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O Sorriso do Palhaço instiga e surpreende a plateia
Dani Rocha-Rosa, especial para Panis & Circus*
O Sorriso do Palhaço, criado e produzido exclusivamente para ser apresentado no encerramento do 10º aniversário do Festival Paulista de Circo, em Piracicaba, interior de São Paulo, no dia 7 de setembro, surpreendeu pelo seu ineditismo o público de cerca de mil pessoas que lotou a Lona Piolin.
O teatro chegou ao picadeiro do Piolin, a lona principal do festival, para contar a história de Augusto, um palhaço que fazia rir o público com suas trapalhadas. Mas ele queria mais: levar a alegria, mostrar a força e a beleza no limiar do picadeiro. Sem o riso fácil. E revela mazelas da vida vestidas com trajes elegantes. O personagem estava acompanhado de artistas que, com suas palavras, música e dança, convidavam o público a espiar o circo por trás da lona.
Dois contos, Sorriso ao pé da Escada, de Henry Miller, e O Funâmbulo, de Jean Genet, inspiraram o diretor Fernando Neves na criação do espetáculo. O elenco de 25 pessoas – atores profissionais do grupo Fofos Encenam, atores recém-formados no curso de extensão da SP Escola de Teatro, uma artista circense contemporânea, dois músicos e um iluminador – mostrou união e levantou o espetáculo com toda garra no espaço de apenas 30 dias.
Maíra Campos, do Circo Zanni e Cia Artinerant´s, foi convidada por Neves para uma performance com a técnica de equilíbrio em arame tenso. Durante a apresentação, a sensação era a de se estar assistindo mesmo a uma história real de vida de um palhaço. Ela andava e dançava no fio de arame da realidade dentro da ficção do palhaço.
Ao falar ao Panis & Circus sobre as particularidades e as dificuldades do trabalho em um picadeiro, Neves afirmou: “No circo, todo o barulho interfere, as pessoas conversam, as pipocas são vendidas durante o espetáculo, é um ambiente muito democrático, por isso o ator tem de multiplicar sua energia por 10.”
“O resultado foi melhor que o esperado”, explica o diretor que enfrentou problemas com o som durante o espetáculo. Para ele, contribuiu para a superação das dificuldades sonoras a atmosfera criada durante a apresentação com carga poética tangível. O resultado foi tão positivo para o elenco que segue trabalhando junto após o processo de criação de O Sorriso do Palhaço.
Por vezes, a narrativa do espetáculo lembrava a última película de Alejandro Jodorowisk: Poesia sem Fim. Tanto pelos recursos narrativos quanto pelas escolhas estéticas. O realismo, o melodrama e o surrealismo estiveram presentes para contar uma história de vida “quase” real – que poderia ser a de qualquer artista.
O público que lotou a Lona Piolin na noite do domingo se deparou com um espetáculo diferente do habitual. A história era contada por atores em cena e a narrativa fugia aos padrões circenses tradicionais.
O espetáculo exigiu reflexões do público, habituado a espetáculos circenses tradicionais, que oferecem puro entretenimento. Em alguns momentos a concentração do público ficou dispersa, em outros, ganhou aplausos. De qualquer forma, a lona manteve-se cheia até o final, com a construção de atmosferas que emocionaram e provocaram risos.
O espetáculo terminou em clima de festa, carregado de certa nostalgia e tristeza, como é próprio da vida e da palhaçaria.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista com o diretor Fernando Neves.
Panis & Circus: O espetáculo O Sorriso do Palhaço apresentado na 10ª edição do Festival Paulista de Circo é resultado de um curso de extensão da SP Escola de Teatro em parceria com a Associação Paulista dos Amigos da Arte (Apaa)?
