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Porque o circo se aprende no colégio

 

Foto retirada do livro “Respeitável Público... O Circo em Cena”/Reprodução

Entenda o motivo pelo qual o circo nunca saiu da moda

Da quarta geração de uma família de aristas circenses, Erminia Silva poderia ter lançado um olhar nostálgico sobre a vida debaixo da lona em “Respeitável Público … O Circo em Cena” (Funarte, 264 págs.). Mas, sem abrir mão do registro pessoal e afetivo, a historiadora recusa, no livro que conta com a coautoria de Luís Alberto de Abreu, o caminho fácil de idealizar o passado.

A família, originalmente, se chamava Wassilnovich. Veio da Europa na segunda metade do século XIX, em pleno Império. Chegando ao Brasil, na condição de saltimbanco, virou “Silva” num cartório em Salvador — bastou inverter as duas primeiras sílabas e eliminar a segunda metade exótica para a família adotar o sobrenome mais popular no Brasil.

A geração de Erminia foi a primeira que não recebeu da anterior a memória circense. Seus pais e tios queriam um futuro “melhor” para as crianças — ela e dezesseis primos. Assim, em vez de percorrer o país sem criar raízes, foram morar com parentes que tinham residência fixa, o que lhes permitiu estudar em escolas.

Se a transmissão da prática foi interrompida, Erminia tratou de resgatar as histórias e os saberes circenses. Desde 1985, a autora entrevista não apenas familiares circenses, mas profissionais de outras dinastias dedicadas à arte, que tiveram trajetória com vários pontos em comum com sua própria família, a começar pela origem estrangeira.

Erminia mostra como, apesar de não ter nascido no Brasil, o circo se tornou brasileiro por excelência. Como nota na apresentação Juca Ferreira, ministro da Cultura em 2009, quando o livro foi lançado, “o circo constitui uma forma de expressão fundamental na formação cultural brasileira, por conta de sua itinerância e sua capacidade de influência em todo o território”. Para ele, o circo assimilou regionalismos e se tornou uma manifestação artística de grande penetração popular, chegando a atender a população mais do que o cinema nacional.

É comum a aproximação que se faz entre circo e teatro. A arte cênica está presente nos palcos e nos picadeiros. Ermínia, no entanto, vai além desse ponto de contato entre as artes e associa o circo à música popular. Conta que, na década de 1950, quando o rádio já havia se consolidado como veículo de comunicação de massa, os grandes artistas ainda procuravam o circo como forma de se apresentar pelo interior do país.

A autora cita a obra de Alcir Lenharo sobre os cantores do rádio: “Vicente Celestino cansou de fazer as plateias chorarem por causa do ‘Ébrio’. Cantores do rádio, como Emilinha Boba, tinham nos picadeiros dos circos o grande trunfo de seu estrelato; Dalva, Herivelto, Galhardo, Nelson Gonçalves, todo mundo ia ao circo”.

Essa tradição do circo, no entanto, acabou se perdendo a partir das décadas de 1950 e 1960. O que aconteceu? Há quase um consenso de que o surgimento da televisão foi um dos principais fatores responsáveis por esse processo. A TV, de acordo com essa visão, teria sido o elemento externo “desorganizador do modo de ser do circo”.

Erminia Silva enfrenta essa unanimidade. “Essas explicações”, diz ela, “acabam por não considerar que mudanças ocorreram devido a como o próprio circense operou no jogo de identidade e diferença, dado pela especificidade da própria dinâmica de constituição do circo-família”.

A pesquisadora pode evocar a própria história familiar, que se repetiu em outras dinastias circenses, em apoio à tese. “O conhecimento preservado na memória não era mais compartilhado coletivamente”, ela afirma. “A aprendizagem, que era o procedimento que conduzia ao domínio da técnica nas artes circenses, um dos fundamentos do circo família, não foi passada para uma determinada geração, o que levou à construção de outros modos de formação e socialização circense.”

Isso representou o fim da produção da linguagem circense, certo? Errado, rebate Erminia. O circo, ao contrário do samba, como cantava Noel Rosa, se aprende no colégio, sim. O Brasil, acompanhando uma tendência mundial, tem hoje uma centena de escolas de circo, que são um ponto de encontro entre as tradições e as novas modalidades circenses.

É por isso, respeitável público, que o circo nunca saiu da moda.

(Oscar Pilagallo)

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