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Picadeiro tradicional em filme premiado, de 1928
Vagabundo apaixonado pela bailarina em números arriscados, mas hilários
“O Circo”, um dos clássicos de Charles Chaplin (1889-1977), foi filmado, estrelado e produzido por ele. É também o autor do roteiro. A estreia mundial do filme ocorreu em 06 de janeiro de 1928, no Strand Theatre, em Nova York. O filme deu a Chaplin seu primeiro prêmio da Academia de Hollywood, em 1929, por “sua versatilidade e talento em escrever, atuar, dirigir e produzir ‘O Circo’”.
O filme conta a história de Carlitos, o Vagabundo, que encontra um circo mambembe que está passa por maus bocados. Confundido com um ladrão, o personagem foge da perseguição da polícia, entra no picadeiro e seus acidentes provocam gargalhadas no público, que até então se mostrara apático com os números circenses apresentados.
Por ser engraçado sem ter intenção de sê-lo, Carlitos é contratado pelo dono do circo como auxiliar de serviços gerais. Ele ignora que é o astro do espetáculo.
A contratação dele acontece em um momento em que os trabalhadores do circo abandonam o emprego porque estão com seus salários atrasados e só resta Carlitos para ser aproveitado como mão de obra barata.
Carlitos apaixona-se pela bailarina, que anda em cima do cavalo e é filha do proprietário do circo. Ele a defende das crueldades do pai. A bailarina, interpretada pela atriz de 18 anos, Merna Kennedy, conta ao Vagabundo que ele é o responsável pela alta na bilheteria do circo.
O Vagabundo exige do dono do circo o cachê adequado a sua função de palhaço e acaba conseguindo-o. Mas chega ao circo uma nova atração: Rex, o equilibrista do arame, que rouba o coração da bailarina.
Carlitos, enciumado, tenta imitar Rex e treina em cima de um arame bem baixo no picadeiro. Como está triste, com o coração partido, acaba perdendo a graça no picadeiro. O dono do circo fica descontente com a atuação dele.
Um dia, Rex, o equilibrista, a nova atração do circo e da bilheteria, não aparece para executar seu número. O dono do circo ameaça demitir Carlitos caso ele não substitua Rex, esquecendo que o Vagabundo havia sido o responsável por salvar o circo da ruína financeira.
Carlitos acaba na corda bamba alta, próxima ao topo da lona, sem rede de segurança. Antes de entrar em cena, vale-se de um cinto de segurança, e é içado com ele ao alto do arame por uma corda puxada por um empregado do circo.
Aí faz suas estripulias, seguro e confiante. Acontece que, no meio da caminhada no arame, o cinto se desprende. Não bastasse isso, macacos sobem no fio e deixam Carlitos literalmente de calças curtas (cueca).
Opiniões controversas dos críticos
Há críticos que consideram a cena como a representação da visão ácida de Carlitos sobre o capitalismo. Gratidão não é uma moeda comum no mundo dos negócios, que tem como lema “deixou de render, não serve mais”. Para não perder o sustento, o trabalhador do circo arrisca-se em situações de perigo sem rede de proteção.
David Robinson, autor do livro “Charlie Chaplin, uma Biografia Definitiva” (Novo Século Editora, 2011), descreve que o “O Circo” nasceu de um pesadelo criado por Chaplin. O filme foi produzido durante o divórcio dele com sua mulher Lita Grey, considerado um dos mais rumorosos dos anos 20.
Escreve Robinson: “Os pesadelos com frequência tinham sido a essência da comédia. O filme mais famoso de Harold Lloyd, ‘O Homem Mosca’, foi baseado nos perigos que ele corre no topo de um arranha-céu.” (…) “O pesadelo que Chaplin inventou – até que ponto seria uma metáfora inconsciente de seus próprios problemas? – o colocaria em uma corda bamba logo acima do picadeiro de um circo. Ele não tinha rede de segurança. Suas cordas de segurança se soltam. Ele é atacado por macacos, que arrancam as calças dele. Ele tinha esquecido de pôr sua meia de acrobata. A história que cresceu eventualmente desse culminante incidente de horror é um melodrama romântico-cômico”.
Quer tenha sido criada por um pesadelo quer tenha sido uma metáfora do sistema capitalista, a cena da corda bamba é engraçada e tensa.
Não é diferente a cena dos leões. Carlitos entra na jaula do leão e acaba preso lá dentro.
Segundo o livro de David Robinson, dois leões “haviam sido contratados (ao custo de 150 dólares por dia, incluindo o treinador: um deles era manso, mas o outro, uma criatura feroz. Em pelo menos uma cena que aparece no filme, o medo em seu rosto não era fingimento, como Chaplin admitiria sem pudor nos anos posteriores. Apesar do risco, Chaplin voltava à jaula dia após dia. Quando a sequência foi completada, ele tinha feito mais de 200 tomadas com os leões”.
“O Circo” tem gags engraçadas, que mostram o talento das expressões corporais de Chaplin: as primeiras cenas na sala de espelhos; em frente à casa dos fantasma onde ele imita um boneco; e aquela em que um esfomeado Carlitos come um cachorro-quente que está na mão de um bebê de colo e limpa a boca do bebê com o babador quando o pai se vira para ele.
Até 1964, segundo Robinson, Chaplin queria esquecer “O Circo” – não pelo filme em si, mas pelas circunstâncias das filmagens. Estava em crise com sua mulher Lita Grey e a filmagem de “O Circo” coincidiu com o que foi considerado um dos mais escandalosos divórcios de Hollywood. Os advogados de Lita tentaram arruinar a carreira de Chaplin, e a produção do filme ficou paralisada por oito meses.
“A angústia do divórcio tinha deixado sua marca nos filmes de Chaplin. No auge dos problemas com Lita, seu cabelo ficou branco do dia para o dia” (…) “Quando ele começou a filmagem seu cabelo naturalmente negro tinha alguns fios grisalhos. Agora os cabelos tiveram que ser tingidos”, conta Robinson no livro.
Catástrofes na filmagem de “O Circo”
Não param nas cenas de divórcio as catástrofes que cercam o filme. Antes de começar a filmagem, a lona do circo foi destruída por um vendaval. Na quarta semana de filmagem, foram descobertas falhas técnicas que tornaram inúteis tudo o que fora rodado antes.
Além disso, um incêndio destruiu cenários e equipamentos. Quando voltaram as filmagens, a expansão imobiliária de Hollywood havia alterado o cenário até um ponto irreconhecível.
“Então, aconteceu o último dos infortúnios que perseguiam insistentemente ‘O Circo’ [em suas cenas finais – quando o circo desarma a lona e ruma para outra cidade em vagões puxados por cavalos]. Durante a noite os vagões desaparecem. O xerife põe os delegados para trabalhar, mas não houve filmagem naquele dia; só o que a companhia podia fazer era ensaiar as cenas que seriam refilmadas até que os vagões fossem recuperados. E foram, à noite. Eles tinham sido levados por estudantes que planejavam queimá-los em uma fogueira. Uma classe inteira de calouros foi presa, mas Chaplin não quis processá-los. Tudo para evitar mais atrasos”, descreve Robinson, em seu livro.
Chaplin conseguiu transformar o caos em uma comédia genial: um verdadeiro circo, ou melhor, “O Circo”.
O filme está disponível em locadoras.
(Bell BAC)
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