Fernando Neves: Sim, foi um projeto da SP e da Appa. Eles pediram que fosse feita uma residência artística de um mês com cerca de 25 pessoas. Por isso, para trabalhar comigo, era necessário ter gente iniciada em teatro e com algum conhecimento da minha pesquisa sobre formas melodramáticas e como aplicá-las em cena. Por meio de exercícios, descobri o temperamento artístico da galera – quem era ingênuo, quem era cômico. E, na verdade, o grupo acabou formado por 24 pessoas (mais uma participação especial), de diversos lugares, de diversas formações e de diversos currículos. Recebi inúmeros currículos e dei sorte na escolha. Acabou sendo um grupo muito bom. Alguns já tinham feito oficina comigo lá no espaço de Os Fofos Encenam (grupo do diretor), mas a maioria não se conhecia.
Panis & Circus: Qual o roteiro que você seguiu na montagem e criação do espetáculo?
Fernando Neves: Parti de dois contos, um do Henry Miller, chamado Sorriso ao pé da Escada, e o outro, O Funâmbulo, do Jean Genet. Eles foram usados como referência para desenvolver e criar o espetáculo. Depois, fiz um trabalho para entender o que se sabia de circo: quem era palhaço – e tinha alguns palhaços no grupo – e quem tinha ou estava desenvolvendo habilidades como trapézio e tecido. Mas ninguém tinha formação profissional circense e, por isso, convidei a Maíra (Campos), do Zanni, para fazer o número do arame. Duas meninas fizeram tecido, no espetáculo, como se fosse um treino (elas são iniciantes nessa arte). O número circense mesmo ficou com a Maíra, que é maravilhosa. Na verdade, a fase final a gente montou em dez dias. Era meio assustador porque a gente sabia que ia fazer em uma lona muito grande (para mil pessoas).
Panis & Circus – E como você viu o resultado dessa residência artística durante a apresentação no festival e no picadeiro da Lona Piolin?
Fernando Neves: Apesar de problemas com o som, foi muito bonito. A gente sabia, e isso também faz parte desse treino, dessa residência, que era preciso entender o que é o circo. O circo não é um lugar confortável. O circo é muito democrático e o barulho faz parte das apresentações. As crianças querem pipoca, as pessoas conversam, participam do espetáculo, comentam cenas. É muito diferente de uma plateia mais aburguesada que a gente encontra no teatro, que se alguém fala alguma coisa, logo outro pede silêncio. O circo, não. Trata-se de um espaço democrático mesmo. Então você tem de ir para cima, tem de ter tônus, tem de multiplicar o corpo por dez. E eles foram para cima, entraram com tudo, com garra, e pisaram no picadeiro num circo para mil pessoas. Foi um processo que deu muito trabalho – eu e a Kátia Daher (assistente de direção) fizemos tudo: do figurino à maquiagem. Apesar de problemas com microfones, que, às vezes, dificultavam o entendimento do texto, o resultado foi melhor do que o esperado. Os artistas mostraram muita garra e conseguiram criar uma atmosfera acolhedora durante a apresentação. O resultado foi tão positivo, que o elenco segue trabalhando junto após o processo de criação de O Sorriso do Palhaço.
*Daniela Rocha-Rosa é atriz, participa do Circo Zanni, do Circo Amarillo e faz o espetáculo Le Class, de mágica, com Marcelo Lujan (também do Zanni e Amarillo)
Ficha técnica: O Sorriso do Palhaço
Direção e dramaturgia: Fernando Neves. Assistência de direção: Kátia Daher. Direção Musical: Fernanda Maia. Iluminação: Eduardo Reyes. Figurino: Fernando Neves e Kátia Daher. Confecção dos adereços: José Valdir. Elenco: Alexa Kiany. Aline Olmos. Amauri De Paula. Edson Thiago Rossi. Emiliano B Favacho. Gabriela Vieira. Giovanna Paixão. Guto Moura. Henrique Vasquez. Igor Amanajás. Igor Mo. Janaína Amorim. Jojo Brow-nie. Juliana Birchal. Lucas Branco. Mara Frangella. Marco Barreto. Maria Bia. Maria De Maria. Marina Oliveira. Mauricéia Rocha. Olívia Pacífico. Veca de Verônica. Yvie Tinoco.
Participação especial: número de arame tenso: Maíra Campos.