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Suor e lágrimas na montagem do Zanni
Cafi Otta, especial para Panis & Circus
“O local escolhido para a curtíssima temporada de quatro espetáculos foi o Parque do Povo, um lugar marcante para o desenvolvimento do circo em São Paulo, e certamente, no Brasil. Ali, próximo ao lugar onde a lona do Zanni foi montada, funcionou durante anos o Circo Escola Picadeiro – uma escola de circo que ficava sob a lona de Zé Wilson Moura Leite, um dos nomes mais importantes do circo brasileiro, talvez, uma das primeiras famílias a abrir seu baú de conhecimentos para aqueles que não vinham de famílias tradicionais circenses.
Lá se formaram inúmeros artistas que depois espalharam ainda mais estes saberes milenares, inclusive Fernando Sampaio e Domingos Montagner, o Duma, que mais tarde iriam criar o Circo Zanni com mais sete sócios.
Além do local, muito especial é também o momento vivido pela família Zanni. É a primeira vez que a lona é montada depois do trágico acidente que comoveu o país. Inclusive o nome desta temporada faz menção ao bordão usado por Duma em todas as apresentações do circo: “o espetáculo não para, tem sequência”.
Dessa vez a temporada não conta com nenhum patrocínio, está tudo sendo feito através da ajuda dos amigos e parceiros, e com uma campanha de financiamento coletivo, onde quem apoia o projeto ganha recompensas. Dependendo do valor aportado os prêmios são os ingressos para assistir as apresentações. Esta é mais uma característica que faz dessa temporada um marco na trajetória do Zanni.
Um dia pra ficar na minha memória
No dia 1 de dezembro de 2016 acordei cedo para não perder meu treino semanal na academia. Vida de artista/atleta não é mole não. Depois de 48 flexões de braço, mais de 100 abdominais e intermináveis exercícios para as pernas – maratonas de monociclo podem ser especialmente penosas para as pernas –, enfim, depois de muito sofrimento prazeroso na academia, peguei a bicicleta e fui para o Parque do Povo. Cheguei a imaginar que não me deixariam participar tão ativamente da montagem, já que eles tem anos de montagens nas costas. Engano meu!
Quando cheguei quase não tive tempo de cumprimentar todos meus queridos amigos, logo me entregaram uma marreta – motivo de gozação generalizada, porque me deram o que chamam de marreta de brinquedo, um pouco menor do que as outras usadas pelos trogloditas da montagem. Assim começou minha primeira experiência na subida de um circo.
Entre marretas, estacas, moitões, mastaréis, catracas, mastros, cavaletes, cúpula, lona, panos de roda e afins, o que pude presenciar foi um verdadeiro ballet durante a montagem.
Subir uma lona de circo dá muito trabalho! E a cada minuto aparecia mais uma amigo pra ajudar, e a cada amigo o trabalho se tornava menos pesado, e mais divertido. Tudo o que o corpo reclamava, a alma agradecia.
Depois de uma pausa para o almoço o trabalho seguiu tarde adentro. O clima foi extremamente generoso com a equipe. Não choveu, apesar do céu nublado, e o sol não apareceu para castigar a todos. O mormaço que se sentia de vez em quando fez algumas vítimas, inclusive eu. Estou com o rosto ardendo depois de passar o dia sem protetor solar.
Me marcou muito também o tom ritualístico impresso por Pablo Nórdio, do Zanni, na montagem. Enquanto os quatro mastros do circo eram erguidos, num dos momentos mais perigosos da montagem, afinal são estruturas enormes e muito pesadas, Pablo se colocava entre os dois mastros da frente, exatamente embaixo da estrutura, para ver o alinhamento dos mastros de trás, e quando fazia isso fincava com força os dois pés no chão. Com os braços ao lado do corpo comandava a tensão dos cabos, com movimentos sutis e com alguns olhares fulminantes para quem quer que fizesse mais força que o necessário. Uma verdadeira dança com uma estrutura de toneladas nas mãos.
Conto rapidamente um pedaço dessa história que não pude testemunhar ao vivo, mas que imagino como se tivesse visto. Me contaram que no dia anterior a montagem, o próprio Zé Wilson foi levar as carretas do Circo Zanni com todo o material. Quando ele entrou no parque, que por tanto tempo foi sua casa, ele disse: “agora fiquei emocionado, criei meus filhos aqui dentro”.
Por essas e outras que só tenho que agradecer a família Zanni por me deixar entrar um pouco em seu universo, por me emprestarem a marreta de brinquedo pra que eu sentisse na pele o gostinho de montar um circo – mesmo que só tenha provado um pouquinho desse gosto. Obrigado por me deixarem estar por perto num momento tão especial de sua história. Já estou ansioso para ver os espetáculos, e para a desmontagem, que imagino que deve dar muito trabalho também!
Termino de escrever este texto às 9 horas da manhã de um sábado lindo. Espero meu filho acordar para pegarmos as bicicletas e irmos até o parque ver o circo montado. Gostaria que outras pessoas pudessem fazer isso com seus filhos, sempre. Gostaria que São Paulo voltasse a ter uma escola funcionando sob uma lona, no Parque do Povo. É possível, é preciso, é merecido.”
Veja abaixo mais fotos da montagem do Zanni do álbum de Georgia Branco
Postagem – Alyne Albuquerque
Poxa Cafizão , muita emoção meu caro.
Grato pela cobertura. Beijunda .
Jacó
que texto e que fotos! ontem me emocionei com uma foto do espetáculo em plena praça… mas essa tua “reportagem” da montagem é uma aula de circo e de confraria, de fratria…. que afinal é a alma do circo, da generosa roda do circo. Obrigado por compartilhar.