Pé na Estrada
Teatro de Anônimo: 30 anos de estrada
Mônica Rodrigues da Costa*, especial para Panis & Circus
Em 2017 a companhia Teatro de Anônimo comemorou 30 anos de espetáculos e experimentos, em oficinas e vivências de circo, espetáculos e performances, no Sesc Pinheiros, na capital paulista em abril.
Adultos e crianças brincaram de ensaiar números circenses, exercitando o corpo, fortalecendo os sentimentos e aprendendo a fazer arte. Nada melhor que a atividade do circo, popular, sincrética e sintetizadora por essência, para reunir a família numa manhã de sol.
Duas das oficinas concorridas aconteceram na praça ao ar livre, uma para crianças a partir de três anos e seus pais, outra para maiores de cinco anos e os pais, mas o púbico de crianças menores participou em peso.
Foram bem divertidas e reveladoras de um aspecto comum na vida dos artistas de circo: os ensaios com toda a família no picadeiro, que em geral ocorriam pelas manhãs nos picadeiros que montavam a lona nas periferias das grandes cidades até a década de 90 no Brasil e que ainda são vistos hoje em cidades do interior e são evocados pelo circo contemporâneo de forma paródica.
A ideia de oficina para toda a família do Teatro de Anônimo, com sede no Rio de Janeiro, evoca também o espírito simples do circo, em que a finalidade do treino é também socializadora dentro de determinada comunidade. É o caso do Teatro de Anônimo, que faz uma espécie de teatro étnico e integrador no Rio de Janeiro desde 1986.
As oficinas apresentaram exercícios que servem de base para vários números do picadeiro. Filhos e pais rolaram pelos acolchoados disponibilizados pelo Sesc Pinheiros, deram cambalhotas, pularam de uma perna só e fizeram muitas improvisações rítmicas. Isso ocorreu no primeiro número da oficina ao meio-dia do sábado, 21/4. No improviso, Davi bateu palmas, Isadora deu pulos e bateu palmas e Maria rodopiou. Todo mundo sabia de cor a brincadeira com a música “Escravos de Jó”.
Samuel e Lorena divertiram-se equilibrando pratos. O menino gostou da brincadeira a tal ponto que a repete, compenetrado, em casa.
No dia seguinte, a mesma coisa, só que com crianças maiores, que estavam em maior número, entre quatro e nove anos. O aquecimento é variado e inclui as posições de mesa e canoa, entre outras.
As duplas de pais e filhos tentaram se equilibrar imitando avião, treinaram malabarismo com bolas e muitas variações do número de equilibrismo chinês. Crianças e adultos fizeram exercícios em duplas, que preparam para os números em que um palhaço, por exemplo, serve de escada para que seu parceiro realize uma façanha. No final, o grito de guerra e o sorriso no rosto.
Os artistas que deram as oficinais Circo em Família e a Oficina Recreativa de Circo tiveram duração de 45 minutos cada uma e foram ministradas por Shirley Britto, Duda e Maria Angélica Gomes.
Os três, ao lado de João Carlos Artigos, são atores dos espetáculos “Cabeça de Nego”, “Tomara que Não Chova” e “Intermezzo”, que integram o repertório do grupo na mostra do Sesc em comemoração aos 30 anos.
“Roda Saia Gira Vida”
Em 1996 e 1997 o Teatro de Anônimo apresentou na cidade de São Paulo “Roda Saia Gira Vida” (1994), com números que imitavam animais do circo, de acrobacias no trapézio, cantigas e outras atrações comuns do picadeiro.
Sobre “Roda Saia Gira Vida”, esta jornalista escreveu algumas reportagens e notícias do Teatro de Anônimo. O estilo do grupo tinha a ver com aqueles artistas mambembes da comédia de arte europeia, provocando risadas no público desde ao armar da tenda no meio da praça até as piadas dos palhaços. Os números que apresentaram então destacavam o próprio fazer artístico do gênero e da companhia.
O Teatro de Anônimo apresentou-se nessa época com banda ao vivo e sempre dentro do desenho de um círculo no chão cujo centro é o trapézio.
