastronômica aconteceu também em Brasília, dessa vez no complexo da Funarte, dentro da Sala Plínio Marcos. Foi durante uma das edições do Festclown, enquanto circulava pelo Brasil com o Namakaca pelo Palco Giratório de 2011.

Os mineiros do Grupo Armatrux também estavam rodando o país com o espetáculo “No Pirex”, uma verdadeira viagem no universo bufão. E a comida, ou melhor o cheiro da comida, é um dos personagens principais da peça. Durante a apresentação uma grande frigideira é usada pra fritar bacon, em grandes quantidades, enquanto os atores fumam charutos sem parar. O cheiro nada agradável dessa mistura defuma o teatro, e a plateia. Muitos saem no meio da apresentação. Tive um impulso de sair também, mas grudei na poltrona pra assistir até o final a uma das apresentações mais marcantes que já vi, mesmo com o estômago embrulhado.

 

Espetáculo "No Pirex" / Foto Divulgação

 

Bacon e charuto são usados em "No Pirex"/ Foto Divulgação

 

Tenho pensado, falado e estudado sobre comida nos últimos 10 anos. Não me interesso muito por alta gastronomia, quero conhecer melhor a culinária e seus segredos. Sinto que é como a busca do surfista pela onda perfeita. Uma busca sem fim por conhecimento, técnicas e sabores. E durante esse processo o cuidado com a comida, e na verdade o cuidado com as pessoas que comem essa comida, é parte fundamental. Os alimentos são a fonte da nossa energia, então se for preparado com cuidado, carinho, respeito, generosidade, amor e um pouco de técnica o resultado será bom. Por isso não dá pra deixar nas mãos das grandes companhias o poder de decisão sobre o que vamos comer. Fujo como diabo da cruz de tudo que tem escrito na embalagem “sabor disso ou daquilo”, evito os conservantes, umectantes, antiumectantes, estabilizantes e tudo aquilo que saiu do laboratório de uma empresa que está mais preocupada com o lucro do que com a nossa saúde. Mais uma vez, uma busca interminável.

 

Postagem – Alyne Albuquerque

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