Escrevi então: ”Os atores exibem quadros em sequência, sem narrativa, sem palavras, para comentar ou parodiar números tradicionais do circo. Refere-se a técnicas tradicionais usando outras linguagens, de teatro, de teatro de rua, de improviso, música e dança. Há jogos participativos de ilusionismo e tem a clássica dupla de comediantes com repertório popular tradicional”.
Trajetória do grupo
O grupo carioca é craque em teatro de rua, acrobacia aérea e números de palhaços. O jornal Folha de S. Paulo e outros veículos paulistas, como a Veja, noticiaram com frequência os espetáculos do Teatro de Anônimo desde seu aparecimento a público, em 1986. Em 13/11/94, na reportagem sob o título “Artistas fazem shows pela paz no Maracanã”, Mário Moreira descreve uma companhia que levava seu espetáculo no estádio do Maracanã (RJ) com “60 palhaços, malabaristas, pernas-de-pau, mímicos, cuspidores de fogo e patinadores, no projeto “Maracanã, estádio da paz”, cujo evento foi uma parceria entre o empreendimento cultural Circo Voador e a Secretaria Estadual de Esporte e Lazer para chamar a atenção e combater a violência das torcidas esportivas.
O Teatro de Anônimo é um grupo sempre incluiu preocupação social com o público em seu repertório, de mobilização e conscientização de minorias e estímulo à formação da identidade nacional popular.
O Circo Voador tinha nesse momento uma trupe antiviolência com artistas da Escola Nacional de Circo e as companhias Tá na Rua, Marias da Graça, Teatro de Anônimo e Palha Assada participaram.
A Folha registrou então que o Teatro de Anônimo apresentaria no Rio “In-Conserto” (1993), espetáculo que faz a sintetize de trabalhos anteriores do grupo. Recebera a supervisão cênica do italiano Nani Colombaioni, parceiro de Federico Fellini nos filmes “I Clowns”, “La Strada”, “Amacord” e representante da quinta geração da família Colombaioni, cujas origens remontam à Commédia dell’Arte”.
Em 1996 o Teatro de Anônimo lançou o Festival internacional de palhaços Anjos do Picadeiro em São Paulo, com espetáculos, debates, oficinas, mesas-redondas e exposição-instalação acerca do palhaço. Nas várias edições do evento estiveram no Brasil artistas norte-americanos como Moshe Cohen (ong Palhaços Sem Fronteira) e dinamarqueses como Kai Bredholt, do Odin Teatre, de Eugenio Barba, além de espanhóis (Donald Lehn, fundador da Associação de Malabaristas de Madri, e Tortell Poltrona), italianos, canadenses, argentinos e grupos brasileiros, como os Doutores da Alegria (SP), Trampulim (MG), La Mínima (SP) e os Parlapatões Patifes e Paspalhões (SP).
Os palhaços convidados sempre trouxeram a marca da arte do palhaço como uma missão social.
Na terceira edição, o Teatro de Anônimo reuniu o cômico italiano Leo Bassi, a clown brasileira Angela Castro e o ator e palhaço Hugo Possolo, dos Parlapatões.
De acordo com o site do grupo de Anônimo, a companhia “busca em seu trabalho, realizar uma parceria cidadã com a sociedade civil, extrapolando a ideia de comunidade delimitada por um espaço físico, para alcançar o conceito de comunidade que se liga por um sentimento de pertencimento, necessidade de identidade, de troca no campo do trabalho, do lazer, das afetividades, criando assim, territórios flutuantes que se movimentam de acordo com a necessidade de se manterem vivos e produzindo singularidades e bens materiais.”
Em 2010 o grupo tornou-se Ponto de Cultura e realiza oficinas de especialização paras cerca de 80 artistas nas áreas de comicidade, acrobacia aérea e gestão.
Confira: www.anjosdopicadeiro.com.br
Link pra entrevista de João Artigos:
http://www.teatrodeanonimo.com.br/conteudo/entrevista-nova-gera%C3%A7%C3%A3o
*Jornalista frila, doutora em semiótica, professora e poeta.